O destino da Humanidade está ligado à organização do Universo, como o do
habitante o está à sua habitação. Na ignorância desta organização, o
homem deve ter tido ideias, sobre o seu passado e o seu futuro, em
relação ao estado de seus conhecimentos. Se ele tivesse sempre conhecido
a estrutura da Terra, jamais teria pensado em colocar o inferno em suas
entranhas; se tivesse conhecido o infinito do espaço e a multidão de
mundos que aí se movem, não teria localizado o céu acima do céu das estrelas; não
teria feito da Terra o ponto central do Universo, a única habitação dos
seres vivos; não teria condenado a crença nos antípodas como uma
heresia; se tivesse conhecido a Geologia, jamais teria acreditado na
formação da Terra em seis dias e em sua existência há seis mil anos.
A ideia mesquinha que o homem fazia da Criação devia dar-lhe uma ideia
mesquinha da divindade. Ele não pôde compreender a grandeza, o poder, a
sabedoria infinitas do Criador senão quando seu pensamento pôde abarcar
a imensidade do Universo e a sabedoria das leis que o regem, como se
julga o gênio de um mecânico pelo conjunto, harmonia e precisão de um
mecanismo, e não à vista de uma simples engrenagem. Só então as ideias
puderam crescer e elevar-se acima de seu limitado horizonte. Em todos os
tempos suas ideias religiosas foram calcadas na ideia que ele fazia de
Deus e de sua obra. O erro de suas crenças sobre a origem e o destino da
Humanidade tinha como causa sua ignorância das verdadeiras leis da
Natureza. Se, desde a origem, ele tivesse conhecido essas leis, seus
dogmas teriam sido completamente outros.
Como um dos primeiros
a revelar as leis do mecanismo do Universo, não por hipóteses, mas por
uma demonstração irrecusável, Galileu abriu o caminho a novos
progressos. Por isto mesmo, ele devia produzir uma revolução nas
crenças, destruindo os andaimes dos sistemas científicos errados sobre
os quais elas se apoiavam.
A cada um a sua missão. Nem Moisés,
nem o Cristo tinham a de ensinar aos homens as leis da Ciência. O
conhecimento dessas leis devia ser resultado do trabalho e das pesquisas do homem, da atividade e do desenvolvimento de seu próprio espírito, e não de uma revelação a priori, que
lhe tivesse dado o saber sem esforço. Eles não deviam nem podiam lhe
ter falado senão uma linguagem apropriada ao seu estado intelectual,
pois do contrário não teriam sido compreendidos. Moisés e o Cristo
tiveram sua função moralizadora. A gênios de outra ordem são deferidas
as missões científicas. Ora, como as leis morais e as leis da Ciência
são leis divinas, a Religião e a Filosofia não podem ser verdadeiras
senão pela aliança dessas leis.
O Espiritismo é baseado na
existência do princípio espiritual, como elemento constitutivo do
Universo. Ele repousa sobre a universalidade e a perpetuidade dos seres
inteligentes, sobre seu progresso indefinido através dos mundos e das
gerações; sobre a pluralidade das existências corporais necessárias ao
seu progresso individual; sobre sua cooperação relativa, como encarnados
e desencarnados, na obra geral, na medida do progresso realizado; na
solidariedade que une todos os seres de um mesmo mundo e dos mundos
entre si. Nesse vasto conjunto, encarnados e desencarnados, cada um tem a
sua missão, o seu papel, deveres a cumprir, desde o mais ínfimo até os
anjos, que não são senão Espíritos humanos chegados ao estado de
Espíritos puros, aos quais são confiadas as grandes missões, o governo
dos mundos, como a generais experimentados. Em vez das solidões desertas
do espaço sem limites, por toda parte a vida e a atividade, em parte
alguma a ociosidade inútil; por toda parte o emprego dos conhecimentos
adquiridos; por toda parte o desejo de continuar progredindo e de
aumentar a soma de felicidades, pelo emprego útil das faculdades da
inteligência. Em vez de uma existência efêmera e única, passada num
cantinho da Terra, que decide para sempre sua sorte futura, que impõe
limites ao progresso e torna estéril, para o futuro, o trabalho que ele
toma para se instruir, o homem tem por domínio o Universo; nada do que
ele sabe e do que faz fica perdido; o futuro lhe pertence; em vez do
isolamento egoísta, a solidariedade universal; em vez do nada, segundo
uns, a vida eterna; em vez da beatitude contemplativa perpétua, segundo
outros, que a tornaria uma inutilidade perpétua, um papel ativo,
proporcional ao mérito adquirido; em vez de castigos irremissíveis por
faltas temporárias, a posição que cada um constrói para si, por sua
perseverança no bem ou no mal; em vez de uma mancha original que o torna
passível de faltas que não foram por ele cometidas, a consequência
natural de suas próprias imperfeições nativas; em vez das chamas do
inferno, a obrigação de reparar o mal que se fez e recomeçar o que se
fez mal; em vez de um Deus colérico e vingativo, um Deus justo e bom,
que leva em conta todo arrependimento e toda boa vontade.
Tal
é, em resumo, o quadro que o Espiritismo apresenta, e que ressalta da
própria situação dos Espíritos que se manifestam. Não é mais uma simples
teoria, mas um resultado da observação. O homem que encara as coisas
deste ponto de vista sente-se crescer; ele se revela aos seus próprios
olhos; é estimulado em seus instintos progressivos ao ver um objetivo
para os seus trabalhos, para os seus esforços por se melhorar.
Mas para compreender o Espiritismo em sua essência, na imensidade das
coisas que ele abarca; para compreender o objetivo da vida e o destino
do homem, não era preciso relegar a Humanidade para um pequeno globo,
limitar a existência a alguns anos, apequenar o Criador e a criatura;
para que o homem pudesse fazer uma ideia justa de seu papel no Universo,
era preciso que ele compreendesse, pela pluralidade dos mundos, o campo
aberto às suas explorações futuras e à atividade de seu espírito; para
recuar indefinidamente os limites da Criação, para destruir os
preconceitos sobre os lugares especiais de recompensa e de punição,
sobre os diferentes estágios dos céus, era preciso que ele penetrasse as
profundezas do espaço; que em lugar do cristalino e do empíreo, ele aí
visse circular, em majestosa e perpétua harmonia, os mundos inumeráveis,
semelhantes ao seu; que por toda parte seu pensamento encontrasse a
criatura inteligente.
A história da Terra se liga à da
Humanidade. Para que o homem pudesse desfazer-se de suas mesquinhas e
falsas opiniões sobre a época, a duração e o modo de criação do nosso
globo, de suas crenças lendárias sobre o dilúvio e sua própria origem;
para que consentisse em desalojar do seio da Terra o inferno e o império
de Satã, era preciso que pudesse ler nas camadas geológicas a história
de sua formação e de suas revoluções físicas.
A Astronomia e a
Geologia, secundadas pelas descobertas da Física e da Química, apoiadas
nas leis da Mecânica, são as duas poderosas alavancas que derrubaram
seus preconceitos sobre sua origem e seu destino.
A matéria e o
espírito são os dois princípios constitutivos do Universo, mas o
conhecimento das leis que regem a matéria devia preceder o das leis que
regem o elemento espiritual; só as primeiras poderiam combater
vitoriosamente os preconceitos, pela evidência dos fatos. O Espiritismo,
que tem como objetivo especial o conhecimento do elemento espiritual,
devia vir em segundo lugar; para que pudesse ser compreendido em seu
conjunto, era preciso que ele encontrasse o terreno preparado, o campo
do espírito humano varrido dos preconceitos e das ideias falsas, senão
na totalidade, ao menos em grande parte, sem o que não teríamos tido
senão um Espiritismo amesquinhado, bastardo, incompleto e misturado a
crenças e práticas absurdas, como é ainda hoje nos povos atrasados. Se
considerarmos a situação moral atual das nações adiantadas,
reconheceremos que ele veio em tempo oportuno, para encher os vazios que
se fazem nas crenças.
Galileu abriu o caminho. Rasgando o véu
que ocultava o infinito, ele alargou o domínio da inteligência e
desferiu um golpe fatal nas crenças errôneas; destruiu mais ideias
falsas e superstições do que todas as filosofias, porque as sapou pela
base, mostrando a realidade. O Espiritismo deve colocá-lo na categoria
dos grandes gênios que abriram o caminho, derrubando as barreiras que a
ignorância lhe opunha. As perseguições de que foi vítima, e que são o
quinhão de quem quer que ataque os preconceitos e as ideias herdadas,
fizeram-no grande aos olhos da posterioridade, ao mesmo tempo que
rebaixaram os perseguidores. Quem é hoje o maior: eles ou ele?
Allan Kardec na Revista Espírita - Jornal de estudos
psicológicos de abril de 1867.
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