Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 13 de fevereiro de 2016

O TOQUE DA CURA

Mas Jesus disse: "Quem me tocou?" Como todos negassem, Pedro com seus companheiros disse: "Mestre, as multidões te apertam e te oprimem e dizes:"Quem me tocou? - Lucas, 8:45.


Assediado pela multidão, com certeza muitos eram os que, de maneira voluntária ou involuntária, tocavam no Senhor...

Aquela pobre mulher, no entanto, lograra tocar-lhe apenas na orla da veste e ficara curada! Que diferença poderia haver entre o seu toque e o dos demais? 

Não seria ela talvez, portadora do poder de autocura de suas enfermidades, tanto do corpo, quanto de algumas moléstias na alma? Por que motivo o Senhor nem sequer atinara com as outras mãos aflitas que o incomodavam, pousando-lhe sobre o corpo?

O episódio, narrado por Lucas, possui detalhes que não podem ser omitidos: aquela irmã, que padecia de uma hemorragia havia doze anos, "veio por trás" de Jesus, e, mesmo assim, não passou ignorada pela sua divina percepção: "Alguém me tocou, porque senti que de mim saiu poder". O toque da cura é o toque da fé!

Quem se coloca em condições de receber, ainda que ignorando como o fenômeno se processa, naturalmente recebe a cura, pelo simples fato de ter fé.

A mulher não havia se colocado nem mesmo dentro do campo visual do Senhor e nem por ele fora tocada em um só fio de seus cabelos, mas se viu integralmente curada.

A cura para qualquer mal que nos atormenta, desde que sejamos motivados pela fé verdadeira, dispara dentro de nós uma força, ainda desconhecida, que movimenta nossos próprios recursos espirituais. Por isso, a quantos proporcionava a bênção da cura, o Senhor, esquivando-se de todo mérito, dizia: "A tua fé te salvou".

Por Marco Antônio Kinche, no livro 
"Depressão - Entenda-a e cure-se", capítulo 14, páginas 101 e 102.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A TRAGÉDIA DA DEPRESSÃO

A cultura contemporânea, ante o utilitarismo de que se faz portadora, emissária do consumismo e da perda de identidade do ser humano, que a todos iguala em padrões de esdrúxulo comportamento, favorece a irrupção pandêmica da depressão, conforme vem assolando em toda parte.

Propondo o imediatismo como medida salvacionista do caos que se estabelece, em razão da ausência de objetivos relevantes para a existência, estimula a aquisição de recursos que somente proporcionam os meios para o prazer e o narcisismo, o desfrutar dos gozos exaustivos, levando ao estresse, por um lado, quando as dificuldades se apresentam, ou ao tédio, após fruídos continuamente.

Essa conduta é estimulante aos iniciantes nos jogos dos interesses materiais, sem a experiência, que é fruto dos labores vivenciados na conquista dos ideais mais significativos da sua existência.

Buscando as sensações fortes do dia a dia, não se preocupam com as emoções superiores da vida a serviço da iluminação pessoal, como consequência do conhecimento intelectual e do sentimento profundo do amor, em perfeita identificação de objetivos morais.

O ser humano encontra-se, quando nessa condição, soterrado sob a força dos desejos primários que o vêm conduzindo pelo amplo período da evolução. 

Ademais dos fatores sociopsicológicos geradores da depressão, é possível acrescentar-se os que se derivam da perda de sentido existencial, da ausência de segurança nos padrões nobres das tradições de beleza e de objetivos dignificantes, da falta de convivência saudável com o próximo, em razão do medo de ser traído, abandonado, explorado ou simplesmente ignorado quando as suas necessidades se impuseram em relação à amizade e ao afeto.

Quando se cultivam sentimentos agradáveis, o sistema límbico no cérebro é acionado, produzindo bem-estar, mantendo a temperatura em harmonia, afetando desse modo todas as funções orgânicas e, naturalmente, as emocionais.

Por meio das neurocomunicações, a vida expressa-se no corpo de acordo com as paisagens ancestrais da hereditariedade, das enfermidades infectocontagiosas, dos traumas da infância, dos distúrbios orgânicos, assim como dos conflitos que atormentam o indivíduo, levando à saúde ou aos variados transtornos que lhe afetam a existência. 

O desequilíbrio das funções tireoidianas, as mudanças orgânicas pela menopausa e pela andropausa, o câncer, o abuso do álcool, as doenças cardiovasculares, a idade avançada contribuem de maneira vigorosa para a presença da depressão, que tende a agravar-se conforme o tratamento ou não que se lhe ofereça. 

Como decorrência, surgem os seus sintomas em forma de fadiga, estresse, problemas de alimentação, aumento ou perda de peso, mal-estar generalizado, dificuldade de sono contínuo com episódios de insônia, indigestão, palpitações, dores articulares, disfunção sexual, vertigens, sobretudo desinteresse pela vida...

A depressão é perversa, porque também se esconde sob máscaras sutis, infelicitando aqueles que lhe tombam nas armadilhas.

Merece, no entanto, ter-se me mente como preponderantes as heranças das reencarnações transatas que respondem pelos sintomas geradores do tormento depressivo.

*** 


Herdando as suas ações anteriores, positivas e negativas, quando há predominância das prejudiciais, o Espírito renasce com as tendências funestas para a depressão, bem como para todos e quaisquer problemas na área da saúde, ou, quando são nobres, enriquecido de valores que o tornam saudável. 

Eis porque se torna indispensável a vivência das atitudes espirituais elevadas, que estimulem pelo pensamento o cérebro à manutenção das monoaminas responsáveis pela harmonia e bem-estar emocional: a serotonina, a noradrenalina, a dopamina...

Mediante as terapias médicas especializadas, os pensamentos habituais de desprezo por si mesmo, pelo mundo e pelo porvir lentamente cederão lugar à esperança, com algumas alternativas perturbadoras, até se fixarem os ideais de renovação responsáveis pela conquista da saúde.

Nesse período de terapêutica medicamentosa, nunca esquecer que a interrupção por este ou aquele motivo irá produzir resultados danosos à recuperação, podendo levar o paciente a um estado de cronicidade do distúrbio depressivo.

Não poucas vezes, a melhora que o enfermo experimenta durante o tratamento proporciona-lhe a ideia falsa da cura, o que lhe faculta a atitude errônea de suspender os medicamentos, que se farão necessários no próximo episódio ou recidiva.

O contributo da psicoterapia defluente do esforço pessoal em favor da própria cura, das leituras edificantes e estimuladoras, dos objetivos enobrecedores da existência humana, o trabalho artístico em qualquer área, ensejando a instalação da beleza na névoa da depressão, a oração ungida de amor e de confiança em Deus, simultaneamente a recepção de passes e a absorção da água fluidificada são de alta magnitude, favorecendo a reconquista integral da saúde emocional.

Isto porque, invariavelmente, nos transtornos de conduta como noutros, sempre existem interferências espirituais infelizes, produzidas por antigos desafetos que ficaram na memória do passado, mas que prosseguem vivos e atuantes, buscando desforçar-se dos sofrimentos que lhes foram infligidos por aqueles que agora lhes transformam em vítimas.

A obsessão campeia na área do comportamento com mais vigor do que se pode imaginar, sendo, não raro, a causa de maior número de problemas emocionais e psíquicos de que padece a sociedade.

Os fatores exógenos e endógenos, encarregados de os desencadear, encontram-se ínsitos nas causas reais desses acontecimentos perturbadores, que muitas vezes se fazem funestos.

Porque ninguém foge da consciência, mesmo quando não se encontra instalada a culpa dos males que foram praticados nas existências passadas, eles permanecem nos arquivos profundos do perispírito, responsável pelas fixações no inconsciente individual, facultando a sincronização com as mentes desencarnadas perversas, mediante o fenômeno da afinidade vibratória.

A existência humana sempre transcorre através de erros e acertos que oferecem o saldo correspondente à qualidade das ações praticadas.

Quando essas pertencem ao quadro do bem, elevam o ser, que se reencarna sem as feridas morais trazidas do ontem, portador de recursos saudáveis para o trânsito carnal. No entanto, quando há predominância dos débitos morais, o Espírito, ao reencarnar-se, imprime nos tecidos sutis da organização cerebral o esquema de valores que lhe dizem respeito, programando a jornada física.

Tudo no universo obedece à ordem, ao equilíbrio, aos padrões divinos da justiça e equanimidade.

Os infratores das Leis sofrem, como é compreensível, o resultado do seu desrespeito a esses códigos inalteráveis.

*** 


Em razão do número volumoso dos depressivos, generaliza-se por outra parte a preocupação de diagnosticar-se qualquer fenômeno de tristeza como sendo o distúrbio infeliz.

A tristeza faz parte do cardápio da saúde, proporcionando momentos de melancolia, de reflexão, de falta de interesse por valores que, em determinado momento, eram portadores de significação, e a perderam. 

Esse fenômeno, porém, que é natural em a natureza humana, que o experimenta com certa periodicidade, não se deve prolongar, a fim de não se transformar da dolorosa patologia.

Sintoniza, portanto, as tuas aspirações nas propostas de Jesus, em torno da vida e da alegria de viver, resultando em saúde espiritual que tomará conta da tua existência, tornando-te realmente feliz.

Por Divaldo Pereira Franco, através do Espírito Joanna D'Angelis, 
no livro "Entrega-te a Deus", capítulo 22, páginas 139 a 145.


FORMAS DE BEM-ESTAR E A RESPOSTA DE NOSSOS GENES

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Por Marco Callegaro, Portal Ciência & Vida.

A nova ciência da Psicologia Positiva tem ampliado seus estudos em diferentes domínios, incluindo pesquisas em Neurociências. Uma das questões fundamentais para a Psicologia Positiva é o avanço na compreensão científica da felicidade. O conceito de bem-estar subjetivo, atualmente, se desdobra em duas importantes vertentes. Os psicólogos positivos distinguem entre dois tipos essenciais de bem-estar subjetivo, a felicidade eudaimônica e a hedônica. Enquanto a felicidade hedônica se refere primariamente à somatória das experiências afetivas positivas vivenciadas por um indivíduo, a felicidade eudaimônica, um conceito originalmente formulado por Aristóteles, envolve um senso de propósito e direcionamento da vida para alcançar um potencial. A eudaimonia é um tipo de felicidade mais profunda, que resulta do esforço feito em direção a algo maior que tenha sentido para a pessoa, algo com nobreza na proposta e que ultrapasse a simples autogratificação.

Ambas dimensões da felicidade estão profundamente enraizadas na biologia e evolução do cérebro, com o bem-estar hedônico implicado na motivação de adaptações básicas fisiológicas e psicológicas, enquanto a eudaimonia está relacionada com a motivação de capacidades culturais e sociais mais complexas.

Como exemplos de eudaimonia, podemos citar os prazeres sociais de sentir-se conectado aos outros, os prazeres cognitivos relacionados a considerar novas ideias, ou prazeres espirituais como conectar-se com algo maior do que o próprio Self. Já o hedonismo envolve a procura de estímulos ou situações prazerosas. Um dos problemas do hedonismo como estratégia para buscar a felicidade é a chamada memória de habituação, que torna uma sensação prazerosa cada vez mais fraca a cada repetição do estímulo. Dessa forma, o hedonismo como via exclusiva para a felicidade tem a desvantagem de enjoar a pessoa dos prazeres que está vivenciando, sendo que cada vez é necessário um estímulo mais potente para produzir o mesmo nível de satisfação.

A BUSCA DE PRAZER DE FORMA HEDÔNICA ALTERA O PADRÃO DE EXPRESSÃO GENÉTICA DE MANEIRA SEMELHANTE AO ESTRESSE, ENQUANTO A FELICIDADE LIGADA AO SENTIDO, OU EUDAIMONIA, TURBINA O SISTEMA IMUNE

Uma investigação realizada pela psicóloga positiva Barbara Fredrickson procurou verificar o papel dos dois tipos de felicidade no código genético, com foco na expressão de componentes do sistema imunológico. A pergunta de pesquisa que os investigadores tentaram responder é se de fato existem diferenças entre a felicidade eudaimônica e hedônica na modulação do sistema imunológico. Para chegar à resposta, os pesquisadores analisaram os perfis de expressão genética basal de leucócitos, que são componentes do sistema imune, em 80 sujeitos adultos saudáveis. Os sujeitos foram avaliados tanto no grau de bem-estar hedônico como eudaimônico, e também em outros fatores biológicos e psicológicos que poderiam confundir o foco do estudo.

Os resultados mostraram que os dois tipos de felicidade têm perfis bem diferentes, e modulam o sistema imunológico em direções opostas. As células sanguíneas mononucleares periféricas de pessoas com altos níveis de bem-estar hedônico mostraram expressão de uma resposta transcricional à adversidade que envolve aumento da expressão de genes pró-inflamatórios e diminuição de expressão de genes envolvidos na síntese de anticorpos e outras respostas imunológicas. Em contraste, altos níveis de bem-estar eudaimônico foram associados a um padrão oposto, onde diminui a expressão genética pró-inflamatória e aumenta a expressão de genes relacionados à síntese de anticorpos.

Segundo os resultados do estudo, existe um contraste agudo entre a resposta dos genes à felicidade apenas prazerosa e aquela ligada ao significado. A felicidade hedônica parece acionar uma resposta dos genes ligada à promoção de doenças e estresse crônico. A eudaimonia aciona os genes de outra forma, melhorando as defesas imunológicas e contribuindo para a saúde e resiliência do organismo. Isso implica em uma direção importante para nossos esforços rumo à felicidade, pois parece existir um efeito mais favorável a saúde na busca de sentido na vida do que na entrega aos prazeres somente. A sociedade está estruturada em função do consumo e oferece as mais variadas formas de estímulos prazerosos, em uma espiral crescente de hedonismo e busca de gratificação pessoal. No entanto, a procura de significado em nossas vidas, e cultivo de valores mais amplos, que considerem o bem-estar dos outros, pode ser um caminho mais produtivo e saudável.

Para saber mais:
Fredrickson, B. L. et al. A functional genomic perspective on human well-being, PNAS - Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 110, n. 33, p. 13684-13689, July 29, 2013.

ENTRE OS ATOS, OS FATOS , E O SER SOCIAL

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Por Rafhael Peixoto, no Litera Tortura.

Queridos amigos e por que não (des)conhecidos,

Você não é livre, ainda que tenham lhe sujeitado esta ideia. Mas também não é um sujeito sem escolhas, é preciso falar. Quando você nasceu, já preexistia um mundo no qual você foi inserido, o que significa dizer que o modo como este mundo se comportava influenciou diretamente no modo como você se constituiu enquanto sujeito. Sei que o exercício de abstração às vezes é difícil, mas é sempre necessário. Assim, quando falo em um mundo que nos antecede, falo também de um mundo de ideias, de conceitos, de significações e de representações. Percebe? Você não é livre de todas as amarras sociais, mas, mediante a compreensão da sua realidade, pode fazer outras escolhas, novas escolhas – ou não.  Isso quando você ultrapassa o limite entre o ser e conhecer o processo que constitui esse ser. Em outras palavras, é preciso escolher entre a pílula azul e a vermelha.

Quem sou eu neste mundo? Quem é você neste mundo? Um exercício constante de aproximações e distanciamentos, eu diria. Eu me pareço com aquele outro, logo, me aproximo. Eu não me reconheço naquele outro, logo, eu me distancio. É este tensionamento entre o que me é comum e o que me difere que permite que eu construa minha identidade. Novamente: eu me construo com e a partir da minha relação com o outro. A partir do momento em que nos identificamos com outros sujeitos, e percebemos proximidades e similaridades, passamos a constituir um grupo.

Vamos unir o pensamento até agora apresentado? Um sujeito nasce em um mundo já posto, um mundo que é também de ideias. E, neste mundo, ele constitui sua identidade. Mas, e é neste “mas” que moram as complicações, nós construímos ideias acerca daquilo e daqueles que nos cercam utilizando os referenciais dos nossos antepassados, atualizados ou reescritos sob uma nova forma – que às vezes não tem absolutamente nada de novo. Estas ideias ou representações que nos cercam, dadas através da linguagem, também são compartilhadas entre os sujeitos – é o que nos possibilita uma compreensão mínima para que possamos caminhar enquanto espécie. Eu falo cadeira, cada um de nós pensa em uma cadeira diferente, mas todos esses pensamentos possuem uma série de características que são imutáveis e que nos permite compreende-las como elemento uno. É isso que nos permite entender o outro e fazer com que o outro nos entenda minimamente.

Nós construímos as representações também utilizando como referencial aquilo que o mundo emprega como ideal a ser alcançado, aquilo que a nossa cultura estabelece como padrão. Afinal de contas, pensamos e nos colocamos no mundo tentando alcançar aquilo que é ser homem, aquilo que é ser branco, hétero, religioso, etc… Ou, compreendendo o outro polo, sendo o oposto daquele que não é homem, que não é branco, que não é hétero, que não é religioso – caindo aqui na armadilha da língua, que me faz constituir um mundo no masculino e que me faz referenciar o feminino por oposição, como “aquele que não é homem”. Em suma, identidades que buscam se firmar tendo como referencial um modelo majoritário. E que, neste intento, se faz auto excludente. Ou seja, se uma coisa é positiva, construímos uma ideia de que a coisa que se opõe é negativa ou menos valorizada, já que trabalhamos na lógica da bipolaridade. Neste sentido, nem todas as ideias e representações que construímos acerca do outro são positivas para as identidades e para os sujeitos. Para ser primeiro, eu faço do outro um segundo. E fazemos isso de forma intencional ou não, eis um ponto importante.

Agora, abordemos outra questão: somos sujeitos HISTÓRICOS sociais. Isso significa dizer que correspondemos ao mundo que existia antes de nós em larga medida, porque somos mais história do que os anos que temos de vida. Lembra da formação dos grupos por similaridades que falamos a pouco? Pois bem, todo grupo social possui uma história de afirmação ou negação dentro do meio cultural em que vivemos. Assim, você, enquanto sujeito, carrega a história desse grupo ao qual pertence. Essa simples percepção nos faz relativizar toda uma construção de pensamento acerca dos sujeitos, uma vez que os indivíduos possuem históricos diferenciados a partir dos olhares e grupos que o constituem. O passado se sobrepondo ao presente, como também dito anteriormente. É por isso que não faz sentido comparar um homem e uma mulher esperando que os sujeitos respondam da mesma forma ao tratamento dado ou uma mulher negra e uma mulher branca, ou ainda comparar uma criança branca e uma criança negra que seja posta em uma mesma situação, como as pessoas tem tentado argumentar em relação à fantasia do carnaval. Cada sujeito e grupo possui uma história que precisa ser levada em consideração.

Quando se constitui uma ideia acerca do sujeito pertencente a outro grupo, e a firmamos enquanto laço histórico-social, a sua desvinculação é extremamente complicada por diversos motivos. Dentre estes motivos, podemos destacar a ideia de que o acesso a essa mudança não é horizontal, nem instantâneo. A questão é que nós, seres humanos, não temos um software de atualização que permita que todos os sujeitos mudem as suas percepções individuais de forma simultânea. Muito menos estamos de acordo e compartilhamos as mesmas crenças acerca da vida e das relações nela estabelecidas. As ideias, por sua vez, tem um tempo diferenciado para a total mudança, passam de geração em geração em uma perspectiva extremamente cronológica. Também neste sentido, é preciso considerar que uma mudança social atinge inicialmente os grandes centros, e como uma onda, alcança as periferias – em um processo lento. Uma mudança nunca é total ou nunca atinge a totalidade dos sujeitos. Um exemplo claro disso é a internet: você vê um conteúdo que é amplamente conhecido e divulgado, mas um tempo depois aparece aquele seu amigo compartilhando o mesmo conteúdo como se fosse novo, porque ele até então não o conhecia. Percebe como uma mesma coisa tem um tempo de maturação para que seja difundida? Daqui a dois, vinte anos, ainda aparecerão pessoas que não conhecem essa mesma história. Ou ainda temos as páginas que mudam a forma de contar a piada, utilizando seus próprios símbolos e linguagem, mas que permanecem com a piada. Da mesma forma, as mudanças sociais de pensamento demoram a se propagar. É por isso que quando uma ação no tempo presente é realizada, ela não pode ser descontextualizada, nem desconsiderar o seu histórico.

É fato que se pudéssemos deixar de lado todo o discurso, todo o histórico e toda a história, teríamos uma situação nua, dada no presente, e como tal, isenta de compromisso com a interpretação que se firma ao longo do tempo. Mas este não é um cenário possível. Morgan Freeman, certa vez, disse que no momento em que se deixassem de debater questões raciais, elas deixariam de existir como questões raciais. E eu até concordaria com tal posicionamento, se não acordássemos no dia seguinte, sofrendo o impacto do dia anterior. Neste sentido, é preciso construir uma linha de pensamento que nos possibilite refletir a questão, tão importante quanto perceber em que se sustentam as argumentações, em grande parte deixadas de lado nos discursos proferidos.

Bem, toda esta reflexão inicial serve para chegarmos ao ápice do texto, e também sua conclusão, que se concentra na percepção que certas pessoas têm dos movimentos sociais e do posicionamento destes frente a atitudes que são vistas como racistas ou preconceituosas. Bem como, possibilitar novos olhares aos sujeitos que compreendem as atitudes mais como “o mundo está chato” ou “o mundo em que tudo é preconceito” do que pelo preconceito em que se apresentam nestas situações. Sendo preciso, neste sentido, pensar o ato presente como um movimento do tempo, e como os sujeitos e seus grupos se posicionaram ao longo da história até os dias atuais.

O Oscar 2016 – e porque não tantos outros anos – não possui atores negros, não porque eles não sejam capazes, mas porque se observado o histórico como elemento fundador, irá se perceber que os negros não tiveram espaço até poucos anos atrás em produções e que estes mesmo negros eram representados por sujeitos brancos. E que, ainda que tenha se aberto a possibilidade para que estes mesmos sujeitos atuem, a mentalidade de quem compõe o outro lado da força ainda corrobora um pensamento social que os impede de serem chamados para ocupar os papéis e consequentemente serem eleitos como melhores atores e atrizes. Lembra do processo estabelecido para difusão de uma mudança de pensamento? (pensamento este que não é unânime socialmente, principalmente após a imediata mudança de ordem social). Pois bem, ele ainda atua e segue sendo onda. A fala magnifica da atriz Viola Davis em seu discurso ao Emmy revela isso, afinal de contas, não se é possível premiar pessoas por papéis que nunca existiram. Da mesma forma que, quando o pai veste a fantasia de macaco no menino, ainda que não tenha tido uma intenção consciente do processo, e neste sentido, o julgamento não recai sobre a índole do sujeito – fruto de um meio social não refletido, ele resgata uma imagem que foi compartilhada em algum momento com um sem fim de pessoas que associa a imagem do sujeito negro ao macaco. E que, em consequência, ajuda na manutenção de um status quo, e na elaboração de um processo identitário que atravessa gerações e que reafirma o lugar ocupado pelos sujeitos e pelos grupos no meio social. É por isso também que não faz sentido pegar uma criança branca, coloca-la em condição semelhante, e esperar que as pessoas se manifestem, porque o passado do sujeito branco social não é o mesmo do sujeito negro. Ou ainda escutarmos que o cabelo de Ludmila parece Bombril em pleno 2016, quando já se imagina que é um passado esquecido, ou ainda, quando a apresentadora do tempo do jornal nacional, Maju, é alvo de piadas preconceituosas, ou ainda, ou ainda, ou ainda… Não é porque certas imagens e associações são construídas de forma mais abrandada, que elas deixam de conter elementos que sustentem um discurso social preconceituoso. E é neste ponto que as pessoas cometem o equivoco de não concordar com a ideia de que há preconceito: porque quanto mais sutis são os movimentos, mais camuflados aparecem e menos reconhecidos são.

Por fim, é preciso pensar que o mundo se constitui e constrói os sujeitos. Mas os sujeitos também se constituem e constroem o mundo. É nossa responsabilidade enquanto ser pensante, possibilitar a construção de novas identidades e de novas significações para o mundo, deslocando os sujeitos das identidades já cristalizadas – mediante a reflexão do processo e reconhecimento dos atos, fatos e do ser social no cotidiano. Somos responsáveis pelos sentidos que produzimos e pelas consequências deste sentido. Um sentido que é coletivo, e que não pode ser pensado individualmente, pois cairemos na armadilha de crer que o preconceito está inscrito no olhar do sujeito para a imagem, e não na imagem/mundo que se constitui frente ao sujeito. Cabe mais que o julgamento do outro em alguns casos, cabe pensar a medida utilizada para se compor as questões sociais, o que falta em larga medida.

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Em tempo: não é uma fórmula, é um movimento. Um movimento de perceber a constituição do mundo e nos implicarmos nesta construção: reforçando ou reconstruindo modelos que nos foram impostos.

Em tempo 2: é sempre possível que todo mundo apresente suas ideias e sintam-se a vontade para fazê-lo neste post também. Mas, antes de tudo, penso que as ideias devam ser construídas diante de argumentos plausíveis. Acima de tudo, elabore o pensamento que você propõe defender, tentando ir além do que você acredita. Busque perceber como se deu a construção deste argumento ou opinião e quais as consequências desta opinião para o todo.

É isso.

Revisado por: Jay Araújo

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

OS MONSTROS QUE CARREGAMOS: REFLEXÕES ACERCA DA DEPRESSÃO

A depressão é vista como um dos principais males da modernidade, mas a doença está presente ao longo da história como uma das mais frequentes formas de desequilíbrio em seres humanos. Aventure-se em uma breve análise intimista do monstro conhecido por matar lentamente, e com requintes de crueldade


“Um, dois, três... vá, você consegue. Você não apenas consegue, você também precisa. Um, dois, três... por favor, vamos, você não tem o dia inteiro.”

A frase acima assemelha-se ao discurso de alguém que tenta escalar uma montanha ou atingir alguma meta que requere esforço anormal, mas é só o tipo de coisa que um indivíduo deprimido fala para si mesmo ao tentar levantar da cama num dia comum. A depressão não é algo poético, ao contrário do que muitos pensam, e não é assunto para ser romantizado. Há um mito que cerca a condição, e ele precisa ser extinto. A depressão não ajuda pessoas criativas. O sofrimento pode inspirar, mas a depressão paralisa. É uma doença cruel, dolorosa e insidiosa, que leva o hospedeiro a ter vontade de pedir ajuda para tomar banho, pentear cabelos e escovar os dentes: ela leva embora a energia vital presente em cada um de nós, transformando tarefas simples como se alimentar em tarefas complicadas como erguer um monumento. É uma máxima: não há beleza na depressão.

Muitas vezes os incentivos não geram resultados, todo e qualquer esforço falha ou parece falhar, e a desistência se apresenta como a única saída viável. Após a ideia da desistência criar raízes firmes, a idealização do grand finale, o suicídio, parece se formar na mente do doente, límpida e nítida como uma pintura ou até mesmo como um filme.

Os mais diversos cenários são imaginados: do envenenamento (costuma ser descartado, pode ser extremamente doloroso e falho) até o tiro fatal da misericórdia, da auto-defenestração até a overdose, tudo é levado em consideração. Os prós e contras são ponderados. É possível que o deprimido considere que é melhor deixar o tiro pra lá, afinal, ninguém gosta de limpar sujeira, e morrer de forma serena não parece uma má ideia. Para completar, conseguir uma arma não é muito fácil em grande parte dos casos. Infelizmente, muitos doentes abraçam algum dos métodos, o método escolhido decide abraçar de volta, e é assim que o monstro consegue mais um soldado para seu exército em constante expansão.

Mas é difícil que pessoas vivas cometam suicídio: a maior parcela dos suicidas é constituída de mortos que caminham entre os vivos, até que se cansam do ciclo vicioso e estabelecem o que acreditam ser um fim definitivo para a dor.

Ainda bastante incompreendida, a condição leva os portadores a serem vítimas de preconceitos e julgamentos, estes que são alguns dos principais aspectos sociais da doença. Além de suportarem diversos martírios dentro de si mesmos, depressivos são julgados “preguiçosos”, “inúteis”, muitas vezes escutam insultos de pessoas próximas, aquelas que deveriam ajudar e cuidar: “Levante daí, você não cansa de ficar nessa cama o dia inteiro?”, “E então, quando você vai decidir fazer algo da sua vida?”, “Você parece bem, não parece doente, está rindo, será que não poderia fazer algo que preste?”, “Me poupe, isso não passa de frescura”.

Além disso, é comum que pessoas deprimidas não suportem ouvir o termo “reagir”. “Reaja!”, o mundo parece gritar em uníssono. Por favor, parem. É uma situação extremamente delicada. Não é assim que funciona, não foi e nunca será. Depressão não é tristeza. Estamos reagindo, mas estamos acorrentados, e do que adianta tentar fugir quando seu carcereiro decidiu te acorrentar? O único resultado que será possível obter é o cansaço, e nossos corpos já não comportam mais qualquer adição de cansaço. Estamos fazendo o possível.

Não há depressão que seja igual. Diferentemente da gripe ou de qualquer outro vírus terrível que possa torturar nossos corpos, a depressão é única para cada portador, o que faz dela um martírio solitário. É a doença da solidão, do isolamento, e, por fim, da ausência de amparo. Muitas pessoas deprimidas são abandonadas ou ignoradas por seus familiares, cônjuges e amigos quando mais precisam de conforto e ajuda. As pessoas cansam e vão embora. Não queremos dar trabalho, não queremos causar desconforto, mas precisamos de amor. Não pedimos para ter uma doença. Da mesma forma que alguém não escolhe um câncer, não escolhemos desenvolver a depressão.

O amor é um aliado porque nos fortalece, e nos torna mais esperançosos no que tange a luta diária por coisas que não deveriam envolver lutas: é como se, ao sentirmos que somos amados, estivéssemos lutando com um propósito que não é apenas o de permanecermos vivos. Se você conhece alguém que sofre de depressão, demonstre compaixão. Desenvolva sua empatia, ela pode salvar uma vida. Se você sofre de depressão, tente buscar o amor. Se não o encontrar no outro, busque-o dentro de si.

Como se não fosse doloroso o suficiente o fato de estarmos sendo julgados com frequência, também ocorre de sermos interpretados das piores formas possíveis. O inferno parece não ter fim: se elaboramos alguma desculpa para não sairmos de casa em determinado dia, somos péssimos amigos. Mas não somos, na verdade. Acreditem que zelamos por nossas amizades, acontece que não queremos preocupar ninguém ao sermos obrigados a dizer coisas como “desculpe, hoje não, talvez na semana que vem, sabe, faz três dias que tento sair da cama e não consigo, mas hoje consegui ir até a cozinha e fazer um lanche, de tanta felicidade por ter feito isso eu poderia dançar frevo se tivesse alguma energia restante”. Ou então: “não acho que é uma boa ideia ir naquele encontro de hoje, eu acabo de ter uma crise de choro no chão do meu quarto e agora estou deitada em posição fetal”. A maioria das vítimas da depressão crê que é bom evitar contribuir para que sejam vistas como “loucas”, e omitem detalhes de suas lutas diárias contra a doença na tentativa de sentirem-se mais “normais”.

Mas, afinal, o que é a normalidade? O que é normal para um peixe é completamente insano para uma zebra. Os conceitos de “loucura” e “normalidade” foram bastante distorcidos ao longo da história da humanidade, e, em todo caso, são tão relativos e complexos quanto o conceito de “perfeição”: se o que é perfeito para um não é perfeito para outro, a perfeição absoluta não existe. E a tentativa de se enquadrar no padrão do supostamente “perfeito” ou até mesmo da “normalidade” é uma grande armadilha. Não é possível se enquadrar no que não existe. De perto, somos todos uns loucos, e nem toda loucura é algo negativo.

A depressão é traiçoeira, e costumo compará-la com uma árvore repleta de galhos. Dificilmente um deprimido será apenas um deprimido. Muitas vezes ele também é ansioso, é bipolar, é borderline, é obsessivo-compulsivo, é anoréxico, é bulímico, é vítima de transtorno do estresse pós-traumático, é esquizofrênico. Há uma miríade de condições que podem acompanhar a depressão, e elas caminham lado a lado, em algo que pode ser visto como uma espécie de complô para drenar a vida da vítima.

Muitas vítimas da depressão insistem no fato de que, na verdade, não estão doentes, não estão deprimidas, não precisam de ajuda, mas estas pessoas não apenas estão deprimidas como também possuem outras condições eclodindo no fundo de suas mentes: condições tão complicadas e dolorosas quanto a depressão em si.

Por experiência própria, é válido ressaltar que a meditação pode ser como o oásis no deserto da tormenta para algumas pessoas. Foi o meu caso. Através dela, é possível reestabelecer um tipo de conexão com seu verdadeiro eu, conexão esta que é muitas vezes destruída pela depressão, fazendo com que o deprimido sinta-se “completamente perdido” e não saiba para onde ir, quem procurar ou o que fazer. A meditação leva clareza para onde há escuridão: é como a amiga solícita que bate na sua porta e te entrega uma lanterna ao ver que faltou luz em sua casa. Há os que preferem antidepressivos, mas a eficiência de tais medicamentos é propensa a questionamentos e é tema de debates acirrados entre psiquiatras: apesar de algumas obterem verdadeiro êxito, nem todas as pessoas respondem bem ao tratamento com intervenção medicamentosa. Sempre nutri certa recusa ao tratamento com auxílio de fármacos por medo de virar uma escrava das companhias farmacêuticas, que, segundo algumas pessoas, tratam clientes, e não doentes. A última coisa que preciso, eu costumava dizer para mim mesma no auge da dor, é virar dependente química agora: já estou no meio de uma luta e não creio ser necessário participar de outra.

Por ser natural, procurei refúgio na meditação, e descobri que é possível estabelecer paz no caos. É possível decorar o abismo de forma a torná-lo habitável, e o resgate não é imediato, mas ele acontece. E, quando você menos espera, pode se ver fora do abismo pela primeira vez em muito tempo. É uma sensação única, talvez inigualável, e pode ser comparada com o ato de receber um novo par de olhos: é como enxergar o mundo pela primeira vez novamente.

Talvez um dia os grandes cientistas desenvolvam a arma definitiva para aniquilar o monstro para sempre.

Até lá, resta a luta.

Por Raquel Avolio, originalmente AQUI.





quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

QUEREM VENDER O RESTO DO BRASIL


A grande mídia brasileira, monopolizada por quatro famílias e atuando de forma coordenada – até as manchetes em muitos casos são iguais – conseguiu, de uma só tacada, um feito até então impensável: amedrontou os três poderes da República, que são mantidos acuados; produziu uma grave crise política e econômica, com incalculáveis prejuízos ao país; e criou um clima de ódio e intolerância de consequências imprevisíveis, com milhares de pessoas robotizadas pelo veneno que destila todos os dias. Decididos a matar dois coelhos de uma só cajadada, sem importar-se com os efeitos danosos da sua campanha, os barões da imprensa estão empenhados em conseguir, ao mesmo tempo, derrubar a presidenta Dilma Roussef e impedir o ex-presidente Lula de voltar ao Palácio do Planalto em 2018. E contam para isso com a decisiva participação das operações Zelote e Lava-Jato, criadas teoricamente para combater a corrupção mas que se tornaram operações políticas como parte do projeto de banimento do ex-presidente operário da vida pública.

A inércia das principais autoridades dos três poderes, que pode sugerir indiferença à atuação dos investigadores – apesar das críticas contundentes de juristas e outras personalidades de destaque da vida nacional – na verdade parece indicar um temor de se tornarem alvo dos ataques da mídia caso contrariem os métodos e os enfoques adotados pelas duas operações. Na hipótese, por exemplo, do governo, através do Ministério da Justiça, colocar um freio nos abusos da Policia Federal, tudo leva a crer que a manchete dos jornalões no dia seguinte seria: "Dilma tenta impedir PF de investigar Lula". Se a medida para conter a fúria dos investigadores partisse do Supremo Tribunal Federal, a manchetona da grande mídia seria: "Ministros nomeados por Lula querem barrar as investigações". Quanto ao Legislativo, parece muito difícil alguma iniciativa, porque o Parlamento está prenhe de parlamentares sob investigação. Ou seja, todos parecem estar com medo da grande mídia. Resultado, o país está à mercê dos barões da imprensa e do juiz Sergio Moro que, de Curitiba, parece mandar na Justiça de todo o Brasil.

Nesse quadro, que privilegia a oposição, em especial os tucanos – blindados tanto pela mídia quanto pelos investigadores da Lava-Jato e Zelotes – os entreguistas já se mobilizam para, aproveitando a fragilidade do governo, dar continuidade ao programa de privatizações de FHC, entregando ao capital estrangeiro o que sobrou das estatais brasileiras após a fúria privatizacionista da administração do PSDB. O senador tucano Tasso Jereissati já apresentou ao Congresso proposta que privatiza as 140 estatais restantes, inclusive a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, fazendo lembrar o que disse o saudoso Itamar Franco sobre o período de desmonte do nosso patrimônio: "Vão acabar deixando só o mastro da bandeira". Pelo visto eles decidiram não mais esperar por um agora remoto impeachment, para a conquista do poder, antecipando uma nova onda de privatizações enquanto Lula está sob fogo cerrado, antes que ele consiga se recuperar e dificulte a iniciativa impatriótica. Isso explica, entre outras coisas, o aperto no cerco ao ex-presidente operário que, segundo o ministro Eduardo Cardozo (que parece viver em outro planeta) não está sendo investigado, embora tenha virado alvo de uma ação específica da PF em Atibaia, autorizada pelo juiz Moro. Tudo porque Lula, quando no Planalto, impediu a ação dos entreguistas.

Antes de Jereissati, outro senador tucano, José Serra, já havia apresentado proposta abrindo o pré-sal para as empresas estrangeiras, sonho dos grandes grupos econômicos petrolíferos mundiais. Agora devem todos, inclusive o presidente do partido, Aécio Neves, se unirem em torno do projeto do senador cearense, que parece já contar também com o apoio dos demais oposicionistas e, inclusive, de peemedebistas ligados ao governo. O que impressiona é que quando esse pessoal se candidatou e foi eleito imaginava-se, sobretudo os seus eleitores, que eles iriam defender no Congresso os interesses do povo e da Nação, conforme, aliás, seus manjados discursos. Constata-se agora, infelizmente, que eles se elegeram para defender os seus próprios interesses e os interesses do capital estrangeiro, contrários, portanto, aos interesses do povo brasileiro. Diante disso, não é difícil concluir que se esse pessoal chegar a conquistar a Presidência da República vai entregar ao estrangeiro até o mastro da bandeira.

A esta altura, com a proposta de Jereissati, ninguém mais tem dúvidas de que todo esse circo armado no início do segundo mandato da presidenta Dilma Roussef, para a eliminação de Lula da vida pública e a conquista do poder, sempre teve como meta principal a retomada do programa privatizacionista de FHC, que foi elaborado no exterior e imposto pelo FMI. Por sua posição de entreguista e de subserviência aos Estados Unidos, conforme ficou claro em sua "Teoria da Dependência" – teoria intitulada "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", escrita em parceria com o economista chileno Enzo Faletto em que defende a tese de que os países emergentes deveriam desenvolver-se mantendo-se dependentes de países ricos – FHC ampliou as simpatias dos americanos, que o ajudaram a reeleger-se. Quem conta é o jornalista americano Greg Palast, no livro "A Melhor Democracia que o Dinheiro pode Comprar". Segundo ele, foi o secretário do Tesouro americano, Robert Rubin, quem de fato governou o Brasil como presidente, sem precisar perder uma festa em Manhattan. "Foi esse o preço que Cardoso pagou pelos serviços de Rubin na campanha eleitoral – disse Palast – pois foi o secretário do Tesouro, junto com o FMI, quem manteve a moeda brasileira em alta".

Na verdade, todos sabem que as privatizações não produziram nenhum benefício ao país e seu povo. Muito pelo contrário, além de ter dilapidado o patrimônio nacional duramente construído ao longo do tempo, FHC não prestou contas do dinheiro arrecadado com os leilões, causou prejuízos incalculáveis ao país, provocou um rombo nas reservas e promoveu demissões em massa para entregar as empresas livres de despesas aos compradores. O senador Tasso Jereissati que, junto com seu colega José Serra, fez parte do governo FHC, quer agora concluir a venda do resto do país, iniciada pelo ex-presidente tucano, para atender à cobrança dos patrões. E se conseguir o seu intento, caso os brasileiros não reajam a mais essa tentativa de destruir a Nação, as 140 estatais restantes, que totalizam um patrimônio de cerca de R$ 4,5 trilhões, poderão passar a mãos estrangeiras, uma ameaça ao emprego de mais de 500 mil trabalhadores. Vale lembrar o que escreveu o jornalista Mauro Santayana no "Correio Braziliense", na época do governo FHC e que continua muito atual: "Eles não agem como brasileiros, porque pouco lhes interessa a miséria, a fome e a morte de nossa gente".

Por Paulo Emílio no site www.brasil247.com.

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