Introdução
Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
DESAPEGO
Vivemos uma época de celebridades, apelos fáceis à riqueza, ao consumismo, às paixões avassaladoras. Transitamos aturdidos por um mundo em que o destaque vai para aquele que mais tem. E a todo o instante os comerciais de televisão, os anúncios nas revistas e jornais, os outdoors clamam: "Compre mais. Ostente mais. Tenha mais e melhores coisas.”.
É um mundo em que luxo, beleza física, ostentação e vaidade ganharam tal espaço que dominam os julgamentos. Mede-se a importância das pessoas pela qualidade de seus sapatos, roupas e bolsas. Dá-se mais atenção ao que possui a casa mais requintada ou situada nos bairros mais famosos e ricos. Carros bons somente os que têm mais acessórios e impressionam por serem belos, caros e novos. Sempre muito novos.
Adolescentes não desejam repetir roupas e desprezam produtos que não sejam de grife. Mulheres compram todas as novidades em cosméticos. Homens se regozijam com os ternos caríssimos das vitrines. Tornamo-nos, enfim, escravos dos objetos.
Objetos de desejo que dominam nosso imaginário, que impregnam nossa vida, que consomem nossos recursos monetários. E como reagimos? Será que estamos fazendo algo - na prática - para combater esse estado de coisas?
No entanto, está nos desejos a grande fonte de nossa tragédia humana. Se superarmos a vontade de ter coisas, já caminhamos muitos passos na estrada do progresso moral.
Experimente olhar as vitrines de um shopping. Olhe bem para os sapatos, roupas, jóias, chocolates, bolsas, enfeites, perfumes. Por um momento apenas, não se deixe seduzir. Tente ver tudo isso apenas como são: objetos. E diga para si mesmo: “Não tenho isso, mas ainda assim eu sou feliz”. “Não dependo de nada disso para estar contente”.
Lembre-se: é por desejar tais coisas, sem poder tê-las, que muitos optam pelo crime. Apossam-se de coisas que não são suas, seduzidos pelo brilho passageiro das coisas materiais. Deixam para trás gente sofrendo, pessoas que trabalharam arduamente para economizar...
Deixam atrás de si frustração, infelicidade, revolta. Mas, há também os que se fixam em pessoas. Vêem os outros como algo a ser possuído, guardado, trancado, não compartilhado. Esses se escravizam aos parceiros, filhos, amigos e parentes. Exigem exclusividade, geram crises e conflitos. Manifestam, a toda hora, possessividade e insegurança. Extravasam egoísmo e não permitem ao outro se expressar ou ser amado por outras pessoas.
É, mais uma vez, o desejo norteando a vida, reduzindo as pessoas a tiranos, enfeiando as almas. Há, por fim, os que se deixam apegar doentiamente às situações. Um cargo, um status, uma profissão, um relacionamento, um talento que traz destaque. É o suficiente para se deixarem arrastar pelo transitório. Esses amam o brilho, o aplauso ou o que consideram fama, poder, glória. Para eles, é difícil despedir-se desse momento em que deixam de ser pessoas comuns e passam a ser notados, comentados, invejados.
Qual o segredo para libertar-se de tudo isso? A palavra é desapego. Mas... Como alcançá-lo nesse mundo? Pela lembrança constante de que todas as coisas são passageiras nessa vida. Ou seja: para evitar o sofrimento, a receita é a superação dos desejos.
Na prática, funciona assim: pense que as situações passam, os objetos quebram, as roupas e sapatos se gastam. Até mesmo as pessoas passam, pois elas viajam, se separam de nós, morrem... E devemos estar preparados para essas eventualidades. É a dinâmica da vida.
Pensando dessa forma, aos poucos a criatura promove uma auto-educação que a ensina a buscar sempre o melhor, mas sem gerar qualquer apego egoísta. Ou seja, amar sem exigir nada em troca.
Texto da Redação do Momento Espírita.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
UM RETALHO DE RUBEM ALVES
"A fala do poder não nos causa embaraço algum. Sobre ela não paira nenhum interdito. Tanto que, ao que me consta, as autoridades eclesiásticas, até o momento, não lançaram proibições sobre os rambos da vida nem sobre aqueles que se dedicam à fabricação das armas. No entanto, pudicos parlamentares evangélicos se movimentaram para que se retirassem, no salão do congresso, telas que mostravam os seios nus das mulheres, enquanto conservadores e liberais católicos se uniram para impedir a apresentação de Je vous salue, Marie! Camisinhas de vênus são terrores infernais maiores que a violência do poder. Como disse alguém, censor é aquele que corta a cena quando o mocinho beija o seio da mocinha e deixa a cena quando o mocinho corta o seio da mocinha. Brinco coma insólita possibilidade de que o discurso político tenha a função não confessada de silenciar o discurso erótico. É sintomático que, até agora, tanto as teologias conservadoras quanto as revolucionárias não tenham sido capazes de elaborar um discurso prazeroso, e muito menos um discurso sobre o prazer. A ética e a política parecem-me ser a continuação moderna do ascetismo que faz silêncio sobre as vozes do corpo".
Rubem Alves, no livro: Se eu pudesse viver minha vida novamente..., página 45.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
JUSTAMENTE POR ISSO
"Não vos escrevi porque ignorásseis a verdade,
mas porque a conheceis. - (I João, 2:21)
O intercâmbio cada vez mais intensivo entre os chamados “vivos” e “mortos” constitui grande acontecimento para as organizações evangélicas de modo geral.
Não é tão-somente realização para a escola espiritista; pertence às comunidades do Cristianismo inteiro.
Por enquanto, anotamos aqui e ali protestos do dogmatismo organizado entretanto, a revivescência da verdade assim o exige.
Toda aquisição tem seu preço e qualquer renovação encontra obstáculos espontâneos.
Dia virá em que as várias subdivisões do evangelismo compreenderão a divina finalidade do novo concerto.
O movimento de troca espiritual entre as duas esferas é cada vez mais dilatado. O devotamento dos desencarnados provoca a atenção dos encarnados.
O Senhor permitiu mundial Pentecostes para o reajustamento da realidade eterna.
Convém notar, contudo, que as vozes comovedoras e revigorantes do Além repetem, comumente, velhas fórmulas da Revelação e relembram o passado da Sabedoria terrestre, a fim de extrair conceituação mais respeitável referentemente à vida.
É neste ponto que recordamos as palavras de João, interrogando sinceramente: comunicar-se-ão os “mortos” com os “vivos”, porque os homens ignoram a verdade?
Isso não.
Se os que partem falam novamente aos que ficam é que estes conhecem o caminho da redenção com Jesus, mas não se animam, nem se decidem a trilhá-lo.
Emmanuel (Espírito), através de Francisco Cândido Xavier,
no livro: Pão Nosso, capítulo 96.
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
O BEM E O MAL
Questão
de alta complexidade para a criatura humana, o dualismo do bem e do mal
encontra-se ínsito na sua psicologia interior, confundindo-a e perturbando-lhe,
não raro, o discernimento.
Com características
metafísicas, na sua formulação abstrata, essa dualidade concretiza-se nos atos
do ser, gerando fenômenos relevantes de consciência, que contribuem para o
equilíbrio ou a desordem psíquica, de acordo com as suas respectivas
manifestações.
Em todos
os períodos da cultura ancestral encontramos o esforço da religião e do
pensamento tentando estabelecer os paradigmas em que se apoiam um e outro,
para melhor explicá-los.
Ontem,
era uma abstração meramente filosófica ou religiosa, passando, mais tarde, a
fazer parte da ética, no capítulo da moral, avançando historicamente até
interessar à sociologia, ao comportamentalismo, à psicologia.
O código
de Hamurabi, inscrito em uma estela de diorito, já definia as ações louváveis e
as reprocháveis, simbolizando o bem e o mal, com as respectivas consequências
legais no comportamento humano em relação à criatura em si mesma, à sociedade e
ao seu próximo.
Entre
medos e persas — o livro sagrado ZendAvesta separava a mesma dualidade nas
personificações de Ormuzde — ou representação do bem — e Ariman — ou
personificação do mal —, em cuja luta o último seria submetido e por consequência eliminado.
A Bíblia,
por sua vez, representa o bem nas deidades angélicas e o mal, nas demoníacas,
ambas, no entanto, sob o controle de Deus, contra Quem se rebelara Lúcifer
que, expulso do paraíso, tornou-se-Lhe o adversário temerário...
A
Metafísica Tradicional, analisando a Criação, estabeleceu os dois princípios,
do bem e do mal, que se vinculam ao conciliador, no vértice superior do simbólico
triângulo isósceles.
Logo
depois, a interpretação chinesa apresentou-os nas duas admiráveis forças
cósmicas: o Yang — masculino,
positivo, seco, bom — e o Yin —
feminino, úmido, negativo, frio —, que se conciliam sob o comando da suprema
perfeição ao confundirem-se, gerando a harmonia.
Inspirada
no hinduísmo, a Trilogia da Criação apresenta Brama como Plenipotente, o
Princípio Supremo, e as duas forças antagônicas, Vishnu, o Conserva dor, ou princípio
construtor e Shiva, o Destruidor, ou
princípio aniquilador dos seres, em perene luta até a supremacia do
edificador...
Das
concepções pretéritas à realidade presente, filosoficamente o bem é tudo quanto
fomenta a beleza, o ético, a vida, consoante a moral, e o mal vem a ser aquilo
que se opõe ao edificante, ao harmônico, ao bem.
Sociologicamente
o bem contribui para o progresso, e todas as realizações que promovem o ser, o
grupo social e o ambiente expressam-lhe a grandeza, a ação concreta que
resulta da capacidade seletiva de valores éticos para a harmonia e a
felicidade.
Como
efeito, o mal decorre de todo e qualquer fenômeno que se opõe ou conspira
contra esse contributo superior.
A
Psicologia não poderia ficar indiferente a essa dualidade que existe no ser
humano, remanescendo como as suas aspirações de crescimento e elevação, do
nobre e equilibrado, do saudável e propiciador de paz.
Ao mesmo
tempo, o atavismo dos instintos agressivos propele-o para a violência — quando deseja possuir —, para o
vilipêndio — quando se sente diminuído —, para o grotesco e vulgar — quando
derrapa no menosprezo de si mesmo...
Desenvolvendo,
no entanto, a consciência que sai do torpor de nível de sono sem sonhos, imediatamente começa a perceber os
valores que compensam e os que conflitam o comportamento psicológico, impulsionando-o,
embora lentamente, para a adoção de conduta mental e física, idealista e
comportamental do bem, tornando-se instrumento útil no grupo social, que se
promove e eleva-o a estágio superior, permitindo-lhe aspirar sempre a mais e
melhor.
Esse
discernimento, que resulta da consciência em libertação dos condicionamentos
escravizadores, amplia a capacidade para identificar o bem e o mal, predispondo-o
à eleição do primeiro em detrimento do outro.
Se, por
acaso, incorre em equívocos de seleção e tomba nas malhas do mal, mesmo que sob
as circunstâncias perturbadoras do ódio, do medo, da angústia, da volúpia, da
desordem interior, ao descobrir-se em falta, faz o quadro de consciência de culpa e sofre as
patologias afugentes, que se lhe tornam mecanismos reparadores.
Afirma-se,
porém, que a linha divisória entre o bem e o mal é tão fluida e oscilante que,
não raro, o bem de hoje torna-se o mal de amanhã e vice-versa, numa dialética
sofista, que se poderia considerar anárquica...
Certamente,
muitos códigos e leis, de acordo com as conveniências de grupos e castas, de
partidos e raças, de religiões e credos, por questões imediatistas, tentam
tornar legais comportamentos que não são morais e, reciprocamente,
justificando-se atitudes vulgares e tentando liberar-se comportamentos
alienados, condutas extravagantes e arbitrárias.
O
Decálogo moisaico, no entanto, sintetiza os códigos moral e legal, portanto, o
que é bem e o que é mal, havendo facultado a Jesus afirmar, em grandiosa
proposta, toda a complexidade desse fenômeno dual: — Não fazer a outrem o que não deseja que ele lhe faça.
Porque
ainda injustos os homens, as leis que elaboram possuem os seus parcialismos,
defecções, devendo ser respeitadas, sem que a algumas delas se atribuam reais
valores morais, significativos e definidores do bem e do mal.
O bem e o
mal estão inscritos na consciência humana, em a natureza, na sua harmoniosa
organização que deu origem à vida e a fomenta.
Tudo
quanto contribui para a paz íntima da criatura humana, seu desenvolvimento
intelecto-moral, é-lhe o bem que deve cultivar e desenvolver, irradiando-o
como bênção que provém de Deus.
E esse
mal, aliás transitório, temporal, que o propele às ações ignóbeis, aos
sofrimentos, é remanescente atávico do seu processo de evolução, que será
ultrapassado à medida que amadureça psicologicamente, e se lhe desenvolvam os
padrões de sensibilidade e consciência para adquirir a integração no Cosmo,
liberado das injunções dolorosas, inferiores.
Joanna D'Angelis, Espírito, através de Divaldo Pereira Franco, no livro: Ser Consciente.
NÃO RESISTAIS AO MALIGNO
compreendidas, e
ainda menos praticadas, sobretudo no ocidente cristão essencialmente
violentista. No número de abril de 1959, da célebre revista mensal Stimmen der Zeit, dos padres jesuítas
alemães, aparece um artigo, da autoria do jesuíta P. Hirschmann, provando que
a guerra atômica pode ser lícita, no caso em que seja necessária para salvar o
Cristianismo sobre a face da terra. No mesmo sentido escreve o jesuíta P.
Gundlach, que foi conselheiro espiritual do Papa Pio 12º, afirmando que a
guerra atômica, e mesmo a extirpação de um povo inteiro (naturalmente a
Rússia!) é não somente lícita, mas pode até ser dever de consciência no caso em
que esse povo seja um impedimento para o triunfo do Cristianismo.
O que inspira semelhantes
monstruosidades, oficialmente aprovadas pela respectiva igreja, é a clamorosa
confusão entre “Cristianismo” e “Cristo”. Por “Cristianismo” entendem esses
autores uma determinada organização eclesiástica, engendrada, através dos séculos,
por hábeis teólogos e devidamente codificada pelos chefes hierárquicos dessa
sociedade eclesiástica. A fim de preservar da destruição essa organização
político-financeiro-clerical apregoam esses homens a liceidade da destruição do
espírito do Cristo, que em hipótese alguma aprovaria a morte de um único ser
humano, menos ainda a extinção de muitos milhões de inocentes, a fim de salvar
o reino de Deus. Como se pode salvar o verdadeiro Cristianismo, que é o reino
de Deus, destruindo-o radicalmente pela matança em massa.Por onde
se vê que esses doutores em teologia eclesiástica são perfeitos analfabetos na
suprema sabedoria do Sermão da Montanha, e do Evangelho do Cristo em geral.
O gentio
Mahatma Gandhi, não permitindo a morte de um só homem para libertar a Índia,
compreendia mil vezes melhor o espírito do Cristo do que esses chamados
“cristãos”, razão por que declarava a todos os missionários do ocidente que
procuravam convertê-lo ao Cristianismo: “Aceito o Cristo e seu Evangelho — não
aceito o vosso Cristianismo.”
*
“Não
resistais ao maligno!”...
Nenhuma
igreja, nenhum Estado cristão aceitou, até hoje, essa doutrina do divino
Mestre. Todos praticam violência, por sinal que todas as sociedades, civis e
eclesiásticas, se guiam, até hoje, pela lei do talião, estabelecida por Moisés,
“olho por olho, dente por dente”. Aliás, parece mesmo que uma sociedade
organizada não pode guiar-se pelo espírito do Evangelho do Cristo, porque
qualquer sociedade organizada é baseada sobre o egoísmo, que aprova à violência;
parece que só um indivíduo pode ser realmente crístico, não violentista. A
sociedade tem determinados estatutos, leis, parágrafos jurídicos, que implicam
sanção, isto é, violência, punição aos infratores dos estatutos jurídicos da
sociedade. Sendo que toda a sociedade é produto da inteligência e a
inteligência é, essencialmente, egoísta, não pode haver uma sociedade
não-egoísta, não-violentista. Se Mahatma Gandhi conseguiu libertar a Índia com
ahimsa (não-violência) foi unicamente porque, ao redor dele, havia numerosos
indivíduos firmemente alicerçados na mesma verdade, como concebeu o próprio
Presidente Nehru, e não porque a sociedade como tal se guiasse pelo princípio
altruísta da ahimsa. Toda e qualquer sociedade, como sociedade, pratica
necessariamente himsa (violência), sob pena de se destruir a si mesma, não
fazendo valer as suas leis; só um indivíduo pode praticar ahimsa, não pagando
mal com mal, mas pagando o mal com o bem, amando aos que o odeiam.
“Não
resistir ao maligno” é, pois, uma ordem que visa diretamente o indivíduo em
vias de cristificação. Uma sociedade, sendo fundamentalmente egoísta, nunca
pode ser crística, embora possa dizer-se cristã, isto é, egoísta envernizada de
Cristianismo.
Nenhuma
sociedade organizada pode abrir mão dos seus “direitos”, sob pena de cometer
suicídio, ela só existe em virtude dos seus “direitos”; o direito, porém, é uma
forma de egoísmo, e egoísmo gera violência. Só se a sociedade abdicasse dos
seus “direitos”, tudo endireitaria; mas, enquanto ela faz valer os seus
“direitos”, tudo está torto.
O
contrário do “direito” é a “justiça”, que é praticamente idêntica ao amor. A
“justiça”, no sentido bíblico, é invariavelmente a “justeza”, o perfeito
“ajustamento”, a harmonia entre o indivíduo e o Universal, entre o homem e
Deus, entre a creatura finita e o Creador Infinito. Essa justiça, porém, é o
perfeito amor, como aparece no “primeiro e maior de todos os mandamentos”,
enunciado por Jesus.
No
frontispício do Fórum da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, se acham gravadas
estas palavras do jurista-filósofo Cícero: Summum jus —Summa
injuria (o supremo direito é a suprema injustiça). Quem reclama todos os
seus direitos pessoais, age em nome de seu ego, que é necessariamente egoísta;
mas quem pratica a justiça, age em nome da Constituição Cósmica do Universo,
age em nome da própria alma do Universo, que é Deus; age, em nome do amor
cósmico, que é a voz do divino Eu no homem.
Quem
apela para seus “direitos” age em nome do ego, que é violentista.
Quem
apela para a “justiça” age em nome do Eu, que não é violentista.
“Não
resistir ao maligno” é, pois, um apelo para o divino Eu no homem, e não para
seu humano ego.
*
Há, na legislação mosaica, uma
matemática estranha: supõe que uma violência se neutralize com outra violência.
Se alguém me arranca um olho ou quebra um dente, e eu lhe arrancar também um
olho e quebrar um dente, estamos quites; porque cobrei do meu devedor uma
divida em aberto.
Na realidade, porém, não estamos
quites, nem eu nem ele, porque um negativo dele mais um negativo meu dão dois
negativos; quer dizer que nós dois meu ofensor e eu, ofensor dele, criamos dois
males no mundo; e, como a segunda ofensa exige uma terceira, da parte dele, e
essa reclama uma quarta ofensa, da minha parte, e assim por diante, numa
indefinida “reação em cadeia” — é claro que nós dois, o ofensor de lá e o
ofensor de cá, vamos piorando o mundo cada vez mais, enchendo-o de negativos e
mais negativos.
Contra
essa falsa matemática de Moisés opõe Jesus a verdadeira matemática,
absolutamente lógica e racional, afirmando que o negativo (mal) só se
neutraliza pelo positivo (bem), e que o único modo de melhorar o mundo e a
humanidade é pelo processo de: 1) não resistir ao mal; 2) de opor o bem ao mal.
O meu positivo oposto ao negativo do meu ofensor neutraliza esse negativo, e o
resultado é zero; mas, se eu opuser ao negativo do ofensor não apenas um
positivo (um bem), porém, muitos —digamos 10 — neste caso não somente
neutralizei o negativo (mal) dele, mas ainda há um superavit de positivos, isto é, enriqueci a humanidade de bens
positivos.
Mahatma
Gandhi — precisamente por ser Mahatma, “grande alma” — compreendeu e praticava
admiravelmente essa matemática espiritual do Evangelho do Cristo, dando à
não-resistência o nome sânscrito de ahimsa e à política benevolência para com o
ofensor o nome de satyagraha (apego à verdade), ou seja amor, justiça cósmica.
Naturalmente,
para que alguém possa praticar essa não-violência e essa benevolência, tem de
passar por uma profunda experiência mística sobre a sua verdadeira natureza, e
não se identificar com seu ego físico-mental-emocional.
Huberto Rohden, no livro, Sermão da Montanha.
O MANIQUEÍSMO: O BEM, O MAL E SEUS EFEITOS ONTEM E HOJE
Temo o homem que só conhece um livro (Timeo hominem unius libri). - Sto. Tomás de Aquino
É
possível que os primeiros homens não nasceram com
inteligência. Esta foi construída ao longo de sua
história de hominização. A evolução de qualquer criança
em todos os tempos e culturas, que evolui do mais
simples para o mais complexo pensamento abstrato ou
simbólico, deve estar ainda acontecendo com o ser
humano, ou seja, ainda estamos em processo de evolução
de nossa capacidade de raciocínio, de convivência
com as diferenças de raça, cultura, religião, língua
ou modo de ser.
Desde
o seu surgimento, o homem é movido por duas lógicas,
consciente e inconsciente. O homem, primeiramente
instintivo e passional, foi sendo recoberto pela consciência
e razão. Mas essa razão ainda não conseguiu determinar
a totalidade de seus atos. Ou seja, o irracional cujo
efeito são as passagens aos atos ainda domina grande parte do existir humano. Freud
descobriu que somos resultantes de dois princípios
psíquicos opostos que lutam entre si: os Princípios
de Prazer ou do Gozo e o de Realidade. E, ainda, haveria
uma luta entre essas duas e a leis da cultura, cujo
base inaugural teria surgido com a proibição do incesto.
Esse
jogo de forças - do desejo e da cultura - sempre foi
complicado para as culturas entender, resolver ou
administrar. Tradicionalmente a cultura resolveu,
reprimindo, regrando, punindo, etc. Foi preciso muito
tempo, experiências e debate para que algumas culturas
e sujeitos aprendessem a conviver com o seu próprio
desejo, com o erótico, com as diferentes sexualidades,
especialmente com a mulher. Todas as culturas ainda
têm dificuldade de aceitar que o Bem e o Mal constituem
o todo do ser humano. As pulsões e desejos humanos
sempre foram tidos como forças demoníacas. Na antiguidade,
o demônio nada tinha a ver com o diabo, era um ser inspirador ou era quem vetava
as más atitudes. Sócrates, no séc. 5 antes de Cristo,
dizia que o daimon
o guiava ao bem e vetava suas tendências mal pensadas.
Só mais tarde é que interesses mais políticos que
religiosos, fizeram acontecer a fusão do demônio como
o diabo, satã, etc.
Um
dos mecanismos mais utilizados pelo ser humano para
se livrar do Mal é a projeção
de sentimentos ou figuras inexistentes como operadores
simbólicos do psiquismo. A atividade psíquica que
sustenta a projeção é de ordem inconsciente, tal como todos os demais mecanismos de defesa. Odiar
o vizinho, ou não aceitar uma tendência sexual, ser
invejoso, etc. poderia forçar o psiquismo a projetar
essas ideias e sentimentos em outras pessoas, personificadas
enquanto diabo, satã, enfim o Mal. Uma nação inteira
pode ser tomada pelo histerismo de projetar numa só
figura o Mal que, no fundo, é dela mesma. Mas, ela
própria não se dá conta disso, visto ser uma ação
made in inconsciente
que demanda purificação de Mal.
Maniqueísmo:
a luta entre o Bem e o Mal
O maniqueísmo é
uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto
como que dividido em dois: o do Bem e o do Mal. A
simplificação é uma forma primária do pensamento que
reduz os fenômenos humanos a uma relação de causa
e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não
é. A simplificação é entendida como forma deficiente
de pensar, nasce da intolerância ou desconhecimento
em relação a verdade do outro e da pressa de entender
e reagir ao que lhe apresenta como complexo. "A
pressa de saber obstrui o campo da curiosidade e liquida
a investigação em muito pouco tempo", declara
o psicanalista W. Zusman (A
terra sob o poder de Mani, JB/s.d.). A pressa
não é só inimiga da perfeição, é também inimiga do
diálogo, do pensamento mais elaborado, sobretudo,
filosófico e científico.
O
maniqueísmo
é uma forma religiosa de pensar; não como religião
autônoma, mas enquanto comandos camuflados que influenciam
os discursos do cotidiano, inclusive as religiões
formais e seitas.
Mani
(Manes ou Manchaeus), nascido na Pérsia, no século
III, fundou uma
religião, o maniqueísmo, após ter sido "visitado" duas vezes por um
anjo que o convocou para esta tarefa, fato este comum
entre aqueles que fundam religiões e seitas até hoje.
A religião maniqueísta se difundiu pelo Império Romano
e pelo Ocidente Cristão. O maniqueísmo combina elementos
do zoroastrismo, antiga religião persa, e de outras
religiões orientais, além do próprio Cristianismo.
"Possui uma visão dualista radical, segundo a
qual o mundo está dividido em duas forças: o Bem (luz)
e o Mal (trevas) como entidades antagônicas em perpétua
luz. Luz e trevas no sistema maniqueísta não são figuras
retóricas, são representações concretas do Bem e do
Mal. O Reino da Luz e o Reino das Trevas estão em
permanente conflito. É dever de cada ser humano entregar-se
a esse eterno combate para extinguir em si e nos outros
a presença das Trevas afim de poder alcançar o Reino
da Luz, que é o Reino de Deus. No maniqueísmo, os
homens "eleitos" irão purificar o Bem, com
uma vida de castidade, renúncia a família, alimentação
especial, etc.
A
expressão maniqueísmo ganhou uso corrente
ao definir aquele tipo de pessoa ou aquele
tipo de pensamento de estruturação dualista que reduz
a vida (ou alguns de seus aspectos) a pares antagônicos
irreconciliáveis, tipo: direita/esquerda, corpo/mente,
reacionário/progressista, belicista/pacifista, fiel/infiel,
capitalista/comunista, individualismo/coletivismo,
branco/negro, ariano/judeu, raça superior/raça inferior,
objetivo/subjetivo e assim por diante. "É evidente
que não se pode deixar de reconhecer a existência
daquilo que cada um desses pares antiéticos nomeia,
mas o pensamento maniqueísta vai além na medida em
que considera que um
lado deve destruir o outro, porque um é Luz e o outro
Trevas" (Zusman), um é o Bem e o outro é
o Mal.
Por
exemplo, a propaganda nazista contra os judeus plantou
no inconsciente do povo alemão o que este já continha
de preconceito e racismo. Primeiramente,
o alemão ariano e cristão tinha herdado a crença de
que os judeus eram os assassinos de Cristo e representavam
o diabo ou todas as forças do mal, na terra. Assim
como Cristo comanda o mundo espiritual, o diabo comanda
o mundo material - dinheiro, poder e sexo.
Segundo,
os judeus foram associados a esses três elementos
materiais, principalmente o dinheiro. No período nazista,
as crianças alemãs eram educadas para estigmatizar
os judeus, com desenhos e histórias associando-os
ao mal ou ao diabo. Terceiro, a propaganda nazista foi sistemática contra os judeus, explorando
o simplismo do pensamento maniqueísta. Começaram associando
os judeus a traças, piolhos e vermes que "corroíam
a economia alemã", em verdade, tal propaganda
preparava
o espírito coletivo alemão para a chamada "solução
final" ou medida "higiênica" de extermínio
em massa de todo o povo judeu, segundo análise de
Robert Vistrich, da Universidade de Jerusalém.
Outro
exemplo, no período da guerra fria, o presidente norte-americano,
R. Reagan, fazia declarações apontando os soviéticos
como a encarnação do demônio. Depois, o Bush pai,
fez o mesmo com Saddam Hussein. Hoje, o Bush filho,
personifica o Mal em Osama bin Laden e declara em
bom discurso maniqueísta de que "quem não está
com os EUA, está a favor dos terroristas. Os fundamentalistas
islâmicos usam do mesmo maniqueísmo com os norte-americanos,
chamando-os de "grande Satã" e Israel de
"pequeno Satã". São mais que discursos,
são preparativos para ações de destruição do mal em
nome do bem. Sendo o maniqueísmo uma simplificação
do modo de pensar a vida todo o sistema social que
sobre ele se monta é necessariamente dogmático, violento,
intolerante e também fadado ao desmoronamento.
O
maniqueísmo não se sustenta por muito tempo, devido
ao seu dogmatismo, isto é, sua incapacidade de colocar
à prova da realidade ou da lógica, suas verdades simplificadas.
Como seu pensamento está reduzido a um par de verdades
antagônicas, aceitar o raciocínio do outro, discordante,
significa deixar-se arrastar para o domínio do mal
e ser por ele tragado. A vida do maniqueísta se converte
em uma prontidão de vigilância (paranoia) constante
para não se deixar iludir com os "discursos sedutores".
Santo Agostinho que inicialmente foi maniqueísta, depois de ter se
afastado, escreveu em Confissões
(livro 7) que, nessa doutrina "não tinha
encontrado paz e apenas expressava opiniões alheias".
Atualidade
do maniqueísmo
O
modo de pensar maniqueísta é oportunista em todos
os espaços humanos. Ele demonstra ter mais força quando
vivemos situações-limite, desesperança, ódio extremo,
ou falta de perspectiva quanto ao futuro. Nesses momentos,
a mente regride às origens, em busca de soluções mágicas,
simplistas, libertadoras de angústia. A história alerta
que, até pessoas sofisticadas intelectualmente e nações
cientificamente avançadas, como EUA, Alemanha, Israel,
foram levadas pela onda histérica maniqueísta. Os
sintomas aparecem nos discursos: "infinita justiça",
"cruzada contra o terror", "guerra
santa [Jihad] contra o império do mal", a alegria
de antiamericanos após o ataque a Nova York e pseudo-análises
comparando as mortes desses ataques com as de outras
partes do mundo, etc. Leonardo Boff, ex-frei franciscano,
prolífico escritor, guru da teologia da libertação,
atualmente teólogo e ambientalista, em recente entrevista
no jornal O
Globo, num
acesso de ira ideológica que não condiz com o autêntico
espírito do cristianismo disse: ''Acho muito pouco
cair um avião sobre o Pentágono. Deveriam cair 25
aviões. É preciso destruir o Pentágono todo.'' Segundo
a crítica de Alberto Dines, do Observatório da Imprensa,
não foi um escorregão retórico, a tese é defendida
''racionalmente'' mais adiante colocando o Pentágono
e as torres do WTC como símbolos de um sistema que
precisa ser destruído para acalmar a perplexidade
da humanidade.
Escreve
Dines: "O compassivo teólogo sabe que os aviões
não caíram do céu empurrados pela Divina Providência,
foram jogados por alguém. Sabe também que nesses edifícios,
com apenas três Boeings, foram assassinadas milhares
de pessoas. A hecatombe que propõe não é arquitetônica
ou mero saneamento urbanístico. Com
seus 25 aviões está sugerindo um verdadeiro genocídio
em nome da proposta de unir espiritualidade, justiça
social e defesa do meio ambiente. A hecatombe
que propõe não é arquitetônica ou mero saneamento
urbanístico. Com
seus 25 aviões está sugerindo um verdadeiro genocídio
em nome da proposta de unir espiritualidade, justiça
social e defesa do meio ambiente".
Enfim,
todos saímos perdendo ao ler falsas análises - ou
meras opiniões fundadas no pensamento maniqueísta.
Alguns fazem comparações absurdas de Bin Laden como
se fosse o Che Guevara de hoje. Ora, colocar ambos
no mesmo saco é o mesmo erro que chamar um chinês
de japonês ou um cearense de baiano. Bin Laden é de
origem aristocrática, nunca se preocupou com a pobreza
e é um seguidor fanático
do Alcorão que ele interpreta como quer. Já Che Guevara
era um médico que se tornou um guerrilheiro marxista,
um sonhador da erradicação da pobreza; seu método
de luta não matava inocentes tal como faz o terror,
mas os adversários em combate e, também questionava
o valor da religião. Bin Laden nada tem de socialista,
não tem projeto de uma sociedade progressista, em
nada avança no pensamento dialético, muito ao contrário,
como todo fundamentalismo religioso, no fundo é um proto-fascista. Che olhava para o futuro, já o Bin
Laden quer levar a sociedade para um passado mítico
- que nunca houve - segundo a promessa das escrituras
sagradas.
Como
alerta Zusman: "É mais fácil criar "mísseis
inteligentes do que conquistar a inteligência que
permite a superação do pensamento maniqueísta".
É mais cômodo seguir os paradigmas estabelecidos do
que rever os posicionamentos, reorganizar e contextualizar
o pensamento, ter a coragem de reconhecer os erros
ou até abandonar um posicionamento por outro melhor.
Portanto,
mais que uma forma simplista e dogmática de pensar,
o maniqueísmo propõe uma ação, uma luta eterna contra
o Mal, personificado em algumas coisas, pessoas e
situações. Na ação maniqueísta "vale tudo",
até mesmo a violência extrema contra o Mal, que ele
delira. A guerra e a tortura são os principais meios
do maniqueísmo. Hitler, também acreditava ter uma grande
missão de purificação da humanidade. "As lágrimas
da guerra prepararão as colheitas do mundo futuro",
escreveu.
K. Popper constata que " toda vez
que o homem quis trazer o céu para a terra, fez reinar
o inferno". Sabemos pela história que o pior
inferno é aquele que mata, oprime e ordena, em nome
do Bem contra o Mal. Nada é tão perigoso quanto a
certeza, o dogmatismo, a fé cega ou louca.
Nietzsche
propõe pensarmos para além do Bem e do Mal:
"Perguntai aos escravos quem é o "mau"?,
e apontarão a personagem que para a moral aristocrática
é "bom", isto é, o poderoso, o dominador"
(GM, pref. XI). Então,
o Bem e o Mal, dependem da perspectiva e dos interesses
de quem julga. Deveríamos nos colocar no lugar do
outro. Por exemplo, por quê Bin Laden é um homem "mau"
para o ocidente-cristão e, é herói "bom"
no oriente islâmico? Por quê algumas igrejas
fazem show
contra o Mal, mas terminam mais falando das terríveis
forças do Mal do que do Bem?
A atitude cética parece ser o melhor
remédio contra o maniqueísmo. O cético suspende o
juízo, não toma partido, não se rende ao simplismo
de encurralar o pensamento entre a paredes do Bem
e do Mal, do certo e errado. Suspender
o juízo não quer dizer inação; significa elaborar
um melhor pensamento para além da solução dualista,
ou seja, um agir com sabedoria. A educação e a cultura tem
uma grande tarefa pela frente para prevenir o maniqueísmo.
Por Raymundo de Lima, Psicanalista e Professor da UEM, publicado em dezembro de 2001. Para acessar o texto original, clicar AQUI.
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