Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

NÃO RESISTAIS AO MALIGNO



É esta, certamente, uma das palavras mais enigmáticas do Nazareno, das menos

compreendidas, e ainda menos praticadas, sobretudo no ocidente cristão essencialmente violentista. No número de abril de 1959, da célebre revista mensal Stimmen der Zeit, dos padres jesuítas alemães, apare­ce um artigo, da autoria do jesuíta P. Hirschmann, provando que a guerra atômica pode ser lícita, no caso em que seja necessária para salvar o Cristianismo sobre a face da terra. No mesmo sentido escreve o jesuíta P. Gundlach, que foi conselheiro espiritual do Papa Pio 12º, afirmando que a guerra atômica, e mesmo a extirpação de um povo inteiro (naturalmente a Rússia!) é não somente lícita, mas pode até ser dever de consciência no caso em que esse povo seja um impedimento para o triunfo do Cristianismo.


O que inspira semelhantes monstruosidades, oficialmente aprovadas pela respectiva igreja, é a clamorosa confusão entre “Cristianismo” e “Cristo”. Por “Cristianismo” entendem esses autores uma deter­minada organização eclesiástica, engendrada, atra­vés dos séculos, por hábeis teólogos e devidamente codificada pelos chefes hierárquicos dessa sociedade eclesiástica. A fim de preservar da destruição essa organização político-financeiro-clerical apregoam esses homens a liceidade da destruição do espírito do Cristo, que em hipótese alguma aprovaria a morte de um único ser humano, menos ainda a extinção de muitos milhões de inocentes, a fim de salvar o reino de Deus. Como se pode salvar o verdadeiro Cristianismo, que é o reino de Deus, destruindo-o radicalmente pela matança em massa.Por onde se vê que esses doutores em teologia eclesiástica são perfeitos analfabetos na suprema sabedoria do Sermão da Montanha, e do Evangelho do Cristo em geral.


O gentio Mahatma Gandhi, não permitindo a morte de um só homem para libertar a Índia, compre­endia mil vezes melhor o espírito do Cristo do que esses chamados “cristãos”, razão por que declarava a todos os missionários do ocidente que procuravam convertê-lo ao Cristianismo: “Aceito o Cristo e seu Evangelho — não aceito o vosso Cristianismo.”



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“Não resistais ao maligno!”...

Nenhuma igreja, nenhum Estado cristão aceitou, até hoje, essa doutrina do divino Mestre. Todos praticam violência, por sinal que todas as sociedades, civis e eclesiásticas, se guiam, até hoje, pela lei do talião, estabelecida por Moisés, “olho por olho, dente por dente”. Aliás, parece mesmo que uma sociedade organizada não pode guiar-se pelo espírito do Evangelho do Cristo, porque qualquer sociedade organizada é baseada sobre o egoísmo, que aprova à violência; parece que só um indivíduo pode ser realmente crístico, não violentista. A sociedade tem determinados estatutos, leis, parágrafos jurídicos, que implicam sanção, isto é, violência, punição aos infratores dos estatutos jurídicos da sociedade. Sendo que toda a sociedade é produto da inteligência e a inteligência é, essencialmente, egoísta, não pode haver uma sociedade não-egoísta, não-violentista. Se Mahatma Gandhi conseguiu libertar a Índia com ahimsa (não-violência) foi unicamente porque, ao redor dele, havia numerosos indivíduos firmemente alicerçados na mesma verdade, como concebeu o próprio Presidente Nehru, e não porque a sociedade como tal se guiasse pelo princípio altruísta da ahimsa. Toda e qualquer sociedade, como sociedade, pratica necessariamente himsa (violência), sob pena de se destruir a si mesma, não fazendo valer as suas leis; só um indivíduo pode praticar ahimsa, não pagando mal com mal, mas pagando o mal com o bem, amando aos que o odeiam.


“Não resistir ao maligno” é, pois, uma ordem que visa diretamente o indivíduo em vias de cristifi­cação. Uma sociedade, sendo fundamentalmente egoísta, nunca pode ser crística, embora possa dizer-se cristã, isto é, egoísta envernizada de Cristianismo.


Nenhuma sociedade organizada pode abrir mão dos seus “direitos”, sob pena de cometer suicídio, ela só existe em virtude dos seus “direitos”; o direito, porém, é uma forma de egoísmo, e egoísmo gera violência. Só se a sociedade abdicasse dos seus “direitos”, tudo endireitaria; mas, enquanto ela faz valer os seus “direitos”, tudo está torto.


O contrário do “direito” é a “justiça”, que é praticamente idêntica ao amor. A “justiça”, no sentido bíblico, é invariavelmente a “justeza”, o perfeito “ajustamento”, a harmonia entre o indivíduo e o Universal, entre o homem e Deus, entre a creatura finita e o Creador Infinito. Essa justiça, porém, é o perfeito amor, como aparece no “primeiro e maior de todos os mandamentos”, enunciado por Jesus.


No frontispício do Fórum da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, se acham gravadas estas palavras do jurista-filósofo Cícero: Summum jus —Summa injuria (o supremo direito é a suprema injustiça). Quem reclama todos os seus direitos pessoais, age em nome de seu ego, que é necessaria­mente egoísta; mas quem pratica a justiça, age em nome da Constituição Cósmica do Universo, age em nome da própria alma do Universo, que é Deus; age, em nome do amor cósmico, que é a voz do divino Eu no homem.


Quem apela para seus “direitos” age em nome do ego, que é violentista.


Quem apela para a “justiça” age em nome do Eu, que não é violentista.


“Não resistir ao maligno” é, pois, um apelo para o divino Eu no homem, e não para seu humano ego.



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          Há, na legislação mosaica, uma matemática estranha: supõe que uma violência se neutralize com outra violência. Se alguém me arranca um olho ou quebra um dente, e eu lhe arrancar também um olho e quebrar um dente, estamos quites; porque cobrei do meu devedor uma divida em aberto.

             
          Na realidade, porém, não estamos quites, nem eu nem ele, porque um negativo dele mais um negativo meu dão dois negativos; quer dizer que nós dois meu ofensor e eu, ofensor dele, criamos dois males no mundo; e, como a segunda ofensa exige uma terceira, da parte dele, e essa reclama uma quarta ofensa, da minha parte, e assim por diante, numa indefinida “reação em cadeia” — é claro que nós dois, o ofensor de lá e o ofensor de cá, vamos piorando o mundo cada vez mais, enchendo-o de negativos e mais negativos.


Contra essa falsa matemática de Moisés opõe Jesus a verdadeira matemática, absolutamente lógica e racional, afirmando que o negativo (mal) só se neutraliza pelo positivo (bem), e que o único modo de melhorar o mundo e a humanidade é pelo processo de: 1) não resistir ao mal; 2) de opor o bem ao mal. O meu positivo oposto ao negativo do meu ofensor neutraliza esse negativo, e o resultado é zero; mas, se eu opuser ao negativo do ofensor não apenas um positivo (um bem), porém, muitos —digamos 10 — neste caso não somente neutralizei o negativo (mal) dele, mas ainda há um superavit de positivos, isto é, enriqueci a humanidade de bens positivos.


Mahatma Gandhi — precisamente por ser Mahatma, “grande alma” — compreendeu e praticava admiravelmente essa matemática espiritual do Evan­gelho do Cristo, dando à não-resistência o nome sânscrito de ahimsa e à política benevolência para com o ofensor o nome de satyagraha (apego à verdade), ou seja amor, justiça cósmica.


Naturalmente, para que alguém possa praticar essa não-violência e essa benevolência, tem de passar por uma profunda experiência mística sobre a sua verdadeira natureza, e não se identificar com seu ego físico-mental-emocional.

Huberto Rohden, no livro, Sermão da Montanha.

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