Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 26 de março de 2016

A INDULGÊNCIA


O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo X 
Bem-aventurados os que são misericordiosos 
Instruções dos Espíritos

16. Espíritas, queremos falar-vos hoje da indulgência, sentimento doce e fraternal que todo homem deve alimentar para com seus irmãos, mas do qual bem poucos fazem uso.

A indulgência não vê os defeitos de outrem, ou, se os vê, evita falar deles, divulgá-los. Ao contrário, oculta-os, a fim de que não se tornem conhecidos senão dela unicamente, e, se a malevolência os descobre, tem sempre pronta uma escusa para eles, escusa plausível, séria, não das que, com aparência de atenuar a falta, mais a evidenciam com pérfida intenção.

A indulgência jamais se ocupa com os maus atos de outrem, a menos que seja para prestar um serviço; mas, mesmo neste caso, tem o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não faz observações chocantes, não tem nos lábios censuras; apenas conselhos e, as mais das vezes, velados. Quando criticais, que consequência se há de tirar das vossas palavras? A de que não tereis feito o que reprovais, visto que estais a censurar; que valeis mais do que o culpado. Ó homens! quando será que julgareis os vossos próprios corações, os vossos próprios pensamentos, os vossos próprios atos, sem vos ocupardes com o que fazem vossos irmãos? Quando tereis olhares severos somente sobre vós mesmos?

Sede, pois, severos para convosco, indulgentes para com os outros. Lembrai-vos daquele que julga em última instância, que vê os pensamentos íntimos de cada coração e que, por conseguinte, desculpa muitas vezes as faltas que censurais, ou condena o que relevais, porque conhece o móvel de todos os atos. Lembrai-vos de que vós, que clamais em altas vozes: anátema! tereis, quiçá, cometido faltas mais graves.

Sede indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o rigor desanima, afasta e irrita. 

José, Espírito protetor. 
(Bordeaux, 1863.)

17. Sede indulgentes com as faltas alheias, quaisquer que elas sejam; não julgueis com severidade senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para convosco, como de indulgência houverdes usado para com os outros.

Sustentai os fortes: encorajai-os à perseverança. Fortalecei os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo do arrependimento estendendo suas brancas asas sobre as faltas dos humanos e velando-as assim aos olhares daquele que não pode ver o que é impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita de vosso Pai e não esqueçais nunca de lhe dizer, pelos pensamentos, mas, sobretudo, pelos atos: “Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos hão ofendido.” Compreendei bem o valor destas sublimes palavras, nas quais não somente a letra é admirável, mas principalmente o ensino que ela contém.

Que é o que pedis ao Senhor, quando implorais para vós o seu perdão? Será unicamente o olvido das vossas ofensas? Olvido que vos deixaria no nada, porquanto, se Deus se limitasse a esquecer as vossas faltas, Ele não puniria, mas tampouco recompensaria. A recompensa não pode constituir prêmio do bem que não foi feito, nem, ainda menos, do mal que se haja praticado, embora esse mal fosse esquecido. Pedindo-lhe que perdoe as vossas transgressões, o que lhe pedis é o favor de suas graças, para não reincidirdes nelas, é a força de que necessitais para enveredar por outras sendas, as da submissão e do amor, nas quais podereis juntar ao arrependimento a reparação.

Quando perdoardes aos vossos irmãos, não vos contenteis com o estender o véu do esquecimento sobre suas faltas, porquanto, as mais das vezes, muito transparente é esse véu para os olhares vossos. Levai-lhes simultaneamente, com o perdão, o amor; fazei por eles o que pediríeis fizesse o vosso Pai celestial por vós. Substituí a cólera que conspurca, pelo amor que purifica. Pregai, exemplificando, essa caridade ativa, infatigável, que Jesus vos ensinou; pregai-a, como ele o fez durante todo o tempo em que esteve na Terra, visível aos olhos do corpo e como ainda a prega incessantemente, desde que se tornou visível tão-somente aos olhos do Espírito. Segui esse modelo divino; caminhai em suas pegadas; elas vos conduzirão ao refúgio onde encontrareis o repouso após a luta. Como ele, carregai todos vós as vossas cruzes e subi penosamente, mas com coragem, o vosso calvário, em cujo cimo está a glorificação. 

João, bispo de Bordeaux 
(1862.)

18. Caros amigos, sede severos convosco, indulgentes para as fraquezas dos outros. É esta uma prática da santa caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes maus pendores a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais ou menos pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha do progresso. Por que, então, haveis de mostrar-vos tão clarividentes com relação ao próximo e tão cegos com relação a vós mesmos? Quando deixareis de perceber, nos olhos de vossos irmãos, o pequenino argueiro que os incomoda, sem atentardes na trave que, nos vossos olhos, vos cega, fazendo-vos ir de queda em queda? Crede nos vossos irmãos, os Espíritos. Todo homem, bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtude e mérito, aos seus irmãos encarnados, é insensato e culpado: Deus o castigará no dia da sua justiça. O verdadeiro caráter da caridade é a modéstia e a humildade, que consistem em ver cada um apenas superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por fazer que prevaleça o que há nele de bom e virtuoso, porquanto, embora o coração humano seja um abismo de corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais ocultas, o gérmen de bons sentimentos, centelha vivaz da essência espiritual.

Espiritismo! Doutrina consoladora e bendita! felizes dos que te conhecem e tiram proveito dos salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, iluminado está o caminho, ao longo do qual podem ler estas palavras que lhes indicam o meio de chegarem ao termo da jornada: caridade prática, caridade do coração, caridade para com o próximo, como para si mesmo; numa palavra: caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque impossível é amar realmente a Deus, sem praticar a caridade, da qual fez ele uma lei para todas as criaturas. 

Dufêtre, bispo de Nevers. 
(Bordeaux)



É PERMITIDO REPREENDER OS OUTROS, NOTAR AS IMPERFEIÇÕES DE OUTREM, DIVULGAR O MAL DE OUTREM?

19. Ninguém sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender o seu próximo?

Certamente que não é essa a conclusão a tirar-se, porquanto cada um de vós deve trabalhar pelo progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não, como as mais das vezes, pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é um dever que a caridade manda seja cumprido com todo o cuidado possível. Ao demais, a censura que alguém faça a outrem deve ao mesmo tempo dirigi-la a si próprio, procurando saber se não a terá merecido. 

S. Luís. 
(Paris, 1860.)

20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando daí nenhum proveito possa resultar para eles, uma vez que não sejam divulgadas?

Tudo depende da intenção. Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando ele existe. Fora mesmo inconveniente ver em toda a parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso. O erro está no fazer-se que a observação redunde em detrimento do próximo, desacreditando-o, sem necessidade, na opinião geral. Igualmente repreensível seria fazê-lo alguém apenas para dar expansão a um sentimento de malevolência e à satisfação de apanhar os outros em falta. Dá-se inteiramente o contrário quando, estendendo sobre o mal um véu, para que o público não o veja, aquele que note os defeitos do próximo o faça em seu proveito pessoal, isto é, para se exercitar em evitar o que reprova nos outros. Essa observação, em suma, não é proveitosa ao moralista? Como pintaria ele os defeitos humanos, se não estudasse os modelos? 

S. Luís 
(Paris, 1860.)

21. Haverá casos em que convenha se desvende o mal de outrem?

É muito delicada esta questão e, para resolvê-la, necessário se torna apelar para a caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá nunca em divulgá-la. Se, porém, podem acarretar prejuízo a terceiros, deve-se atender de preferência ao interesse do maior número. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever, pois mais vale caia um homem, do que virem muitos a ser suas vítimas. Em tal caso, deve-se pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes. 

São Luís 
(Paris, 1860.)


A SUPREMACIA DAS LEIS DIVINAS


Por Fernando de Oliveira Maciel - Juiz de Direito/GO na Revista da ABRAME - nº 16/2015

Observa-se com tristeza o fato de concentrarmos nossas atenções no julgamento de condutas alheias. Ultimamente tornou-se comum ser tratada como verdadeira atração – quer na televisão, nos jornais escritos, no rádio e na internet – a exploração das misérias humanas pertinente aos casos policiais, em que transmitem todos os detalhes dos mais diversos crimes ocorridos em nossa sociedade, tais como homicídios, roubos, furtos e outros tantos.

Ocorre que, neste momento tão grave por que passamos – principalmente pelas notícias do Plano Maior acerca da fase transição do mundo de provas e expiações para o mundo de regeneração – convém uma análise mais criteriosa de nós próprios a esse respeito, sob as luzes dos ensinamentos do Cristo. Sem nos determos na lição do Mestre em não julgarmos a conduta alheia, percebe-se outro grave equívoco em acreditar que o parâmetro de comportamento mais relevante de que dispomos seriam as leis humanas. Ora, se está a tratar de leis que são produzidas pelo ser humano, parece lógico crer que tais normas não sejam perfeitas, mesmo porque não passa de um produto de um ente imperfeito, ou seja, de nós próprios. É claro que tal conclusão não nos autoriza ao desprezo das regras humanas, mas sim nos alerta que trata de algo que precisa de aperfeiçoamento, sendo perfectíveis, portanto. Não por outro motivo que se observa ao longo da história as inúmeras mudanças ocorridas na legislação em todos os tempos e em todas as nações. O que já foi considerado um crime odioso, com penas extremas (inclusive de morte), a exemplo do adultério (1) , hoje pode não guardar assim maior interesse na sociedade. E aqui, sob a ótica da psicologia do Cristo, parece ser muito relevante para nosso ego não contrariar as leis humanas para o conforto de nossa consciência, olvidando deliberadamente a supremacia e eternidade das Leis Divinas, notadamente as estabelecidas de modo absolutamente claro e didático em O Livro dos Espíritos, no terceiro livro, denominado Leis Morais, onde os espíritos assinalam a existência de dez Leis Morais, universais e imutáveis. (2)

Nesse sentido, após medir a extensão desses conceitos, emergem alguns questionamentos. Quem de nós é capaz de declarar que observa rigorosamente tais leis eternas? Quem de nós mede as consequências de todas nossas condutas que, de alguma forma, prejudica outrem ou a si mesmo? Quem de nós pode afirmar que em momento algum causou (ou ainda causa) dor ou sofrimento ao próximo? A verdade é que, em nossa condição espiritual atual, ainda somos reincidentes nas violações das Leis Divinas, muitas vezes, sem se dar conta desse fato de maneira honesta e, sobretudo, humilde. E preferimos observar os outros que transgridem as leis humanas, como forma de consolo para nosso próprio ego, acreditando que estamos em patamar muito superior a tais irmãos.

O parâmetro do Cristo, porém, sempre foi diverso, no sentido de observar o ser humano em toda plenitude, com o foco na observância nas Leis Divinas. Seria possível citar inúmeros exemplos de passagens em que Jesus esteve com pessoas que infringiram as regras humanas e demonstrou a supremacia da Lei do Amor, como nas narrativas contidas no Novo Testamento dos casos da mulher adúltera (3)  ou mesmo na vida de Paulo de Tarso (4) . Ou, de modo mais sutil, Jesus ainda demonstra como deve ser o comportamento cristão quando nos afigurarmos vítima em contendas envolvendo as leis humanas ao proclamar: “Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa”. (5) Entretanto, aproveitando da sensibilidade de Humberto de Campos, pelas mãos abençoadas de Chico Xavier, destaca-se um caso em que o Nazareno demonstra que nem sempre aqueles que violam as leis humanas coincidem com os que se mostram devedores da Lei Cósmica Universal. Consta no livro Boa Nova, capítulo 28, que Jesus trata com os discípulos sobre a questão da fé, momento em que Tomé externou com convicção que tal qualidade estaria reservada ao homem culto, à pessoa ocupada com o saber das ciências. Amorosamente, o Mestre assinalou o equívoco dessa visão ao dizer, em síntese, que a fé pertenceria aos que trabalham e confiam. Naquela situação, Jesus percebeu que a lição ainda estava incompleta, pois os discípulos ainda se confundiam com essa explicação. Mas, foi na cruz que Cristo reservou o complemento da lição, notadamente no momento em que predominavam gargalhadas e ironias da maioria daqueles que presenciavam o suplício. Tomé se aproximou do Mestre, ainda confundido e indeciso com tudo o que acontecia, e neste instante recordou sobre a questão da fé, tratada com o Mestre dias antes. Então, percebeu que Jesus deitava seus olhos sobre um dos ladrões, o qual, com sinceridade absoluta, disse:
“- Senhor! – disse ele, ofegante – lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino! O discípulo reparou que Jesus lhe endereçava, então, o olhar caricioso, ao mesmo tempo que aos seus ouvidos chegavam os ecos de sua palavra suave e esclarecedora: - Vês, Tomé? Quando todos os homens da lei não me compreenderam e quando meus próprios discípulos me abandonaram, eis que encontro a confiança leal no peito de um ladrão!...” (6)

Como se observa, Jesus observa o ser humano em sua integralidade, sempre pautado e comprometido com a supremacia das Leis Divinas a reger nossos destinos, não apenas neste momento, mas para toda eternidade. Antes de nos julgarmos superiores aos irmãos encarcerados ou envolvidos em crimes estabelecidos pelas leis humanas, que reflitamos com sinceridade da alma em nos reconhecermos igualmente como reincidentes na violação das Leis Imutáveis, comprometendo-se consigo mesmo a cumprir a missão que o Alto reservou a si próprio. Esta a nossa tarefa nesta existência, o que certamente irá aprimorar os nossos laços de afinidade com o Pai. Que Jesus continue a nos abençoar nesta marcha!

1 - No Brasil, o adultério, que já tinha pena irrisória, deixou de ser crime a partir de 2005, pela Lei 11.106/2005, a qual, entre outras alterações promovidas, revogou o art. 240 do Código Penal Brasileiro. 
2 - Todas as Leis Morais constam em O Livro dos Espíritos entre as questões 614 e 892. 
3 - Narrada no Evangelho de João, 8:1 a 11. 
4 - Narrada ao longo do Ato dos Apóstolos e, com muito mais detalhes, na conhecida obra Paulo e Estêvão, psicografada por Francisco Cândido Xavier, ditada pelo Espírito Emmanuel. 
5 - Narrada no Evangelho de Mateus, 5:40. 
6 - CAMPOS, Humberto de (Espírito). Boa nova, psicografado por Francisco Cândido Xavier. 34. ed., Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, p.188.

O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA





Por Fernanda Torres na Folha de São Paulo.


Uma das maiores dificuldades de escrever para um caderno de cultura, hoje, é escrever sobre cultura. Os livros se acumulam na cabeceira. Leio, trabalho, insisto, mas a cabeça vaga, escrava dos acontecimentos.

Dentre todos os grampos da Lava Jato, um, de menor relevância, me causou impressão.

Nele, dona Marisa solta um palavrão para desabafar com o filho o incômodo com o panelaço. É uma conversa íntima, cuja reprodução em rede aberta só serve a um desejo hediondo de satanizá-la. Nenhum de nós sobreviveria a uma exposição pública dessa ordem, não é aceitável, não pode ser.

Mas o desconforto que experimentei não aplaca meu mal-estar com a retórica populista de que a classe média não quer que o povo coma ou ande de avião. Trata-se de um primarismo tão nocivo quanto a vilania da divulgação da escuta.

Lula provou que a classe C é uma força econômica maior do que as classes A e B reunidas, e deixou o Planalto com 83% de aprovação.

Empresas, produtores de conteúdo, o mercado publicitário –sou atriz, vivi isso–, todos correram para retratar, satisfazer, conquistar a massa de consumidores que ascenderam com Lula.

A classe média apoiou seu mandato.

A rejeição veio depois, com a Nova Matriz Econômica; com a queda do barril do petróleo aliada à Lava Jato, que expuseram a gestão criminosa da Petrobras. O descompasso veio com a seca e o aumento do custo de energia, com a política fiscal irresponsável e a incapacidade de articulação do Executivo.

Uma crise que culminou numa campanha eleitoral que retesou preços para garantir votos, obrigando o governo recém-empossado a descumprir com sua promessa de não reajustar juros e tarifas, empurrando a inflação para dois dígitos.

Lula deveria ter assumido a Casa Civil há um ano; Dilma foi escolha pessoal dele. Empossado, teria condições de refazer as bases do partido e estaria, hoje, tão blindado quanto outros políticos ameaçados pelas investigações.

Assusta ver um impeachment conduzido a toque de caixa por Cunha, mentor das pautas-bomba, com o apoio de uma oposição que, muitas vezes, colocou os próprios interesses acima dos do país.

Mas o PT alimentou o fogo amigo, preferindo nadar no sentido oposto ao das demandas do governo a comprometer sua imagem com a reforma da previdência.

Espanta a ausência de outras legendas na investigação, já que as empreiteiras costumam distribuir benesses à direita e à esquerda. Agora, com todas ameaçadas pela planilha de apelidos da Odebrecht, a chance de acórdão é grande.

Afundada num buraco a céu aberto, em meio aos conchavos e trincheiras armadas, resolvi consultar o oráculo e reler “O Nascimento da Tragédia”, de Nietzsche.

O homem dionisíaco, assim como Hamlet, diz ele, se defronta com a incapacidade de modificar a essência daquilo que o rodeia.

Para ambos, é ridículo e humilhante endireitar o mundo, pois só é possível agir quando se está cego por uma ilusão. Tal consciência leva a um estado de paralisia que não vê sentido na ação.

Soa familiar?

“Neste supremo perigo da vontade”, conclui o filósofo, “aproxima-se qual feiticeira da salvação, a arte”.

Só ela teria o poder de transformar o horror em sublime e o absurdo em comédia.

Urge recuperar esse poder transcendente.

sexta-feira, 25 de março de 2016

ESTIVE PENSANDO: QUEM TEM TELHADO DE VIDRO...


Eu não atiro pedras no telhado do outro pois tenho telhado de vidro.

Não suporto 10 minutos de investigação sobre a minha vida sem sentir certa vergonha pelo que já fiz ou deixei de fazer, pois é fácil encontrar muito mais desmandos e erros do que acertos na minha atual existência.

Posso até tentar argumentar que aconteceram por imaturidade, ausência de conhecimento, essas coisas, mas a verdade é que fazendo uma visita bem íntima mesmo, daquelas que somente cada um pode fazer... errei conscientemente...

Essa consciência me leva a ficar na minha... Eu tive os motivos por que errei, o outro que observo e que também erra, tem os seus...

Eu sou um babaca para alguns, petista para outros, esquisito para outros tantos, folgado para um número ainda maior e metido a besta para uma vasta lista. Os que não me curtem o fazem porque sou isso e aquilo (às vezes nem sabemos o que acham que somos), bem... sabendo ou não pelo outro sei por mim que sou mesmo isso e aquilo mesmo e sou também mais que isso. Tenho procurado aprender com as consequências, elas me fizeram ser o que sou hoje. Um ser menos raivoso, pois procuro não medir o outro pela minha medida. Ela é inexata demais. E em se tratando de medida ela tem que ser exata, não é mesmo?

Não tem sido fácil exercer a paciência e o respeito pelas opiniões alheias, mas preciso manter-me assim, e é nessas horas que a certeza da presença de uma ordem Superior e Transcendente à existência material e suas circunstâncias me anima e me faz continuar lutando para enxergar no outro não aquilo que tenho em mim e que projeto nele, mas o contrário: o que não tenho e que quero aprender com quem tem. Inclusive aprender a ser diferente dele, caso o que ele me ofereça não me é útil como aprendizado.

Ser assim me faz ficar "suave na nave", cuidando da parte que porventura me cabe na criação e refletindo que ainda que muitos se digam paladinos da moral e da justiça, apenas a Justiça Divina é Imutável e Irrepreensível e quem a aplica é amoroso e misericordioso, porque se fosse só justo, EU ESTARIA LASCADO!!!

Procuro a todo custo não entrar em onda que criaram, o mar é para todos e eu mesmo "caço" as minhas ondas. Tenho aprendido na vivência material e espiritual que na vida não há mocinhos e nem bandidos, todos somos algozes e vítimas (taí a bendita reencarnação para nos ensinar isso), e em sendo assim posso até me indignar, mas a minha indignação não pode e nem deve me tornar um sectário, uma pessoa que vê apenas o que quer e não o que precisa para se tornar uma pessoa melhor.

A onda agora é o "O luto pelo Brasil". Luto esse já declarado diversas vezes e ele permanece firme e forte acolhendo um povo que diversificado como somos está exercendo pela primeira vez a liberdade de ser o que suas diferenças denotam e nesse campo, para não descambar para a violência, o AMOR É FUNDAMENTAL!!!

Vivemos um momento que a história um dia reconhecerá que foi importante para demarcar a sociedade brasileira pois foi o instante em que as máscaras da hipocrisia se romperam, e todos puderam se mostrar não caiados e bonitos, mas verdadeiramente o que são e por se reconhecerem como são, poderão provocar as modificações necessárias para que ao contrário da separação, busquemos, dialeticamente, a UNIDADE FRATERNAL!

Fica tite não sô... vai passar!
Fica bavo não mano... faz mal procê!
Fica com ódio não coisinha... obstrui o amor!
Faça uma prece... ela altera sempre a natureza de quem ora!!!
Luz & Paz! Força & Fé! A Todos Nós!!!

SOBRE A ARQUITETURA E A IMPRENSA, A PROPÓSITO DA COMUNICAÇÃO DE GUTTEMBERG


Em resposta à comunicação anterior de Guttemberg que pode ser vista clicando-se aqui.

(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS 
─ MÉDIUM: SR. A. DIDIER)

O Espírito de Guttemberg definiu muito poeticamente os efeitos positivos e tão universalmente progressivos da imprensa e do futuro da eletricidade. Nada obstante, permito-me, como antigo construtor de castelos, torreões, terraços e catedrais, expor certas teorias sobre o caráter e o objetivo da arquitetura da Idade Média. 
Todos sabem, e em nossos dias ilustres arqueólogos ensinaram que a religião, a fé ingênua, ergueu com o gênio do homem esses soberbos monumentos góticos espalhados por toda a superfície da Europa, e aqui, mais do que nunca, a ideia expressa por Guttemberg é cheia de elevação. 
Contudo, sentimo-nos na obrigação de emitir a nossa opinião, não contra, mas a favor. 
A ideia, essa luz da alma, centelha real que infunde a vontade e o movimento ao organismo humano, manifesta-se de diversas maneiras, quer pela arte, quer pela filosofia, etc. A arquitetura, essa arte elevada que talvez melhor exprima a índole e o gênio de um povo, nas nações impressionáveis e crentes foi consagrada ao culto de Deus e às cerimônias religiosas. 
A Idade Média, sustentáculo do feudalismo e da crença, teve a glória de fundar duas artes essencialmente diferentes em seu objetivo e sua consagração, mas que exprimem perfeitamente o estado de sua civilização: o castelo fortificado, habitado pelo senhor ou pelo rei; a abadia, o mosteiro e a igreja; numa palavra, a arte arquitetônica militar e a religiosa. 
Os Romanos, essencialmente administradores, guerreiros, civilizadores e colonizadores universais, forçados que eram pela extensão de suas conquistas, jamais tiveram uma arquitetura inspirada por sua fé religiosa. Só a avidez, o amor ao ganho e ao poder executivo lhes fizeram construir esses formidáveis montes de pedras, símbolo de sua audácia e de sua capacidade intelectual. 
A poesia do Norte, contemplativa e nebulosa, unida à suntuosidade da arte oriental, criou o gênero gótico, a princípio austero e discretamente florido. Com efeito, vemos na arquitetura a realização das tendências religiosas e do despotismo feudal. 
Essas ruínas famosas de muitas das revoluções humanas, mais do que o tempo, ainda se impõem por seu aspecto grandioso e formidável. Parece que o século que as viu erguer-se era duro, sombrio e inexorável como elas. Mas daí não se deve concluir que a descoberta da imprensa, por mais que distenda o pensamento, tenha simplificado a arte da arquitetura. 
Não, a Arte, que é uma parte da ideia, será sempre uma manifestação religiosa ou política, ou militar, ou democrática, ou principesca. 
A Arte tem o seu papel, a imprensa tem o dela. Sem ser exclusivamente especialista, não se deve confundir o objetivo de cada coisa. É preciso dizer apenas que não se deve misturar as diferentes faculdades e as diversas manifestações da ideia humana.

ROBERT DE LUZARCHES

A IMPRENSA


Revista Espírita - Abril/1864 
 Instruções dos Espíritos

(COMUNICAÇÃO ESPONTÂNEA)

(SOCIEDADE DE PARIS, 19 DE FEVEREIRO DE 1864 ─ MÉDIUM: SR. LEYMARIE)


No século quinze é que foi inventada a imprensa. Como tantos outros inventos conhecidos e desconhecidos, foi-lhe preciso tomar a taça e beber o fel. Não venho a vós, espíritas, vos contar meus dissabores ou sofrimentos, porque naqueles tempos de ignorância e de tristeza em que os vossos pais tinham no peito o pesadelo chamado feudalidade e uma teocracia cega e ciosa de seu poder, todo homem de progresso tinha a cabeça demais. Quero apenas dizer-vos algumas palavras sobre a minha invenção, sobre seus resultados e a sua afinidade espiritual convosco, com os elementos que fazem a vossa força expansiva.

A revolução mãe, aquela que trazia no flanco o modo de expressão da Humanidade, o pensamento humano despojando-se do passado, de sua pele simbólica, é a invenção da imprensa. Sob essa forma, o pensamento mistura-se no ar, espiritualiza-se, será indestrutível. Senhora dos séculos futuros, ela alça seu voo inteligente para ligar todos os pontos do espaço e, a partir desse dia, domina a velha maneira de falar.

Para os povos primitivos eram necessários monumentos representando um povo, montanhas de pedra dizendo aos que sabem ver: Eis a minha religião, minha lei, minhas esperanças, minha poesia.

Com efeito, a imprensa substitui o hieróglifo. Sua linguagem a todos é acessível, sua atração é leve. É que um livro apenas pede um pouco de papel e de tinta e algumas mãos, enquanto uma catedral exige várias vidas de um povo e toneladas de ouro.

Permiti, aqui, uma digressão. O alfabeto dos primeiros povos foi composto de lascas de rocha que o ferro não havia tocado. As pedras erguidas pelos celtas também se encontram na Sibéria e na América. Eram as confusas lembranças humanas, escritas em monumentos duráveis. O galgal hebreu, os crombels, os dolmens, os túmulos, mais tarde exprimiram palavras.

Depois vieram a tradição e o símbolo. Não mais bastando esses primeiros monumentos, criaram o edifício, e a arquitetura tornou-se monstruosa; fixou-se como um gigante, repetindo às gerações novas os símbolos do passado. Tais foram os pagodes, as pirâmides, o templo de Salomão.

Era o edifício que encerrava o Verbo, essa ideia mãe das nações. Sua forma e sua situação representavam todo um pen­samento, e é por isso que todos os símbolos têm suas grandes e magníficas páginas de pedra.

A maçonaria é a ideia escrita, inteligente, pertencente a esses homens que se tornaram unidos por um símbolo, tomando Iram por patrono e constituindo essa franco-maçonaria tão conspurcada que levou em si o germe da liberdade. Ela soube semear seus monumentos e os símbolos do passado no mundo inteiro, substituindo a teocracia das primeiras civilizações pela democracia, essa lei da liberdade.

Depois dos monumentos teocráticos da Índia e do Egito, vêm suas irmãs, as arquiteturas grega e romana, depois o estilo românico, tão sombrio, representando o absoluto, a unidade, o sacerdote. As cruzadas nos trazem a ogiva, e o senhor quer partilhar, esperando o povo que saberá tomar o seu lugar. O feudalismo vê nascer a comuna e a face da Europa muda, porque a ogiva destrona o românico; o pedreiro torna-se artista e poetiza a matéria: dá-lhe o privilégio da liberdade na arquitetura, porque então o pensamento só tinha esse modo de expressão. Quantas sedições escritas na fachada dos monumentos! E é por isto que os poetas, os pensadores, os deserdados, tudo quanto era inteligente cobriu a Europa de catedrais!

Como vedes, até o pobre Guttemberg, a arquitetura é a escrita universal. Por sua vez, a imprensa derruba o gótico; a teocracia é o horror do progresso, a conservação mumificada dos tipos primitivos; a ogiva é a transição da noite para o crepúsculo, em que cada um pode ler a pedra facilmente e compreender, mas a imprensa é o pleno dia, derrubando o manuscrito, pedindo mais espaço, que daí em diante nada poderia restringir.

Como o sol, a imprensa fecundará o mundo com seus raios benéficos. A arquitetura não representará mais a Sociedade, porque será clássica e renascentista, e esse mundo de artistas, divorciando-se do passado, abre grandes brechas nas teogonias humanas para seguir a via traçada por Deus; cansa-se de ser simples artífice dos monumentos da Renascença, para se fazer estatuário, pintor, músico. A força da harmonia se gasta em livros, e já no século dezesseis é tão robusta, tão forte essa imprensa de Nuremberg, que é o advento de um século literário. Ela é, ao mesmo tempo, Lutero, Jean Goujon, Rousseau, Voltaire. À velha Europa, ela dá esse combate lento, mas seguro, que sabe reconstruir depois de haver destruído.

E agora que o pensamento está emancipado, qual o poder que poderia escrever o livro arquitetural de nossa época? Todos os milhões de nosso planeta não bastariam e ninguém poderá reerguer o que está no passado e lhe pertence exclu­sivamente.

Sem desdenhar o grande livro da arquitetura que é o passado e o seu ensino, agradeçamos a Deus que sabe, nas épocas adequadas, pôr em nosso poder uma arma tão forte que se torna o pão do Espírito, a emancipação do corpo, o livre-arbítrio do homem, a ideia comum a todos, a Ciência, um á-bê-cê que fecunda a Terra, tornando-nos melhores. Mas se a imprensa vos emancipou, a eletricidade vos fará verdadeiramente livres e destronará a imprensa de Guttemberg para pôr em vossas mãos um poder muito mais temível, e isto em breve.

A ciência espírita, essa salvaguarda da Humanidade, vos ajudará a compreender a nova força de que vos falo. Guttemberg, a quem Deus deu missão providencial, sem dúvida fará parte da segunda, isto é, da que vos guiará no estudo dos fluidos.

Em breve estareis prontos, caros amigos. Mas também não se trata somente de ser Espíritos fervorosos. Também é preciso estudar, para que tudo o que foi ensinado sobre a eletricidade e todos os fluidos em geral seja para vós uma gramática sabida de cor. Nada é estranho à ciência dos Espíritos. Quanto mais sólida for a vossa bagagem intelectual, menos vos admirareis com as novas descobertas. Devendo ser os iniciadores de novas formas de pensamento, deveis ser fortes e seguros de vossas faculdades espirituais.

Portanto, eu tinha razão de vos falar da minha missão, irmã da vossa. Sois os eleitos entre os homens. Os bons Espíritos vos dão um livro que dá a volta à Terra, mas sem a imprensa nada seríeis. Para vós, a obsessão que vela a verdade aos homens desaparecerá. Mas, repito, preparai-vos e estudai para não serdes indignos do novo benefício, e para, ao contrário, saberdes mais inteligentemente que os outros a espalhá-lo e torná-lo aceito.

GUTTEMBERG


OBSERVAÇÃO: Pela difusão das ideias que ela tornou imperecíveis e que espalha aos quatro cantos do mundo, a imprensa produziu uma revelação intelectual que ninguém pode ignorar. Porque tal resultado era entrevisto, ela foi inicialmente qualificada por alguns de invenção diabólica. É uma afinidade a mais que ela tem com o Espiritismo, e da qual Guttemberg deixou de falar.

Se se desse ouvidos a certas pessoas, na verdade pareceria que o diabo tem o monopólio de todas as grandes ideias, porquanto todas as que fazem a Humanidade dar um passo lhe são atribuídas.

Sabe-se que o próprio Jesus foi acusado de agir por intermédio do demônio que, na verdade, deve orgulhar-se de todas as boas e belas coisas que retiram de Deus para lhe atribuir. Não foi ele que inspirou Galileu e todas as descobertas científicas que fizeram a Humanidade progredir? Conforme isto, seria preciso que ele fosse muito modesto para não se julgar dono do Universo. No entanto, o que pode parecer estranho é a sua inabilidade, pois não há um só progresso da Ciência que não tenha por efeito a ruína do seu império. Este é um detalhe sobre o qual não pensaram o bastante.

Se tal foi o poder desse meio de propagação absolutamente material, quão maior não será o do ensino dos Espíritos que se comunicam em toda parte, penetrando onde é defeso o acesso dos livros, fazendo-se ouvir até pelos que não querem escutar! Que poder humano poderia resistir a tal força?

Esta notável dissertação provocou no seio da Sociedade as reflexões seguintes, por parte outro Espírito. 

Clique aqui.

A RELIGIÃO E A POLÍTICA NA SOCIEDADE MODERNA


Revista Espírita - Junho/1868 - Notícias Bibliográficas 

Por Frédéric Herrenschneider

O Sr. Herrenschneider é um antigo sansimoniano, e foi aí que colheu seu ardente amor ao progresso. Depois tornou-se espírita, contudo, estamos longe de partilhar sua maneira de ver sobre todos os pontos e aceitar todas as soluções que ele dá. A sua é uma obra de alta filosofia, em que o elemento espírita ocupa um lugar importante. Não a examinaremos senão do ponto de vista da concordância e da divergência de suas ideias, no que toca o Espiritismo. Antes de entrar no exame de sua teoria, parecem-nos essenciais algumas considerações.

Três grandes doutrinas dividem os espíritos, sob os nomes de religiões diferentes e filosofias muito distintas; são o materialismo, o espiritualismo e o Espiritismo. Ora, é possível ser materialista e crer ou não crer no livre-arbítrio do homem; no segundo caso se é ateu ou panteísta; no primeiro é-se inconsequente e ainda se toma o nome de panteísta ou de naturista, positivista etc.

A criatura é espiritualista, desde que não seja materialista, isto é, desde que admita um princípio espiritual distinto da matéria, seja qual for a ideia que faça de sua natureza e de seu destino. Os católicos, os gregos, os protestantes, os judeus, os muçulmanos, os deístas são espiritualistas, malgrado as diferenças essenciais de dogmas que os dividem.

Os espíritas fazem da alma uma ideia mais clara e mais precisa; não é um ser vago e abstrato, mas um ser definido, que reveste uma forma concreta, limitada, circunscrita. Independentemente da inteligência, que é a sua essência, ela tem atributos e efeitos especiais, que constituem os princípios fundamentais de sua doutrina. Eles admitem o corpo fluídico ou perispírito; o progresso indefinido da alma; a reencarnação ou pluralidade de existências, como necessidade do progresso; a pluralidade dos mundos habitados; a presença no meio de nós, das almas ou Espíritos que viveram na Terra e a continuação de sua solicitude pelos vivos; a perpetuidade das afeições; a solidariedade universal que liga os vivos e os mortos; os Espíritos de todos os mundos e, em consequência, a eficácia da prece; a possibilidade de comunicação com os Espíritos dos que não vivem mais; no homem, a visão espiritual ou psíquica, que é um efeito da alma.

Eles rejeitam o dogma das penas eternas, irremissíveis, como inconciliável com a justiça de Deus; mas admitem que a alma, depois da morte, sofre e suporta as consequências de todo o mal que praticou durante a vida, de todo o bem que poderia ter feito e não fez. Seus sofrimentos são a consequência natural de seus atos; eles duram enquanto durar a perversidade ou a inferioridade moral do Espírito; diminuem à medida que ele se melhora e cessam pela reparação do mal. Essa reparação se dá nas existências corporais sucessivas. Tendo sempre a sua liberdade de ação, o Espírito é, assim, o próprio artífice de sua felicidade e de sua desgraça, neste mundo e no outro. O homem não é levado fatalmente nem ao bem nem ao mal; ele realiza um e outro por sua vontade e se aperfeiçoa pela experiência. Em consequência deste princípio, os espíritas não admitem nem os demônios predestinados ao mal, nem a criação especial de anjos predestinados à felicidade infinita sem terem tido o trabalho de merecê-la. Os demônios são Espíritos humanos ainda imperfeitos, mas que melhorarão com o tempo; os anjos são Espíritos que atingiram a perfeição, depois de haverem passado, como os outros, por todos os graus da inferioridade.

O Espiritismo não admite, para cada um, senão a responsabilidade de seus próprios atos; segundo ele, o pecado original é pessoal; ele consiste nas imperfeições que cada indivíduo traz ao renascer, porque ainda não se despojou delas em suas existências precedentes, e cujas consequências ele naturalmente sofre na existência atual.

Também não admite, como suprema recompensa final, a inútil e beata contemplação dos eleitos durante a eternidade; mas, ao contrário, uma incessante atividade de alto a baixo da escala dos seres, em que cada um tem atribuições proporcionais no seu grau de adiantamento.

Esta é, em resumo muito sucinto, a base das crenças espíritas. A pessoa é espírita a partir do momento que entra nessa ordem de ideias, mesmo que não admitisse todos os pontos da doutrina na sua integridade ou em todas as suas consequências. Pelo fato de não ser espírita completo, ela não deixa de ser espírita, o que faz que por vezes seja espírita sem saber, algumas vezes sem querer confessá-lo e que, entre os sectários de diferentes religiões, muitos são espíritas de fato, mesmo que não sejam de nome.

A crença comum para os espiritualistas é acreditar num Deus criador, e admitir que, após a morte, a alma continue a existir, sob a forma de puro Espírito, completamente destacado de toda a matéria, e também que ela poderá, com ou sem a ressurreição de seu corpo material, gozar de uma existência eterna, feliz ou infeliz.

Os materialistas, ao contrário, creem que a força é inseparável da matéria e não pode existir sem ela; assim, Deus não é para eles senão uma hipótese gratuita, a menos que ele seja a própria matéria. Os materialistas negam com toda a sua força a concepção de uma alma essencialmente espiritual e da de uma personalidade sobrevivente à morte.

Sua crítica é fundada, no que concerne à alma, tal qual a aceitam os espiritualistas, em que, sendo a força inseparável da matéria, uma alma pessoal ativa e poderosa não pode existir como um ponto geométrico no espaço, sem dimensão de qualquer espécie, nem comprimento, nem largura, nem altura. Eles perguntam aos espiritualistas: Que força, que poder, que ação pode ter uma tal alma sobre o corpo durante a vida? Que progresso pode ela realizar, e de que maneira conserva sua individualidade, se ela nada é? Como poderia ela ser suscetível de felicidade ou infelicidade após a morte?

Não há que dissimular, essa argumentação é especiosa, mas ela é sem valor contra a doutrina dos espíritas. Eles efetivamente admitem a alma distinta do corpo, como os espiritualistas, com uma vida eterna e uma personalidade indestrutível, mas consideram essa alma como indissoluvelmente unida à matéria; não à matéria do próprio corpo, mas uma outra, mais etérea, fluídica e incorruptível, que chamam perispírito, palavra feliz que muito bem exprime o pensamento, que é a origem e a base do Espiritismo.

Se resumirmos as três doutrinas, diremos que, para os materialistas, a alma não existe, ou, se existe, confunde-se com a matéria, sem nenhuma personalidade distinta fora da vida presente, em que essa personalidade é mais aparente do que real.

Para os espiritualistas, a alma existe no estado de espírito, independente de Deus e de toda matéria.

Para os espíritas, a alma é distinta de Deus, que a criou, e inseparável de uma matéria fluídica e incorruptível que se pode chamar perispírito.

Esta explicação preliminar permitirá compreender que existam espíritas sem o saber.

Com efeito, a partir do momento em que não se é materialista nem espiritualista, não se pode deixar de ser espírita, a despeito da repugnância que alguns parecem experimentar por essa qualificação.

Ei-nos bem longe das apreciações fantasistas dos que imaginam que o Espiritismo não repousa senão na evocação dos Espíritos. Entretanto há espíritas que jamais fizeram uma evocação; outros que jamais as viram, nem estão interessados em vê-las, pois sua crença não precisa desse recurso. E, por não se apoiar senão na razão e no estudo, essa crença não é menos completa nem menos séria.

Pensamos mesmo que é sob sua forma filosófica e moral que o Espiritismo encontra os mais firmes e os mais convictos aderentes; as comunicações não passam de meio de convicção, de demonstração, e sobretudo de consolo. Não se deve a elas recorrer senão com reserva, e quando já se sabe bem o que se quer obter.

Não que as comunicações sejam apanágio dos Espíritos; muitas vezes elas ocorrem espontaneamente, e por vezes mesmo em meios hostis ao Espiritismo, do qual elas não dependem. Com efeito, não são senão o resultado de leis e de ações naturais que os Espíritos ou os homens podem utilizar, uns ou outros, quer independentemente, quer de acordo entre si.

Mas, assim como é prudente pôr instrumentos de Física, de Química e de Astronomia apenas na mão daqueles que sabem utilizá-los, convém não provocar comunicações senão quando possam ter uma utilidade real, e não com o fito de satisfazer uma curiosidade pueril.

Dito isto, podemos examinar a obra notável do Sr. Herrenschneider. É a obra de um profundo pensador e de um espírita senão completo pelo menos convicto, mas não concordamos com todas as conclusões a que ele chega.

O Sr. Herrenschneider admite a existência de um Deus criador, em toda parte presente na criação, penetrando todos os corpos com sua substância fluídica e se achando em nós como nós nele. É a notável solução que o Sr. Allan Kardec apresentou na sua Gênese, a título de hipótese.

Mas, segundo o autor, no começo Deus enchia todo o espaço; ele teria criado cada ser retirando-se do lugar que lhe concedia para lhe deixar o livre desenvolvimento, sob sua proteção incessante. Esse desenvolvimento progressivo opera-se, a princípio, sob o efeito necessário das leis da Natureza e pela coerção do mal; depois, quando o Espírito já progrediu suficientemente, ele pode juntar a sua própria ação à ação fatal das leis naturais, para ativar o seu progresso.

Durante toda essa fase da existência dos seres, que começa pela molécula do mineral, continua no vegetal, desenvolve-se no animal e se determina no homem, o Espírito recolhe e conserva conhecimentos por seu perispírito. Adquire, assim, uma certa experiência. Os progressos que se realizam são de grande lentidão, e quanto mais lentos eles são, mais multiplicadas são as encarnações.

Como se vê, o autor adota os princípios científicos do progresso dos seres, emitidos por Lamarck, Geoffroy Saint-Hilaire e Darwin, com a diferença que a ação moderadora das formas e dos órgãos animais já não é apenas o resultado da seleção e da concorrência vital, mas também, e sobretudo, o efeito da ação inteligente do espírito animal, modificando incessantemente as formas e a matéria, que ele reveste para realizar uma apropriação mais conforme à experiência que adquiriu.

É nesta ordem de ideias que queríamos ter visto o autor insistir sobre a ação benéfica e afetuosa dos seres mais elevados concorrendo para o adiantamento dos mais fracos, guiando-os e os protegendo por um sentimento de simpatia e de solidariedade, cujo desenvolvimento é felizmente apresentado no livro A Gênese e em todas as obras do Sr. Allan Kardec.

O Sr. Herrenschneider não fala na ação recíproca de uns seres sobre os outros, senão do triste ponto de vista da ação maléfica e do progresso necessário, que resulta do mal na Natureza. Sobre este ponto, ele bem compreendeu que o mal é apenas relativo, e que é uma das condições do progresso. Esta parte de seu trabalho é bem desenvolvida.

“Criados, diz ele, na extrema fraqueza, na extrema preguiça e devendo ser os meios do nosso próprio fim, nós somos obrigados a chegar à perfeição e ao poder, à felicidade e à liberdade por nossos próprios esforços; nosso destino é ser em tudo e por toda parte os filhos de nossas obras; é criar-nos a nossa unidade, a nossa personalidade, a nossa originalidade, assim como a nossa felicidade.

“Eis, em minha opinião, quais são os desígnios de Deus a nosso respeito. Mas, para consegui-lo, evidentemente o Criador não nos pode abandonar a nós mesmos, porque, criados nesse estado ínfimo e molecular, estamos naturalmente mergulhados num profundo entorpecimento; aí teríamos mesmo ficado perpetuamente, e jamais teríamos dado um passo à frente se, para nos despertar, para tornar sensível a nossa substância inerte, e para ativar a nossa força privada de iniciativa, Deus não nos tivesse submetido a um sistema de coerção, que nos prende à nossa origem, jamais nos deixa e nos força a desenvolver esforços para satisfazer às necessidades e aos instintos morais, intelectuais e materiais dos quais ele nos tomou escravos, por força do sistema de encarnação que dispôs para esse fim.”

Indo mais longe que os estoicos, que pretendiam que a dor não existia e que não passava de uma palavra, vê-se que os espíritas chegam a pronunciar a estranha fórmula que o próprio mal é um bem, no sentido que a ele conduz fatalmente, necessariamente.

Sobre tudo o que precede, fazemos ao autor a crítica de haver esquecido que a mais estreita solidariedade liga todos os seres, e que os melhores de todos são aqueles que, tendo compreendido melhor esse princípio, o colocam em ação incessantemente, de tal modo que todos os seres na Natureza concorrem para o objetivo geral e para o progresso uns dos outros: uns sem o saber e sob o impulso de seus guias espirituais; outros compreendendo o seu dever de elevar e de instruir os que os cercam ou que deles dependem e se ajudando com o concurso dos mais adiantados que eles próprios. Hoje todo mundo compreende que os pais devem aos seus filhos uma educação conveniente, e que aqueles que são felizes, instruídos e adiantados devem ajudar os pobres, os sofredores e os ignorantes.

Em consequência, deve-se compreender a utilidade da prece, que nos põe em relação com os Espíritos que podem guiar-nos. Não nos acontece pedir aos que vivem como nós, que são nossos superiores ou nossos iguais, e nossa vida pode se passar sem este perpétuo apelo que fazemos à ajuda dos outros? Não é, pois, admirável que, entendendo-nos, os que já não vivem sejam igualmente sensíveis às nossas preces, na medida do que podem fazer, como, aliás, o teriam feito em vida. Por vezes damos a quem não pediu, mas damos sobretudo aos que pedem. Batei, e abrir-se-vos-á; pedi, e se for possível, sereis atendidos.

Não creiais que tudo vos seja devido e que devais esperar os benefícios sem pedi-los e sem merecê-los; não creiais que tudo chegue fatalmente e necessariamente, mas, ao contrário, refleti que estais no meio de seres livres e voluntários, tão numerosos quanto a areia do mar, e que a sua ação pode juntar-se à vossa, a vosso pedido e segundo a sua simpatia, que é preciso saber merecer.

Orar é um meio de agir sobre os outros e sobre si mesmo, mas não é este o momento de desenvolver tão importante assunto. Digamos apenas que a prece não vale senão quando acompanha o esforço ou o trabalho, e nada pode sem ele, ao passo que o trabalho e os esforços generosos podem muito bem substituir a prece. É sobretudo entre os espíritas que se admite este velho refrão: “Trabalhar é orar.”

A parte mais interessante do livro do Sr. Herrenschneider é aquela onde ele faz o que se poderia chamar a psicologia da alma, concebida de tal forma que os espíritas a compreendem, e sob este ponto de vista, seu trabalho é novo e dos mais curiosos.

O autor determina claramente os fenômenos que dependem do perispírito, e como ele mantém à disposição do espírito a soma inteira de seus progressos anteriores, conservando o traço dos esforços e dos progressos novos tentados e realizados pelo ser, seja em que momento for.

Conforme esses dados, a natureza da alma ou perispírito deve ser considerada como um tesouro adquirido, conservado em nós e encerrando tudo o que concerne ao nosso ser na ordem moral, intelectual e prática.

Evitaremos servir-nos dos termos adotados pelo autor que, para exprimir que a alma pode agir, quer pelo efeito de seu tesouro adquirido ou natureza íntima (perispírito), quer por um esforço novo ou ação voluntária, se serve da expressão dualidade da alma, embora fazendo notar que a alma é una. Aí está uma expressão infeliz, que não exprime o verdadeiro pensamento do autor e que poderia prestar-se à confusão para um espírito pouco atento.

O Sr. Herrenschneider crê na unidade da alma, como os espíritas; como esses, ele admite a existência do perispírito, o que lhe permite fazer uma fina crítica da psicologia dos espiritualistas que estuda mais especialmente segundo as obras do Sr. Cousin.

Partindo do mesmo ponto que Sócrates e Descartes: o conhecimento de si mesmo, o autor estabelece o fato primordial de onde resultam todos os conhecimentos, isto é, a afirmação de nós mesmos, feita cada vez que empregamos a palavra eu; a afirmação do eu é, pois, a verdadeira base da psicologia. Ora, há várias manifestações desse eu que se apresentam à nossa observação, sem que uma tenha qualquer prioridade sobre as outras e sem que se engendrem reciprocamente: Eu me sinto, ─ eu me sei, ─ eu tenho consciência de minha individualidade, ─ eu tenho o desejo de ser satisfeito. Estes dois últimos fatos de consciência são evidentes e claros por si mesmos; eles constituem o princípio da unidade do ser e o de nossa causa final ou destino, a saber: ser feliz.

Para se sentir e para se saber, é preciso notar que se tem perfeita consciência de se sentir sem ter necessidade de fazer qualquer esforço; ao contrário, a percepção do sentir é um ato que resulta de um esforço da mesma ordem que a atenção; a partir do momento que eu não faço mais esforço, não penso mais nem presto atenção, e então sinto todas as coisas exteriores que me causam impressão, até o momento em que uma delas me fere bastante vivamente para que eu a examine, a ela dedicando a minha atenção. Assim, eu posso pensar ou sentir, ser impressionado ou perceber, e julgar minha impressão quando eu quiser.

Há aí duas ordens psicológicas diferentes, heterogêneas, uma das quais é passiva e se caracteriza pela sensibilidade e pela permanência: é o sentir; e a outra é ativa, e se distingue pelo esforço da atenção e por sua intermitência: é o pensamento voluntário.

É a partir dessa observação que o autor chega a concluir pela existência do perispírito, por uma série e deduções muito interessantes, mas muito longas para relatar aqui.

Para o Sr. Herrenschneider, o perispírito, ou substância da alma, é uma matéria simples, incorruptível, inerte, extensa, sólida e sensível; é o princípio potencial que, por sua sutileza, recebe todas as impressões, assimila-as, conserva-as e se transforma, sob essa ação incessante, de maneira a encerrar toda a nossa natureza moral, intelectual e prática.

A força da alma é de ordem virtual, espiritual, ativa, voluntária e refletida; é o princípio de nossa atividade. Por toda parte onde se encontre o nosso perispírito, encontra-se igualmente a nossa força. Do perispírito ou do tesouro adquirido de nossa natureza dependem a nossa sensibilidade, as nossas sensações, os nossos sentimentos, a nossa memória, a nossa imaginação, as nossas ideias, o nosso bom-senso, a nossa espontaneidade, a nossa natureza moral e os nossos princípios de honra, assim como os sonhos, as paixões e a própria loucura.

De nossa força derivam, como qualidades virtuais, a atenção, a percepção, a razão, a lembrança, a fantasia, o humor, o pensamento, a razão, a reflexão, a vontade, a virtude, a consciência e a vigilância, assim como o sonambulismo, a exaltação e a monomania.

Levando-se em conta que estas qualidades podem substituir-se uma à outra, sem se excluírem, e também que os mesmos órgãos devem ser empregados tanto para a percepção quanto para a sensação, que se equivalem, pelo sentimento quanto pela razão etc., daí resulta que cada Espírito raramente se serve das duas ordens de suas faculdades com a mesma facilidade. Desta observação resulta para o autor que os indivídu­os que funcionam mais facilmente, em virtude das faculdades ditas potenciais, terão estas mais desenvolvidas que os outros, e delas se servirão mais à vontade, e reciprocamente.

Deste ponto de vista e de uma observação relativa à mais ou menos grande força virtual de certas coletividades de indivíduos, geralmente agrupados sob um mesmo nome de raça, o autor chega à conclusão que existem Espíritos que se podem chamar Espíritos franceses, ingleses, italianos, chineses ou negros etc.

A despeito das dificuldades de explicação que resultariam de uma tal ordem de ideias, há que convir que os estudos muito esmerados feitos pelo Sr. Herrenschneider sobre os diversos povos são muito notáveis e, em todo caso, muito interessantes; mas desejaríamos que o autor tivesse indicado seu pensamento mais claramente, e que evidentemente é o seguinte: Os Espíritos se agrupam, em geral, segundo as suas afinidades; é o que faz que Espíritos da mesma ordem e do mesmo grau de elevação tendam a encarnar-se num mesmo ponto do globo, e daí resulta esse caráter nacional, fenômeno em aparência tão singular. Diremos, pois, que não há Espíritos franceses ou ingleses, mas que há Espíritos cujo estado, hábitos, tradições impelem uns a se encarnarem na França, outros na Inglaterra, como os vemos, durante a sua vida, agrupar-se segundo as suas simpatias, seu valor moral e seus caracteres. Quanto ao progresso individual, depende sempre da vontade, e não do valor já adquirido do perispírito que não serve, por assim dizer, senão como um ponto de partida destinado a permitir uma nova elevação do Espírito, novas conquistas e novos pro­gressos.

Deixamos de lado a parte do livro que trata da ordem social e da necessidade de uma religião imposta, porque o autor, ainda imbuído dos princípios de autoridade que ele adquiriu no sansimonismo, afasta-se muito, neste ponto, dos princípios de tolerância absoluta, que o Espiritismo se gloria de professar. Achamos justo ensinar, mas temeríamos uma doutrina imposta e necessária, porque, se fosse excelente para a geração atual, forçosamente tornar-se-ia um entrave para as gerações seguintes, quando estas tivessem progredido.

O Sr. Herrenschneider não compreende que a moral possa ser independente da religião. Em nossa opinião, a questão está mal posta, e cada um a discute justamente do ponto de vista em que tem razão. Os moralistas independentes estão certos quando dizem que a moral é independente dos dogmas religiosos, no sentido que, sem crer em nenhum dos dogmas existentes, muitos dos antigos foram moralizados, e entre os modernos há, e muitos, que têm o direito de gabar-se de o ser. Mas o que é certo é que a moral, e sobretudo a sua aplicação prática, é sempre dependente de nossas crenças individuais, sejam quais forem. Ora, ainda que fosse das mais filosóficas, uma crença constitui a religião daquele que a possui.

Isto se demonstra facilmente pelos fatos diários da existência, e os moralistas, que se dizem independentes, têm, eles próprios, como crença, que é preciso respeitar a si mesmo e aos outros, desenvolvendo o mais possível, em si e nos outros, os elementos do progresso. Sua moral dependerá, pois, de sua crença; suas ações forçosamente dela ressentir-se-ão, e essa moral não será independente senão das religiões, das crenças e dos dogmas nos quais eles não acreditam, o que achamos muito justo e racional, mas também muito elementar.

O que se pode dizer é que, no estado atual da nossa Sociedade, há princípios de moral que estão de acordo com todas as crenças individuais, sejam quais forem, porque os indivíduos modificaram crenças religiosas sobre certos pontos, em virtude dos progressos científicos e morais dos quais os nossos antepassados fizeram a feliz conquista.

Terminaremos dizendo que o autor é, sob muitos pontos, discípulo de Jean Reynaud. Seu livro é o resumo de estudos e pensamentos sérios expressos claramente e com força. Ele é feito com um cuidado digno de louvor, e esse cuidado vai até a minúcia nos detalhes materiais da impressão, o que tem sua grande importância para a clareza de um livro tão sério.

Malgrado o desacordo profundo que nos separa do Sr. Herrenschneider, tanto a respeito de sua maneira de ver para impor a religião, quanto sobre suas ideias relativas à autoridade, à família, que ele esqueceu muito, assim como quanto à prece, à solidariedade benevolente dos Espíritos, que ele não soube apreciar, etc., ideias que o próprio Jean Reynaud já havia desaprovado, é impossível não ser tocado pelo mérito da obra e pelo valor do homem que soube achar pensamentos fortes, muitas vezes justos e sempre claramente expressos.

O Espiritismo aí é claramente dado como verdadeiro, pelo menos nos seus princípios fundamentais, e levado em consideração nos elementos da ciência filosófica; há, contudo, no ponto de partida, uma diferença: O autor chega ao resultado por indução, ao passo que o Espiritismo, procedendo por via experimental, fundamentou sua teoria na observação dos fatos. É um escritor muito sério, o que lhe dá o direito de confiabilidade.



EMILE BARRAULT, engenheiro.

ALLAN KARDEC.