Questão
de alta complexidade para a criatura humana, o dualismo do bem e do mal
encontra-se ínsito na sua psicologia interior, confundindo-a e perturbando-lhe,
não raro, o discernimento.
Com características
metafísicas, na sua formulação abstrata, essa dualidade concretiza-se nos atos
do ser, gerando fenômenos relevantes de consciência, que contribuem para o
equilíbrio ou a desordem psíquica, de acordo com as suas respectivas
manifestações.
Em todos
os períodos da cultura ancestral encontramos o esforço da religião e do
pensamento tentando estabelecer os paradigmas em que se apoiam um e outro,
para melhor explicá-los.
Ontem,
era uma abstração meramente filosófica ou religiosa, passando, mais tarde, a
fazer parte da ética, no capítulo da moral, avançando historicamente até
interessar à sociologia, ao comportamentalismo, à psicologia.
O código
de Hamurabi, inscrito em uma estela de diorito, já definia as ações louváveis e
as reprocháveis, simbolizando o bem e o mal, com as respectivas consequências
legais no comportamento humano em relação à criatura em si mesma, à sociedade e
ao seu próximo.
Entre
medos e persas — o livro sagrado ZendAvesta separava a mesma dualidade nas
personificações de Ormuzde — ou representação do bem — e Ariman — ou
personificação do mal —, em cuja luta o último seria submetido e por consequência eliminado.
A Bíblia,
por sua vez, representa o bem nas deidades angélicas e o mal, nas demoníacas,
ambas, no entanto, sob o controle de Deus, contra Quem se rebelara Lúcifer
que, expulso do paraíso, tornou-se-Lhe o adversário temerário...
A
Metafísica Tradicional, analisando a Criação, estabeleceu os dois princípios,
do bem e do mal, que se vinculam ao conciliador, no vértice superior do simbólico
triângulo isósceles.
Logo
depois, a interpretação chinesa apresentou-os nas duas admiráveis forças
cósmicas: o Yang — masculino,
positivo, seco, bom — e o Yin —
feminino, úmido, negativo, frio —, que se conciliam sob o comando da suprema
perfeição ao confundirem-se, gerando a harmonia.
Inspirada
no hinduísmo, a Trilogia da Criação apresenta Brama como Plenipotente, o
Princípio Supremo, e as duas forças antagônicas, Vishnu, o Conserva dor, ou princípio
construtor e Shiva, o Destruidor, ou
princípio aniquilador dos seres, em perene luta até a supremacia do
edificador...
Das
concepções pretéritas à realidade presente, filosoficamente o bem é tudo quanto
fomenta a beleza, o ético, a vida, consoante a moral, e o mal vem a ser aquilo
que se opõe ao edificante, ao harmônico, ao bem.
Sociologicamente
o bem contribui para o progresso, e todas as realizações que promovem o ser, o
grupo social e o ambiente expressam-lhe a grandeza, a ação concreta que
resulta da capacidade seletiva de valores éticos para a harmonia e a
felicidade.
Como
efeito, o mal decorre de todo e qualquer fenômeno que se opõe ou conspira
contra esse contributo superior.
A
Psicologia não poderia ficar indiferente a essa dualidade que existe no ser
humano, remanescendo como as suas aspirações de crescimento e elevação, do
nobre e equilibrado, do saudável e propiciador de paz.
Ao mesmo
tempo, o atavismo dos instintos agressivos propele-o para a violência — quando deseja possuir —, para o
vilipêndio — quando se sente diminuído —, para o grotesco e vulgar — quando
derrapa no menosprezo de si mesmo...
Desenvolvendo,
no entanto, a consciência que sai do torpor de nível de sono sem sonhos, imediatamente começa a perceber os
valores que compensam e os que conflitam o comportamento psicológico, impulsionando-o,
embora lentamente, para a adoção de conduta mental e física, idealista e
comportamental do bem, tornando-se instrumento útil no grupo social, que se
promove e eleva-o a estágio superior, permitindo-lhe aspirar sempre a mais e
melhor.
Esse
discernimento, que resulta da consciência em libertação dos condicionamentos
escravizadores, amplia a capacidade para identificar o bem e o mal, predispondo-o
à eleição do primeiro em detrimento do outro.
Se, por
acaso, incorre em equívocos de seleção e tomba nas malhas do mal, mesmo que sob
as circunstâncias perturbadoras do ódio, do medo, da angústia, da volúpia, da
desordem interior, ao descobrir-se em falta, faz o quadro de consciência de culpa e sofre as
patologias afugentes, que se lhe tornam mecanismos reparadores.
Afirma-se,
porém, que a linha divisória entre o bem e o mal é tão fluida e oscilante que,
não raro, o bem de hoje torna-se o mal de amanhã e vice-versa, numa dialética
sofista, que se poderia considerar anárquica...
Certamente,
muitos códigos e leis, de acordo com as conveniências de grupos e castas, de
partidos e raças, de religiões e credos, por questões imediatistas, tentam
tornar legais comportamentos que não são morais e, reciprocamente,
justificando-se atitudes vulgares e tentando liberar-se comportamentos
alienados, condutas extravagantes e arbitrárias.
O
Decálogo moisaico, no entanto, sintetiza os códigos moral e legal, portanto, o
que é bem e o que é mal, havendo facultado a Jesus afirmar, em grandiosa
proposta, toda a complexidade desse fenômeno dual: — Não fazer a outrem o que não deseja que ele lhe faça.
Porque
ainda injustos os homens, as leis que elaboram possuem os seus parcialismos,
defecções, devendo ser respeitadas, sem que a algumas delas se atribuam reais
valores morais, significativos e definidores do bem e do mal.
O bem e o
mal estão inscritos na consciência humana, em a natureza, na sua harmoniosa
organização que deu origem à vida e a fomenta.
Tudo
quanto contribui para a paz íntima da criatura humana, seu desenvolvimento
intelecto-moral, é-lhe o bem que deve cultivar e desenvolver, irradiando-o
como bênção que provém de Deus.
E esse
mal, aliás transitório, temporal, que o propele às ações ignóbeis, aos
sofrimentos, é remanescente atávico do seu processo de evolução, que será
ultrapassado à medida que amadureça psicologicamente, e se lhe desenvolvam os
padrões de sensibilidade e consciência para adquirir a integração no Cosmo,
liberado das injunções dolorosas, inferiores.
Joanna D'Angelis, Espírito, através de Divaldo Pereira Franco, no livro: Ser Consciente.
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