Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

OS TESOUROS

"Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os consomem e onde os ladrões penetram e roubam, mas ajuntai para vós tesouros no céu onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam, porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. A lâmpada do corpo são os olhos; se pois estes forem sãos, todo o teu corpo será luminoso mas se teus olhos forem doentes, todo o teu corpo será tenebroso. Se, pois, a luz que há em ti são trevas, quão grandes são essas trevas! Ninguém pode servir a dois senhores, pois ou há de aborrecer a um e amar o outro, ou há de unir-se a um e desprezar o outro: não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus 6, 19-24)

"Não temas pequeno rebanho, porque é do agrado de vosso Pai dar-vos o reino. Vendei o que possuis, e dai esmolas; fazei para vós bolsas que não envelheçam, um tesouro inexaurível nos céus, onde o ladrão não chega e a traça não rói, porque onde está vosso tesouro, também estará vosso coração". (Lucas 12, 32-34)


Neste trecho, recomenda-nos Jesus o desprendimento ou desapego das riquezas. Que valem elas aqui, no planeta, onde podem ser perdidas por ação das traças, da ferrugem ou dos ladrões? Aconselha-nos antes a ajuntar tesouros espirituais de conhecimento e obras meritórias, que jamais se perdem. Tapetes no chão ou nas paredes roupas caras nos armários, jarros de louça e aparelhos de cristal, quadros célebres, adegas de vinho e despensas com largas provisões, dinheiro nos bancos e jóias nas caixas-fortes, tudo isso, além de perecível, deve ser aqui deixado quando abandonarmos o corpo físico. Mas o que, é conquista do Espírito, isso acompanha-nos para além do mundo da matéria, e jamais o perdemos.

A fórmula axiomática "onde está teu tesouro, aí estará teu coração” esclarece a razão de todo o ensinamento. O essencial não é NÃO TER, e sim NÃO APEGAR-SE, não prender o pensamento (cuja sede reside no coração) a essas coisas externas e transitórias.

Depois aparece um ensinamento em forma de comparação. Na realidade, só conseguimos ter luz se os olhos forem sadios. Então parece, e nos vemos, todos luminosos, pois distinguimos os objetos, suas formas e cores. Mas se os olhos adoecerem, isto é, cegarem, todo o corpo parece nadar em densas trevas, que custamos a romper, tateando com as mãos à frente. E termina com um enigma: "se a luz que há em ti são trevas, quão grandes são essas trevas" . Como pode a luz ser trevas?


As frases referem-se ao ensinamento anterior e o comentam, deixando-se ao leitor a tarefa de compreendê-las. Realmente, o coração (o pensamento) pode apegar-se a riquezas materiais ou aos bens espirituais, tal como ocorre com os olhos, cujo primordial papel é servir de lâmpada para o corpo. Se os olhos forem sadios (haplõus), isto é, sem defeito, simples, sem crostas e "sem apegos" nem cobiças, então sua tarefa de iluminar desenvolve-se perfeitamente. Mas se esses olhos, que "são a luz do corpo" começam a criar agregações externas (quase películas de catarata), pela ambição e cobiça, eles começam a ficar velados e, portanto, doentes ou maus (ponêrós) e então enxergam tudo torto, as perspectivas ficam distorcidas e falsas. Daí compreender-se que o olho "mau" ou doente prejudica todo o ser.

Essa interpretação leva-nos um passo adiante: é pelos olhos que nasce, geralmente, o sentimento baixo e indigno da inveja, que lança raios mortíferos sobre as coisas e sobre as criaturas que as possuem. Essa má qualidade envenena o espírito de quem a sente, e sobretudo de quem a alimenta; e os fluídos lançados pelos olhos ("mau olhado") fazem definhar tudo o que foi atingido; mas, em primeiro lugar, faz definhar a própria criatura que os lançou, porque, antes de atingir a aura dos outros os fluídos atingem a própria aura da pessoa que os lança.

E Jesus termina declarando peremptoriamente que "ninguém pode servir a dois senhores": a Deus, dedicando-se ao espiritualismo, e às riquezas.

A palavra usada, e bastante conhecida, mamon (grego mamônas, proveniente do aramaico mamônâ) pertence ao hebraico mais recente do Eclesiástico (31:8) e do Talmud. Deriva do verbo âman, que significa "confiar” ou "depositar" (cfr. Dalman, Gramática, pág. 170, na nota).

Realmente, o espiritualismo olha as posses como ilusões transitórias, ao passo que o materialismo as considera como as únicas realidades objetivas e palpáveis. Então, não há conciliação possível entre os dois: ou a criatura se apega a um, ou ao outro, pois os dois pólos se repelem mutuamente. O que não impede que o espiritualista conserve seus bens materiais e os administre, desde que os considere como são de fato: empréstimos temporários que lhe foram confiados para gerir, mas sem que seu coração se lhes apegue.

Em Lucas aparecem dois conceitos novos: um, assegurando ao "pequeno rebanho" - frase de grande poesia e de profundo carinho - que o Pai tem prazer, e até quer de boa-vontade (eudókêsen, de eu, "bem" e déchomai, "querer") dar-lhes o "reino dos céus", ou seja, o Encontro Consigo.

Temos, então, o conselho de vender o que possuímos (tà hupárchonta, de hupárchô, "existo", "sou") e dar esmolas, ou fazer misericórdia, no sentido de ter tal desapego, que nos não incomodemos em desfazer nos do que é nosso, caso outros necessitem; é a generosidade e a liberalidade com tudo o que temos, inclusive com os nossos veículos inferiores, com sacrifício de nossa personalidade.

Esses conceitos de Lucas serão repisados em outros passos, fixando e determinando a doutrina de Jesus quanto ao desprendimento.

Para o Espírito, esta é uma lição preciosa. Nada de apegos ao que a personalidade transitória conquistou no planeta, depois que aqui chegou, pois tudo lhe será tirado inexoravelmente. Ou se gasta com o tempo, ou se consome pela velhice, ou nos é roubado pela "morte". Para que, então, lixar o coração em coisas que teremos que abandonar forçados, queiramos ou não? Muito melhor mantermos desde cedo desapegados, para poder ter o voo livre para as regiões etéreas. Nada pertence a ninguém: tudo nos é emprestado por tempo determinado.

Ouvimos pequena história que esclarece bem o tema. 

Certo grande fazendeiro norte-americano, após ouvir um bispo falar sobre o desapego e afirmar "nada é de ninguém", convidou-o a almoçar em sua fazenda. Antes do repasto levou-o a visitar as imensas propriedades cultivadas. Ao regressar na hora do aperitivo, indagou do bispo: 

- Agora diga-me, senhor bispo, tudo isso não é meu? Foi tudo comprado, pago e construído por mim ... Não é MEU?

O bispo calmamente bebeu mais um trago do aperitivo e disse: 

- Faça-me esta pergunta daqui a cem anos! ...

Vemos ainda uma vez, neste trecho comentado, a sabedoria profunda dos ensinamentos de Jesus, que nos trazem a REALIDADE, afastando-nos da ilusão da posse. Tudo o que é de personalidade - inclusive a própria personalidade de que tanto nos envaidecemos - é passageiro, é tudo ilusão (mayá), é tudo perecível.

Cabe então ao Espírito desprender-se de tudo. Precisa viver no mundo REAL, embora entre riquezas terrenas, mas como se as não possuísse, como se DE FATO fossem um empréstimo que ele tivesse por obrigação gerir cuidadosamente.

Além disso, muito cuidado com o coração: jamais coloquemos nossa felicidade em qualquer objeto (ou em qualquer pessoa!) fora de nosso EU verdadeiro, porque se assim não agirmos, seremos infelizes. Tudo o que é externo traz dor e sofrimento. Só o Verdadeiro Esposo, o Cristo, pode constituir nossa felicidade plena e permanente.

Então, os olhos, por onde o Espírito vê, enquanto permanece no corpo físico na Terra, devem estar sempre sadios, sempre SIMPLES, sem apego a coisa alguma no mundo material transitório, a fim de que não invertamos os valores - coisa tão fácil de ocorrer e tão comum no pólo negativo em que se encontram mergulhadas nossas personalidades. Uma vez que penetra pelos olhos a imagem, surge o desejo no coração, e este pode apegar-se e cobiçar o que vê, se for doentio, participando dos vícios da personalidade insaciável. Mas, se for simples e desapegado, continuará a brilhar a luz límpida do desprendimento de tudo.

Daí a conclusão: ou a personalidade se apega aos bens terrenos, prendendo a individualidade, de forma que esta não pode expandir-se; ou a individualidade penetra o Eu Crístico, não dando a menor importância às posses materiais. Por isso, na história, encontramos com frequência muita falta de equilíbrio, daqueles que só conseguiam desapegar-se espiritualmente, quando abandonavam de todo as riquezas. Maior evolução lhes faria compreender que não é disso que se trata: não é desfazer-se fisicamente, mas antes desapegar-se espiritualmente.

Então a lição é preciosa: ou servimos à individualidade (ao Deus Interno) atendendo equilibradamente às necessidades da personalidade; ou servimos à personalidade (às riquezas) com prejuízo da individualidade. Concomitantemente não podemos servir às duas. Quando nos prendemos à personalidade, nós a amamos e aborrecemos o Espírito (Deus em nós), e quando, ao contrário, nos voltamos para a individualidade (Deus) e a Ele nos unimos pelo Contato Místico, então desprezamos a personalidade (no sentido etimológico: isto é, não lhe damos "preço" ou valor).

Por Carlos Torres Pastorino, no Livro Sabedoria do Evangelho, 
volume II, páginas 128 a 130.


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