Quando nos prontificamos a entender a Doutrina dos Espíritos em seus aspectos científicos, filosóficos e religiosos, somos impelidos muitas vezes por buscas de respostas para nossos vazios existenciais e outras vezes por dores físicas e morais. Normalmente, estamos infelizes, insatisfeitos, preocupados com o que somos, com o que poderíamos ter sido e com o que poderemos ser no futuro.
Por sua ampla abrangência, comunicando com variados campos do
conhecimento, e alicerçada na caridade, a Doutrina nos consola as dores físicas
e morais, ampliando nosso horizonte com valores como a lei de causa e efeito, a
reencarnação, a sobrevivência dos espíritos após a morte dentre outros
princípios e nos esclarece – fortalecendo – revelando nossa condição de
Espíritos, de que evoluímos diariamente, da influência dos espíritos em nossa
vida, etc.
Apresentando-nos Jesus como guia e modelo (O Livro dos
Espíritos, questão 625), a doutrina nos convida a revivermos o aprendizado
evangélico, nos valendo de um novo olhar, mais racional, porém não menos
emotivo ou sentimental. Revisitar o evangelho avaliando os enunciados
fundamentando o entendimento nos princípios esposados pela codificação de Allan
Kardec, nos faz observar que a fé é dinâmica, aprendida, absorvida,
experienciada e depois vivenciada através da aplicação contínua em nossas vidas,
nos suas mais variadas dimensões: biológicas, psicológicas, sociológicas e
espirituais.
Passamos a gostar do que não gostávamos nos ensinamentos e em
outros casos passamos a não gostar mais daquilo com o qual nos deleitávamos.
Muda-se nosso padrão de sintonia mental e com ele modificações significativas
ocorrem quando tornamos a refletir sobre determinados assuntos, validando-os
com nossa conduta e ações. Nosso comportamento ainda que influenciado por
valores externos, passa a se valer mais do que pensamos, do que queremos, do
que verdadeiramente somos.
Dentre as lições ensinadas por Jesus, as mensagens e
ensinamentos exemplificados, podemos extrair para nós modelos de revitalização,
de esperança, de fé, caridade, tolerância, entendimento, amor etc.
Uma passagem
que sempre me marcou e que brinco dizendo que se tivesse que tatuar algo no meu
corpo tatuaria essa frase, é a que está contida no
Evangelho de João, capítulo
14, versículos 1, 2 e 3:
- "Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se {não fosse assim} não teria dito que vou preparar um lugar para vós. E se eu for e preparar um lugar para vós, venho novamente, e vos tomarei para mim mesmo, a fim de que onde eu estiver, vós estejais também”. (Novo testamento – tradução de Haroldo Dutra Dias, editado pelo CEI)
Se buscarmos imaginar o momento em que Jesus disse isso,
podemos enxergar o desânimo, o desalento, e até mesmo o desespero dos
discípulos que vislumbravam momentos de dificuldades após a anunciada partida
do Mestre, junto ao qual se sentiam seguros. Evidentemente, que depois de
tantos ensinamentos que Jesus praticara algumas questões deviam já ser
assimiladas por eles, mas as sintonias inteligíveis e emocionais não os
permitiam enxergar além.
Somente após a morte e consequente ressurreição do
Mestre, que retorna para novos aprendizados antes da ascensão por completo, é
que muito era revivido e que alguns ensinamentos começaram a fazer sentido. No
caso do Evangelho de João é facilmente percebido isso se somarmos ao estudo do
mesmo o fato de que foi escrito quando João já se encontra mais velho, depois
de muito viver, e que as ideias amadureceram com esses passar de anos.
A mensagem é de uma força de esperança devastadora. Jesus, o
Espírito mais próximo da perfeição que temos condição de entender, nos assinala
que não devemos nos preocupar, pois o Pai tem muitas moradas, capazes de
abrigar a todos, e que ele, o próprio Jesus é o que nos auxiliará na travessia
para ocuparmos nosso lugar junto ao Pai. Mas para esse entendimento é
necessário crer no Pai e no próprio Cristo.
Essa crença no Pai porém, durante
muitos anos de nosso processo evolutivo, e ainda hoje, é uma crença dogmática,
em um Deus que exige aceitação para se fazer presente, que castiga os que com
ele não afinizam, que escolhe filhos em detrimento de outros. Crer em um Deus
assim torna a mensagem de esperança em mensagem de apreensão, pois extraímos
que só ocuparemos a morada do Pai se nele crermos.
Durante longo tempo acreditamos que a Terra era o centro do
universo e que tudo girava em torno dela. Acima, no céu, ficaria o lugar
perfeito, o paraíso e abaixo dela o lugar dos imperfeitos, dos pecadores como
gostam alguns, o inferno. Dentro dessa sistemática vivemos muitos anos com medo
do inferno e sem entendermos o que nos era necessário para irmos ao céu. Por
isso fomos vilipendiados por aqueles que às vezes por maledicência, ás vezes
por ignorância, nos mostravam regras para essa demanda que nos obrigavam a uma
vida de verdadeiro pavor. Pensar em algo diferente do estabelecido pelas
classes dominantes, entre elas o clero, já era condição de irmos para o
inferno.
Por causa disso e muitas outras coisas, a mensagem de esperança
se perdeu no caminho, mas após o advento do Espiritismo reaparece com a essência
divina, que retrata a esperança de todos nós.
No Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo III, intitulado “HÁ
MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI”, Kardec nos apresenta com comentários
próprios e auxílio de outros Espíritos, dentre eles Santo Agostinho, uma
perspectiva que renova o entendimento esperançoso da assertiva ao nos mostrar
que a Terra é apenas mais um lugar, e isso ao contrário de nos desmerecer como
pensam algum, nos fortalece pois demonstra que não estamos sozinhos, que esse
momento vai passar, que há outros lugares melhores para se viver e que para se
transferir para lá não é necessário a complacência ou autorização de ninguém,
que essa transferência passa por nossa capacitação para tal.
Somos os responsáveis
por onde queremos estar no futuro. Não é maravilhoso?
Aproveitemo-nos desses ensinamentos para podermos fortalecer
nosso "hoje" com vistas ao um futuro melhor pessoal e coletivamente.
Kardec, dividiu assim o capítulo, que depois vamos destacar individualmente:
- Diferentes estados da alma na erraticidade;
- Diferentes categorias de mundos habitados;
- Destinação da Terra. Causa das misérias humanas;
- Instruções dos Espíritos
- Mundos inferiores e mundos superiores;
- Mundo de expiações e de provas
- Mundos regeneradores
- Progressão dos mundos
DIFERENTES
ESTADOS DA ALMA NA ERRATICIDADE
Kardec destaca no início do texto que “A casa do Pai é o Universo: as diferentes moradas são os mundos que
circulam no espaço infinito, e oferecem, aos Espíritos encarnados, moradas
apropriadas ao seu adiantamento”. Lembra Kardec que na erraticidade (estado
dos Espíritos errantes, isto é, não encarnados, durante o intervalo de suas existências
corpóreas) “enquanto que uns não podem se
distanciar da esfera em que viveram, outros se elevam e percorrem o espaço e os
mundos (...)”. Isso nos mostra que para onde vamos depende de nossas
condições morais. Assim sendo podemos ir a todos os lugares que quisermos,
porém é necessário que nos capacitemos para tal. Estar desencarnado não é
condição para liberdade. A liberdade é uma conquista, realizada à custa de
esforço e de nossa capacidade de discernimento, como nos ensinou Paulo – todas as
coisas nos são lícitas, mas nem todas, nos convém (I Cor 6-12). O que acontece
na erraticidade, próximo á crosta terrestre nos é apresentado com muita
propriedade pelo Espírito André Luiz, através da psicografia de Francisco
Cândido Xavier e Waldo Vieira na coleção de livros editada pela FEB e
intitulada: A vida no mundo espiritual. O que nos espera é trabalho, esforço,
aprimoramento, auxílio aos irmãos necessitados, não muito diferente do que
necessitamos hoje. Sinal de que podemos já iniciar uma nova maneira de viver,
que não terá fim com a morte física.
DIFERENTES
CATEGORIAS DE MUNDOS HABITADOS
No item 4, abrigado sobre esse subtítulo, Kardec ressalta e
informa: “Embora não possa ser feita, dos
diversos mundos, uma classificação absoluta, pode-se, todavia, em razão de seu
estado e de sua destinação, e baseando-se nas diferenças mais acentuadas,
dividi-los de uma modo geral, como se segue: os mundos primitivos, destinados
às primeiras encarnações da alma humana; os mundos de expiação e de provas,
onde o mal domina; os mundos regeneradores, onde as almas que ainda têm o que
expiar haurem novas forças, repousando das fadigas da luta; os mundos felizes,
onde o bem se sobrepõe ao mal; os mundos celestes ou divinos, morada dos
Espíritos depurados, onde o bem reina inteiramente. A Terra pertence à
categoria dos mundos de expiação e de provas, e é por isso que o homem nela é alvo
de tantas misérias”. Sendo assim podemos entender que: na Terra estaremos
vivenciando situações que estarão, de forma incontestável, nos servido de
expiação ou de prova; na Terra havendo a predominância do mal se formos o
contrário dessa corrente estaremos nos capacitando para mudarmos de mundo. Para
isso é necessário que entendamos que expiar algo não á apenas pagar por ele, mas
eliminá-lo de nossa vida, e que nossa missão é diminuirmos cada vez mais nossas
expiações e aumentarmos nossas provas, pois expiação é uma relação minha com o
que fui e prova é uma relação com o que serei. Expiação é uma relação com o
mundo de onde venho e estou e prova é aspiração de um mundo que quero estar.
DESTINAÇÃO
DA TERRA. CAUSA DAS MISÉRIAS HUMANAS
Há entre nós, muitos que consideram ser a raça humana, e, por
conseguinte, a humanidade uma perdição para a Terra. Valem de análises
superficiais tomando muitas vezes, por exemplo, as exceções, desconsiderando o
todo. Evidentemente, que após a explanação sobre a pluralidade dos mundos,
entender a destinação da Terra passa a ser de mais fácil aceitação. Temos
dificuldades, misérias, violências geradas sempre pelo que acreditamos, pois
desconsideramos o que somos em detrimento de como estamos. Para Kardec “(...) da mesma forma que, numa cidade, toda
a população não está nos hospitais ou nas prisões, toda a humanidade não está
sobre a Terra; como se sai do hospital quando se está curado, e da prisão
quando se cumpre o tempo, o homem deixa a Terra por mundos mais felizes, quando
está curado das suas enfermidades morais”. Buscar novos ares depende de
cada um de nós, inicialmente pessoalmente e depois coletivamente. A Terra é
neste momento o resultado do que fazemos, e por isso podemos modificar as
coisas, pois se somos capazes de destruir, somos ainda mais capazes de
construir.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS – MUNDOS INFERIORES E MUNDOS SUPERIORES
Os itens 8, 9, 10, 11 e 12 desse subtítulo explicando os
mundos inferiores e superiores foram realizados segundo Kardec, pelo colegiado
dos Espíritos Superiores não tendo uma assinatura personalista. Destacamos
algumas anotações importantes, mas lembramos que a leitura total favorecerá
ainda mais o entendimento sobre as diferenciações necessárias para nossa
evolução. Deus é soberanamente justo e bom e se estamos na Terra nesse momento
é porque o merecemos.
- A qualificação de mundos inferiores e de mundos superiores é antes relativa do que absoluta (...);
- Tomando a Terra como ponto de comparação, pode-se ter uma ideia do estado de um mundo inferior (...) nos mais atrasados, os seres que os habitam são, de alguma sorte, rudimentares (...) só a força bruta faz a lei. Sem indústria, sem invenções, despendem a vida na conquista da sua nutrição (...) Deus não abandona nenhuma das suas criaturas; no fundo das trevas da inteligência, jaz, latente, a vaga intuição de um Ser Supremo (...) nos Espíritos Puros, desmaterializados e resplandecentes de glória, se tem dificuldade em reconhecer aqueles que animaram esses seres primitivos, da mesma forma que, no homem adulto, se tem dificuldade em reconhecer o embrião;
- Nos mundos que atingiram um grau superior, as condições da vida moral e material são bem outras que as de sobre a Terra (...) O corpo nada tem da materialidade terrestre, e não está, por conseguinte, sujeito nem às necessidades, nem às doenças, nem às deteriorações (...) a pouca resistência que a matéria oferece aos Espíritos já muito avançados, torna o desenvolvimento dos corpos mais rápido e a infância curta ou quase nula, a vida isenta de inquietações e angústias (...);
- Nesses mundos felizes (...) só a superioridade moral e inteligente estabelece a diferença das condições e dá a supremacia. À autoridade é sempre respeitada, porque não é dada senão à quem tem mérito, e se exerce sempre com justiça. O homem não procura se levar acima do homem, mas acima de si mesmo, aperfeiçoando-se (...);
- Em vosso mundo, tendes a necessidade do mal par sentir o bem, da noite para admirar a luz, da doença para apreciar a saúde, nos mundos superiores esses contrastes não são necessários (...) à medida que se eleva e se depura, o horizonte se ilumina, e ele {o homem} compreende o bem que tem adiante de si, como compreendeu o mal que ficou atrás de si (...)
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS – MUNDOS DE EXPIAÇÕES E DE PROVAS
Em mensagem atribuída ao Espírito de Santo Agostinho podemos
extrair entendimentos para nossa encarnação na Terra. Aqui estamos pois “A Terra fornece um dos tipos de mundos
expiatórios, cujas variedades são infinitas, mas que têm por caráter comum
servir de lugar de exílio aos Espíritos rebeldes à lei de Deus. Aí esses
Espíritos têm de lutar, ao mesmo tempo, contra a perversidade dos homens e
contra a inclemência da Natureza, duplo e penoso trabalho que desenvolve, a uma
só vez, as qualidades do coração e as da inteligência. É assim que Deus, em sua
bondade, faz reverter o próprio castigo em proveito do progresso do Espírito”.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS – MUNDOS REGENERADORES
Segundo o Espírito Santo Agostinho, “os mundos regeneradores servem de transição entre os mundos de
expiação e os mundos felizes; a alma que se arrepende, neles encontra calma e o
repouso, acabando de se depurar (...)” e acrescenta que “(...) uma perfeita equidade regula as
relações sociais; todos se revelando a Deus e tentando ir a ele, seguindo suas
leis.” O mundo de regeneração ainda é um meio termo, ainda não é o lugar
ideal, mas em se comparando com o mundo de expiação e prova é muito, mas muito
mais feliz. Porém é preciso se atentar ao que nos escreve o Espírito de Santo
Agostinho: “(...) {no mundo de
regeneração} o homem ainda é falível, e o Espírito do mal não perdeu, ali,
completamente seu império. Não avançar é recuar, e se não está firme no caminho
do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação, onde o esperam novas e mais
terríveis provas”.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS – PROGRESSÃO DOS MUNDOS
O Espírito de Santo Agostinho nos instrui nesse item,
ensinando que “(...) Deus quer que tudo
engrandeça e prospere”. Afinal de contas o progresso é lei divina e
natural, e por isso “ao mesmo tempo que os
seres vivos progridem moralmente, os mundos que eles habitam progridem
materialmente (...) assim caminham paralelamente o progresso do homem, o dos
animais seus auxiliares, dos vegetais e da habitação, porque nada é
estacionário na Natureza (...) Ela {a Terra} atingiu um dos seus períodos de
transformação, em que, de mundo expiatório, tornar-se à mundo regenerador,
então os homens serão felizes, porque a lei de Deus nela reinará”.
Finalizamos nossa preparação para palestra que faremos
realizar sobre o tema, multiplicando fragmentos de texto produzido por Divaldo
Pereira Franco, através do Espírito Joanna de Ângelis, intitulado “DIVERSIDADE
DE MORADAS”, inserido no livro: Jesus e o Evangelho – À luz da psicologia
profunda -, editado pela Livraria Espírita Alvorada Editora, páginas 33 a 38:
- Quanto mais primitivo o princípio espiritual, mais grosseiro é o mundo em que deve habitar, a fim de experimentar o desabrochar dos conteúdos psíquicos nele jacentes, que se vão desenvolvendo conforme os fatores mesológicos e circunstanciais, guiado pelo fatalismo da evolução que nele existe, ascendendo na escala da evolução e transferindo-se de um para outro conforme a necessidade do seu progresso que jamais se encontra estanque;
- O bem e o mal – essa dualidade luz e sombra – em que se debate o Espírito humano, representam o futuro e o passado de cada ser humano no trânsito evolutivo. O primeiro à luz da psicologia profunda, é o auto-encontro, a liberação do lado escuro plenificado pelo conhecimento da verdade, enquanto o outro são as fixações do transito pelos instintos primários, que ainda vicejam nos sentimentos e na conduta aguardando superação;
- Examinando-se o planeta terrestre onde se debatem as forças do bem e do mal, constatamos ser ele uma escola de provas e de depurações cujas lições de aprimoramento ocorrem mediante o império do sofrimento, mas que podem converter-se ao impositivo do amor em conquistas permanentes, felicitadoras;
- Na razão direta em que o Self predomina sobre o ego, e as lições de Jesus são essenciais a essa mudança, a essa superação de paixões, menos materializado se torna o Espírito, que aprende a aspirar a mais altas especulações e conquistas ambicionando o infinito.
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