Nós
brasileiros precisamos ter a consciência da gravidade do momento
político, social, econômico e moral que vivemos nos últimos meses. No
difícil ano de 2016, o País viu-se diante de projetos e decisões
congressuais – alguns já implementados – que claramente trarão em curto e
médio prazo consequências graves para os trabalhadores e os pobres. O
rotundo silêncio do presente contrasta, inexplicavelmente, com o rotundo
barulho do ontem.
A conscientização e mobilização contra a chamada PEC 241 na Câmara
Federal e PEC 55 no Senado, que mereceu nossa atenção e apoio, não
lograram resultado. Como compreender a lógica do corte no social e na
educação e ao mesmo tempo o aumento nos ministérios, nos salários de
algumas categorias já bem enriquecidas em relação à grande massa de
assalariados e desempregados no País? Assuntos outros como a polêmica
reforma do ensino médio, a redução da maioridade penal, a reforma da
Previdência Social, a transferência da responsabilidade pela demarcação
das terras indígenas do poder Executivo para o Legislativo, como a
inapetência do Estado frente ao contínuo agravamento das condições
devida das populações indígenas, as mudanças no estatuto do
desarmamento, as alterações em leis trabalhistas, o preenchimento de
inúmeros cargos importantes com políticos, empresários e juristas sob
suspeita ou em adiantado processo de investigação, apontam,
infelizmente, para sérios retrocessos em diversas conquistas que
resultaram da mobilização de milhões de brasileiros desde tempos nem tão
recentes, como o da Constituinte, por exemplo.
É inegável que são propostas que, a despeito das fartas justificativas e
explicações de natureza econômica e financeira, significarão ainda mais
riscos, perdas e sacrifício para os pobres. Mas não apenas estes.
Famílias da chamada classe média veem rapidamente diminuir seu poder de
compra, tendo que adiar sonhos como o de possuir o imóvel próprio,
aumentar a família, formar os filhos na universidade ou que seja viajar e
descansar da rotina de trabalho, cada vez mais massacrante e, com a
pretendida reforma da Previdência, com perspectivas muito longínquas de
aposentadoria. A mortalidade precoce ronda cada vez mais as micro e
pequenas empresas, que mal conseguem pagar os salários de seus poucos
funcionários.
Mas a reação governamental a isso tem sido, por um lado, a defesa dos
interesses do grande capital e, por outro, a exigência de sacrifícios
dos mais pobres e a agudização das condições de sobrevivência da
microeconomia e da própria economia doméstica. Mais do que poupado, o
sistema financeiro é novamente privilegiado. Como no mundo todo, os
bancos vão bem melhor que o País. Aliás, difícil lembrar no Brasil algum
momento em que banqueiros tenham reclamado de decisões econômicas. A
mais terrível síndrome brasileira da “Casa Grande & Senzala”
arraigada no modus operandis, faciendi e vivendi sociopolítico,
governamental, empresarial e, assombremo-nos todos, também do
judiciário.
Se a economia é que, em geral, mais impacta as pessoas, não devemos nos
distrair em relação aos outros setores da vida social. Um fenômeno que
parece, ao mesmo tempo, se dar também em vários países do mundo, o
Brasil testemunha neste momento uma triste desaceleração e recuo em
iniciativas de resgate da dignidade popular. Somada à crise econômica
que, como sempre, atinge de modo mais draconiano e covarde os
empobrecidos, observamos, claramente, no País, na política e nos
direitos sociais, uma guinada conservadora e neoliberal.
Importantes conquistas em termos dos dispositivos e dinâmicas de
participação democráticas nas políticas públicas e diretamente nos
governos dos municípios e estados via associações de bairros, de
categorias profissionais, grupos sociais e redes de apoio comunitário
vão se fragilizando e desmaterializando. É lamentável observar como a
cidadania no Brasil, mantida historicamente em situação anêmica e
emudecida, volta a ser constrangida, na exata hora em que reanimava-se e
reunia forças para erguer a cabeça e caminhar.
Pode-se mencionar aqui as paradoxais medidas de imputar penalmente os
adolescentes – pessoa adulta em formação – e permitir que os
recém-adultos possam portar armas de fogo, o que certamente não
significará a diminuição ou maior controle da violência. Pelo contrário,
tudo sugere que aumentará a verdadeira guerra civil que, anualmente,
dizima dezenas de milhares de brasileiros em mortes por arma de fogo,
especialmente os mais jovens e negros, muitos pelas forças que deviam
proteger a população. Tragédia sobre a qual a sociedade simplesmente
silencia.
Assim como também a mídia e a maior parte da sociedade não se pronunciam
sobre o gravíssimo momento enfrentado pelas populações indígenas
brasileiras. Nesses quase 30 anos de vigência da Constituição, que
estabeleceu avanços importantes de proteção aos direitos indígenas e das
populações tradicionais, essas comunidades talvez estejam enfrentando
hoje os riscos mais graves do que em qualquer outro momento desde o
início da vigência da atual Carta Magna. É a conclusão de um relatório
apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas. O relatório chama a atenção para um aspecto que parece bem
sintomático do Brasil atual, em que o Estado insiste em viver divorciado
da sociedade civil. O País dispõe de uma série de disposições
constitucionais exemplares em relação aos povos indígenas, mas não as
aplica e o que se percebe é a deterioração intensa das condições de vida
desses povos.
Nenhuma nação pode realizar-se em meio a tanta desigualdade. É papel
precípuo da Universidade não só expressar sua solidariedade às massas de
pobres, trabalhadores empregados ou não, homens e mulheres de boa
vontade e de todas as idades, como também contribuir para a formação da
consciência crítica, cidadã, ecológica integral, progressista, ética,
arejada, humanizada, inclusiva, justa e livre.
Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte
Reitor da PUC Minas
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte
Reitor da PUC Minas
Publicado originalmente em Arquidiocesebh.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Brilhe a Vossa Luz!!!