Que seria do Cristianismo se Jesus recorresse à proteção de César?
Possivelmente, alguns patrícios simpáticos à nova doutrina se
encarregariam da obtenção do alto favor. Legiões de soldados viriam garantir o Messias e os amigos do Evangelho
alinhar-se-iam à força da espada, não mais de ouvidos espontâneos, mas
com a atenção absorvida na postura oficial. Pedro e João, Tiago e Felipe adotariam certas normas de vestir, segundo
os programas imperiais, e o próprio Cristo, naturalmente, não poderia
ensinar as verdades do Céu, sem prévia audiência das autoridades
convencionalistas da Terra. Provavelmente, o Mestre teria vencido exteriormente todos os adversários e dominaria o próprio Sinédrio.
Mas… e depois?
Sem dúvida, ter-se-ia fundado expressiva e bela organização
político-religiosa, repleta de preceitos filosóficos, severos e
regeneradores. Mateus teria envergado a túnica do escriba estilizado,
enquanto Simão gozaria de honras especiais e o próprio Jesus passaria à
condição de um Marco Aurélio,
cheio de austeridade e nobreza, interessado em ensinar a justiça e a
sabedoria, mas em cujo reinado se verificariam perseguições das mais
terríveis e sangrentas ao Cristianismo, sem que as ocorrências dolorosas
lhe merecessem consideração.
O Mestre, contudo,
compreendia a necessidade das organizações humanas, exemplificou o
respeito à ordem política, mas, acima de tudo, serviu ao Reino de Deus,
de que era representante e portador, neste mundo de experiências
provisórias, dirigindo seu Evangelho de Amor, não só ao homem físico,
mas essencialmente ao homem espiritual.
Sabia Ele que as organizações religiosas, propriamente ditas, existiam entre as criaturas, muito antes dos templos de Baal.
Urgia, porém, entregar aos filhos da Terra a herança do Céu,
integrá-los na doutrina viva do bem e da verdade, estabelecer caminhos
entre a sombra e a luz, aperfeiçoar caracteres, purificar sentimentos,
elevar corações, instituir a universidade do Reino de Deus e sua
justiça. Entendia que a sua obra era de semeadura, germinação,
crescimento, tempo e trabalho constante.
E plantou com o seu exemplo o Cristianismo sublime no campo da Humanidade, ensinando o acatamento a César, cooperando no aperfeiçoamento de suas obras, mas fazendo sentir que
César constituía a autoridade respeitável no tempo, enquanto o Pai
guarda o poder divino na eternidade.
Na exemplificação do
Cristo, o Espiritismo evangélico, na sua condição de Cristianismo
redivivo, deve procurar as suas diretrizes, edificantes no terreno da
nova fé. As organizações políticas, de natureza superior, são sempre
dignas e respeitáveis e todos os seguidores do Evangelho devem
honrar-lhes os programas de realização e progresso coletivo,
acatando-lhes as instituições e contribuindo para o seu engrandecimento,
na esfera evolutiva, mas não se pode exigir, da política de ordem
humana, a solução dos problemas transcendentes de ordem espiritual.
Na atualidade do
mundo, o Espiritismo é aquele Consolador prometido, enfeixando nova e
bendita oportunidade de redenção. Em seu campo doutrinário, a verdade de
Deus não está algemada, seus felizes estudantes e seguidores podem
aquecer o coração ao sol da liberdade íntima, sem obstáculos na marcha
da consciência para a realização divina.
Aos espiritistas dos tempos novos, portanto, surgem lições vivas, que não podem relegar ao esquecimento.
O sacerdócio organizado costuma ser o cadáver do profetismo. O culto externo nem sempre favorece a luz da revelação. A teologia, na maior parte das vezes, é o museu do Evangelho.
Urge, pois, em todas
as circunstâncias, não olvidar Aquele que auxiliou romanos e judeus,
atendendo ao povo e respeitando as autoridades, dando a César o que era
de César e a Deus o que é de Deus, ensinando, porém, que o seu reino ainda não é deste mundo.
Francisco Cândido Xavier pelo espírito Emmanuel, no livro "Coletâneas do além" publicado em setembro de 1945.