Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

EM TORNO DA VIRTUDE

Se uma criatura possui enorme fortuna, podendo desmandar-se na prodigalidade ou na avareza, e busca empregá-la no bem-estar e no progresso, na educação e no aprimoramento dos semelhantes...

Se dispõe de autoridade com recursos para manejar a própria influência em seu exclusivo proveito, e procura aplicá-la no auxílio aos outros...

Se sofre acusação indébita com elementos para justiçar-se do modo que considere mais justo, e prefere esquecer a ofensa recebida, reconhecendo-se igualmente passível de errar...

Se já efetuou, em favor de alguém, todos os serviços ao seu alcance, recolhendo invariàvelmente a incompreensão por resposta, e prossegue amparando esse alguém, através dos meios que se lhe fazem possíveis, sem exigência e sem queixa...

Essa pessoa ter-se-á colocado, evidentemente, a cavaleiro das piores tentações que lhe assediavam a vida.

Todos nós, – os espíritos em evolução e resgate nas trilhas do Universo, – recapitulamos as experiências em que tenhamos falido. Ã vista disso, todas as provações na escola terrestre assumem a feição de ensinamentos e testes indispensáveis. Há quem renasça mostrando extrema beleza, física, a fim de superar inclinações ao;desregramento carregando um cérebro privilegiado para vencer a vaidade da inteligência; detendo valiosa titulação acadêmica de modo a subjugar a propensão para o abuso; ou exercendo encargos difíceis nas causas nobres, de maneira a extinguir os impulsos de deserção ou deslealdade.

Cada qual de nós, no internato da reencarnação, é examinado nas tendências inferiores que trazemos das existências passadas, a fim de aprendermos que somente nos será possível conquistar o bem, vencendo o mal que nos procure, tantas vezes quantas necessárias, mesmo alem do débito pago ou da sombra extinta.

Fácil, pois, observar que sem a presença da tentação, a virtude não aparece e assim será sempre para que a inocência não seja uma flor estéril e para que as grandes teorias de elevação não se façam sementes frustras no campo da Humanidade.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito de Emmanuel 
no livro "Alma e Coração".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

UM IRMÃO MORTO À SUA IRMÃ VIVA


Minha irmã, tu não me evocas frequentemente; isso não me impede de vir ver-te todos os dias. Conheço teus aborrecimentos: tua vida é penosa, eu o sei, mas é preciso sofrer a sorte nem sempre alegre. Contudo, há por vezes um alívio nas penas. Por exemplo, aquele que faz o bem à custa de sua própria felicidade, pode, por si mesmo ou pelos outros, desviar o rigor de muitas provas.

Neste mundo, é raro ver-se fazer o bem com essa abnegação. Sem dúvida é difícil, mas não impossível, e os que têm essa sublime virtude são realmente os eleitos do Senhor. Se nos déssemos conta dessa pobre peregrinação na Terra, compreenderíamos isto. Mas assim não é: os homens se apegam à busca dos bens, como se devessem ficar sempre em seu exílio. Contudo, o bom-senso comum e a mais simples lógica demonstram, diariamente, que aqui não passamos de aves de arribação e que os que têm menos penas nas asas são os que chegam mais depressa.

Minha boa irmã, para que serve a esse rico todo esse luxo, todo esse supérfluo? Amanhã estará despojado de todos esses vãos ouropéis para descer ao túmulo, para onde nada levará! É verdade que fez uma linda viagem; nada lhe faltou; não sabia mais o que desejar e esgotou as delícias da vida. Também é certo que, em seu delírio, por vezes lançou, sorrindo, uma esmola nas mãos de seu irmão. Por isso terá retirado algo de sua boca? Não, porque não se privou de um só prazer, de uma só fantasia. Contudo, esse irmão é também um filho de Deus, pai de todos, a que tudo pertence. Compreendes, minha irmã, que um bom pai não deserda um de seus filhos para enriquecer o outro? Eis por que recompensará o que foi privado de sua parte nesta vida.

Assim, pois, os que se julgam deserdados, abandonados e esquecidos, alcançarão em breve a margem bendita, onde reinam a justiça e a felicidade. Mas infelizes dos que fizeram mau uso dos bens que nosso Pai lhes confiou. Infeliz, também, o homem aquinhoado com o dom precioso da inteligência, se dela abusou! Acredita-me, Maria, quando se crê em Deus, nada existe na Terra que se possa invejar, a não ser a graça de praticar suas leis.

Teu irmão Wilhelm


Texto da médium Sra Schmidt, por Allan Kardec 
publicado na Revista Espírita, em novembro de 1860.


ESPERANÇA SEMPRE

“Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se  movimenta, ao receber a ordem de comando, espalham-se sobre toda a face da Terra. Semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos.”

Eis o início do prefácio de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, pelo Espírito da Verdade. Dimensionar essa dinâmica espiritual é uma necessidade imprescindível para os dias atuais, em que o pessimismo campeia solto, inclusive entre os religiosos.

O presente momento pelo qual transita o País e a sociedade mundial requer bom ânimo, disposição e atitude no bem, com respeito e com fraternidade.

“Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.”

A busca da verdade, a implementação da justiça, do amor e da caridade entre os homens devem fazer parte do roteiro de vida de todo cidadão ético. Vê-se a atualidade do texto que resume a obra que trata essencialmente da ética e da moral dentro da Doutrina Espírita.

“As grandes vozes do céu ressoam como o toque da trombeta, e os coros dos anjos se reúnem. Homens, nós vos convidamos ao divino concerto; que vossas mãos tomem a lira, que vossas vozes se unam e, num hino sagrado, se estendam e vibrem, de um extremo do Universo ao outro.”

O convite é a cada um de nós, todos dotados de potencialidades divinas. Precisamos fazer parte deste concerto divino e universal, sem perda de tempo. Não é possível dissiparmos energias com trivialidades, com ressentimentos pretéritos, com ilusões que nos cegam.

Os tempos atuais pedem foco no que é positivo. O fato negativo serve de reflexão para não incidirmos no erro e melhor planejarmos nossos próximos passos. Somente isso.

Trabalhar com vontade, com alegria, com humildade, respeitando a todos, eis os ingredientes para fazermos parte desta equipe divina, que anseia e aguarda por nossa presença.

“Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós. Amai-vos também uns aos outros e dizei, do fundo de vosso coração, fazendo a vontade do Pai que está no Céu: “Senhor! Senhor!” e podereis entrar no Reino dos Céus.”

Com esse resumo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” resta-nos refletir sobre nosso real desejo de engrossar esse caldo, aceitando a vontade do Pai. Esperança para isso nunca deve faltar.

Por Tiago Cintra Essado, Presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil) publicado, originalmente, na Tribuna do Espiritismo,  ano 3, nº 29, fevereiro de 2016 

O LABOR ESPÍRITA E O PROBLEMA DA ESPECULAÇÃO

Em seu primeiro discurso pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux, Allan Kardec advertiu os confrades para um problema que então grassava em algumas instituições espíritas: a especulação. De início, teceu considerações acerca da especulação material, uma vez que alguns grupos estavam cobrando entrada das pessoas que assistiam às sessões.

Ademais, mencionou outro tipo de especulação, que chamou de especulação moral. É dizer: “a satisfação do orgulho, do amor próprio (sic). É o caso dos que acreditam, sem interesse pecuniário, fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se colocarem em evidência” [1] (grifos nossos)

E, atualmente, isto ocorre porque, não raras vezes, alguns de nós, lidadores espíritas, transferimos nossas ambições relativas às coisas materiais para as coisas divinas. [2] Desta forma, frequentemente imaginamos que, na tarefa que abraçamos, somos insubstituíveis, e que somente nós temos condições de executá-la. Sucede que raciocinamos como se fôssemos um corpo que possui um Espírito e não um Espírito temporariamente vestido de um corpo de carne.

Outrossim, esta perspectiva faz com que nos apeguemos a nós mesmos, inclusive aos próprios cargos. Alargando a conceituação, temos a questão 895 d’O Livro dos Espíritos, que nos auxilia na compreensão do tema em apreço: 

895. À parte os defeitos e os vícios sobre os quais ninguém se enganaria, qual é o indício da imperfeição? 

"O interesse pessoal. As qualidades morais são geralmente como a douração de um objeto de cobre, que não resiste à pedra de toque. Um homem pode possuir qualidades reais que o fazem para o mundo um homem de bem; mas essas qualidades, embora representem um progresso, não suportam em geral a certas provas e basta ferir a tecla do interesse pessoal para se descobrir o fundo. O verdadeiro desinteresse é de fato tão raro na Terra que se pode admirá-lo como a um fenômeno, quando ele se apresenta. O apego às coisas materiais é um indício notório de inferioridade, pois quanto mais o homem se apega aos bens deste mundo, menos compreende o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, ele prova que vê o futuro de um ponto de vista mais elevado". (grifos nossos)


Passemos, agora, à conceituação de desinteresse material e desinteresse moral. Kardec entendeu por desinteresse moral a abnegação, a humildade, a ausência de toda a pretensão orgulhosa, de todo o pensamento personalista colocados a serviço da doutrina. No que tange ao desinteresse material, a expressão é autoconceitual, consistente, pela obviedade, na ausência de todo desejo de retribuição pecuniária. [3] Asseverou o Codificador, noutra oportunidade, que o desinteresse material é improfícuo se não for acompanhado pelo mais completo desinteresse moral. [4] 

Em nossas atividades doutrinárias será oportuno, portanto, indagarmos a nós mesmos sobre o móvel de nossas ações. Até que ponto não estamos sendo movidos pela especulação – moral sobretudo, pois a material, nos dias de hoje, é mais rara – ou pela presunção?

Perguntemos a nossa consciência e ela nos responderá. 

Por Andres Gustavo Arruda (andres.gustavo57@hotmail.com) 
publicado na Tribuna do Espiritismo, ano 3, nº 29, fevereiro de 2016


Referências bibliográficas: 
[1] KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862, p. 48.
[2] Cf. A Coragem da Fé, pp. 4-5. 
[3] Cf. Viagem Espírita em 1862.
[4] Cf. Revista Espírita de Março de 1864.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

ALLAN KARDEC E O ESPIRITISMO, UMA RELIGIÃO BEM BRASILEIRA

Às 22:30 de 17 de setembro de 1865, apenas oito anos depois da fundação oficial do espiritismo na França, foi realizada em Salvador a primeira sessão da doutrina no Brasil, liderada por um jornalista, Luís Olímpio Teles de Menezes. No mesmo ano, surgiu o primeiro centro do país. Em pouco tempo, a visão científica, filosófica e religiosa de Allan Kardec se transformaria em uma religião tipicamente brasileira, divulgada por intelectuais nas nossas maiores cidades. Anos antes de ganhar as massas com Chico Xavier, os seguidores de Kardec já tinham uma nova capital, nos trópicos.

Atualmente, o trabalho iniciado por Kardec tem 13 milhões de seguidores no mundo. A maioria, 3,8 milhões, está no Brasil. Nossos espíritas têm os melhores indicadores socioeducacionais dentre os fiéis de todas as religiões praticadas no país – 31,5% deles têm nível superior completo, segundo o IBGE. Entre 2000 e 2010, eles saltaram de 1,3% da população para 2%. O sucesso nos cinemas é resultado da boa imagem da religião: em 2010, Chico Xavier, a biografia do médium mais famoso do século 20, alcançou 3,4 milhões de espectadores e Nosso Lar, no mesmo ano, chegou a 4 milhões.

Mas o que explica essa adesão massiva a uma doutrina que se equilibra entre a religião e a ciência no maior país católico do mundo? “O Brasil tem uma tradição de religiosidade popular muito aberta ao contato com a vida após a morte e a comunicação com espíritos. As classes média e alta não podiam contar com as religiões de origem africana ou indígena como expressões formais de sua fé. O kadercismo, com seu berço francês, satisfez essa necessidade”, afirma John Monroe, historiador e professor da Universidade de Iowa.

Mesas que rodam

Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em Lyon em 3 de outubro de 1804 e encontrou sua vocação na Suíça. O pai, o juiz católico Jean-Baptiste-Antoine Rivail, e a mãe, a dona de casa Jeanne Duhamel, enviaram o menino Hippolyte, de apenas 10 anos, para estudar no Instituto de Yverdon, no castelo de Zahringenem, fundado e mantido pelo pedagogo Johan Heinrich Pestalozzi. Na volta, instalou-se em Paris em 1820 e, quatro anos depois, começou a dar aulas. Lecionava matemática, física, química, astronomia, anatomia e francês.

O professor convivia com problemas financeiros recorrentes. A partir da década de 1830, passou a reforçar a renda escrevendo gramáticas e aritméticas – e até mesmo uma peça, chamada Uma Paixão de Salão, levada aos palcos em 1843. Também começou a usar os conhecimentos de matemática para administrar a contabilidade de pequenas companhias, como o teatro Les Folies Marigny, nos Champs-Élysées. Ali eram realizados espetáculos muito em voga em meados do século 19 – com uma mistura de magnetismo e experiências elétricas e mecânicas.

Rivail assistia a alguns desses shows com prazer. Ele acompanhava com euforia a evolução das ciências, que pareciam prontas para explicar definitivamente o funcionamento do mundo, da vida e do além. Em 1834, em um de seus artigos defendendo as aulas de ciências para crianças, ele registrou: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então, da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos-fátuos por espíritos”.


Quando as mesas rodantes ficaram famosas na França, na década de 1850, o pedagogo tinha uma explicação pronta para o fenômeno. Curioso sobre os mistérios da hipnose, do sonambulismo, do magnetismo e da eletricidade, ele dizia que os corpos reunidos geravam uma força eletromagnética extraordinariamente forte, capaz de movimentar objetos. Quando conheceu o fenômeno pessoalmente, em uma terça-feira de maio de 1855, percebeu que a explicação não era tão simples.

Foi na casa da senhora Plainemaison, na Rue Grange Batelière, número 18. Ali o professor ficou impressionado. As mensagens tinham linguagem diferente da que os médiuns usavam no dia a dia e com um grau de conhecimento da vida privada dos visitantes que não tinham como possuir. O pesquisador então elencou uma nova hipótese: a de que a realidade visível não é a única que existe. E que espíritos são tão reais quanto o mundo microscópico e as forças físicas invisíveis, como a lei da gravidade.

Leis dos espíritos

Por serem reais, apesar de invisíveis, os espíritos seguem leis, da mesma forma que os seres de carne e osso. “Entrevi naquelas aparentes futilidades qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo”, ele relataria anos depois, para concluir que a força que movia aqueles móveis apresentava perguntas que mereciam resposta. “Há ou não uma força inteligente? Eis a questão. Se essa força existe, o que é? Qual será sua natureza e sua origem? Está além da humanidade?”

Durante 20 meses, o professor dedicou as horas vagas a entrevistar dez diferentes espíritos, principalmente por intermédio de três garotas, Ruth Japhet, de 20 anos (que havia enchido 50 cadernos com mensagens dos espíritos), e as irmãs Julie e Caroline Baudin, de 14 e 16 anos. Fazia a elas perguntas como “Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?” e “O que é espírito?” Na casa dos Boudin, na Rue Rochechouart, ele se apresentava todas as terças-feiras, com novas perguntas, ou as mesmas, para cruzar e checar as respostas. Ele não tinha mediunidade – aliás, foi o professor quem cunhou o termo “médium” para definir os intermediários entre os espíritos os seres humanos.

MÉTODO CIENTÍFICO

As principais explicações de Kardec para os fenômenos psíquicos e mediúnicos

Fraude: O pesquisador acreditava que os casos de truques deveriam ser sempre denunciados: “O espiritismo só terá a ganhar com o desmascaramento
dos impostores”,escreveu. Kardec dizia que médiuns que realizam espetáculos públicos pagos deveriam ser observados com suspeita redobrada.

Alucinação: O pedagogo estabelecia critérios para diferenciar alucinações e problemas mentais em geral de contatos legítimos com espíritos. Por exemplo: se uma pessoa escreve mensagens em línguas que não conhece, ou se o fenômeno físico (por exemplo, uma mesa se mexendo) foi visto por várias pessoas

Influência externa: Kardec reconhecia a possibilidade da existência de dois fenômenos psíquicos: a telepatia, que ele chamava de “reflexo do pensamento”, e a clarividência, a percepção extrassensorial de objetos à distância. Para ele, nenhuma das duas era resultado de contatos com o mundo espiritual.

Comunicação: O contato com almas desencarnadas só pode ser considerado quando as hipóteses de fraude, alucinação e influência de outras pessoas tiverem sido descartadas. As mensagens do além só poderiam ser consideradas confiáveis se fossem espontâneas e confirmadas por médiuns que não se conhecessem entre si.

Rivail alega que teve a oportunidade de entrevistar os espíritos do filósofo Sócrates, do apóstolo de Jesus João Evangelista, do sacerdote Vicente de Paulo e do cientista e político Benjamin Franklin. Um dos interlocutores mais recorrentes era o espírito que se apresentava com o nome Zéfiro. Foi ele quem disse ao professor que o conhecia de outras encarnações, quando Rivail era um sacerdote druida chamado Allan Kardec e morador da Gália na época do imperador Júlio César, entre 58 e 44 a.C. Rivail não queria assumir a autoria da coleção de respostas – preferia se apresentar apenas como codificador e editor.

E também queria diferenciar seu trabalho pedagógico com essa nova vertente de pesquisa. Daí Rivail ter adotado o pseudônimo que se lê na capa da primeira edição de O Livro dos Espíritos: “Princípios da doutrina espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade – segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns – recebidos e coordenados por Allan Kardec”.

Os primeiros exemplares do livro deixaram a Tipografia de Beau, na cidade de Saint-Germain-en-Laye, em 18 de abril de 1857 – a data oficial do nascimento do espiritismo, nome criado por Kardec, apresentado da seguinte maneira: “A crença espírita, ou o espiritismo, consiste em acreditar nas relações entre o mundo físico e os seres do mundo invisível, ou espíritos”. Rapidamente, Kardec suplantaria Rivail em fama e reconhecimento: a primeira edição da obra inaugural do espiritismo, vendida a 3 francos a unidade, foi esgotada em dois meses.

Em 1º de abril de 1858, reuniu as dezenas de seguidores que havia arregimentado com a publicação do livro e fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Enquanto recebia visitas de médiuns, mais ou menos sérios, cartas pedindo ajuda e textos psicografados, novas traduções e edições eram publicadas. Na Espanha, o bispo de Barcelona, Antônio Palau y Termens, mandou confiscar todos os exemplares de O Livro dos Espíritos e organizou um auto de fé: as obras foram empilhadas e queimadas em praça pública. Em 1864, a Igreja Católica inseriu a obra no Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos para seus fiéis.

BIBLIOTECA BÁSICA

Os cinco livros fundamentais para entender o espiritismo

1. O Livro dos Espíritos, 1857
Reúne as respostas de espíritos para 501 perguntas (na segunda edição, elas seriam ampliadas para 1 019 dúvidas).

2. O Livro dos Médiuns, 1861
Enquanto a obra anterior era conceitual, esta é um guia prático a todas as pessoas interessadas em desenvolver a mediunidade.

3. O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864
Como o nome indica, revê as lições dos Evangelhos da Bíblia cristã com base nos conceitos espíritas.

4. O Céu e o Inferno, 1865
Explica a passagem da alma para outros planos, detalha o destino dos suicidas e explica os parâmetros da justiça divina.

5. A Gênese, 1868
Aborda questões filosóficas e científicas, como a origem do Universo e os milagres de Jesus, buscando respondê-las de acordo com os preceitos espíritas.

Kardec melhorou sua situação financeira com a venda de seus livros e trocou de casa diversas vezes. A última mudança seria para um terreno que ele havia comprado na Avenida Ségur para construir seis pequenas casas para seu sucessor e seguidores espíritas de poucos recursos. A residência da família ficou pronta rapidamente, mas ele não chegou a morar lá.

Depois de publicar uma segunda edição de O Livro dos Espíritos, bastante ampliada, e outros quatro livros, Kardec faleceu, aos 64 anos, por volta das 11h de 31 de março de 1869, quando um aneurisma se rompeu, um dia antes da mudança definitiva para a Avenida Ségur. Na época, ele trabalhava numa obras sobre as relações entre o magnetismo e o espiritismo. Os restos de Kardec estão no Cemitério Père-Lachaise. Na lápide, ficou gravado seu novo nome, e não Rivail, e seu lema: “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar. Esta é a lei.”

Místicos x cientistas

O fundador não deixou um sucessor definido – ele previa que o espiritismo fosse conduzido por um grupo com comandantes seguindo mandatos curtos. Sua morte acabou por lançar o espiritismo num debate ferrenho: ciência ou religião?

Na Europa, venceram os partidários da tese de que os estudos do professor tinham caráter científico. Eles tinham bons motivos para isso. “Kardec foi um dos pioneiros a propor uma investigação científica, racional e baseada em fatos observáveis, das experiências espirituais. Desenvolveu todo um programa de investigação dessas experiências, ao qual deu o nome de Espiritismo”, afirma Alexander Moreira-Almeida, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF. “A proposta mais ousada de Kardec foi a de naturalizar a dimensão espiritual, tornando-a, assim, passível de investigação científica.

“Hoje, entre os europeus, o kardecismo é visto como pseudorreligião. Na virada do século 20, fazia todo o sentido acreditar que os conceitos dele seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico”, afirma o historiador John Monroe, professor da Universidade de Iowa.

O Brasil viu a mesma divisão, e, num primeiro momento, parecia que o mesmo lado seria vencedor. Um dos mais importantes líderes do espiritismo do Brasil, o jornalista e professor italiano Afonso Angeli Torteroli, liderava os científicos e organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. Foi lá que intelectuais defenderam a nova linha de pensamento – pessoas respeitáveis a ponto de terem sido recebidas pelo imperador dom Pedro II em 28 de agosto de 1881. Mas, bem de acordo com o pensamento progressista da época, os espíritas eram, em geral, republicanos e abolicionistas.

Mas foi o aspecto religioso do espiritismo que venceu. E por dois motivos. Em primeiro lugar, o lado religioso funcionava melhor para uma população ligada a um cristianismo que, em geral, convivia tranquilamente com curandeiros, benzedeiros e cartomantes. “A preocupação científica e filosófica não tem o mesmo appeal para nós como tem o lado religioso-ritualístico: tomar um passe, livrando-se das energias ruins se apresentaria como mais conveniente do que adotar uma doutrina complexas e cheia de princípios”, afirma o professor de sociologia da Universidade de Brasília Paulo César da Conceição Fernandes, em uma tese de mestrado sobre as origens da religião no Brasil.

Em segundo lugar, o mais importante líder entre os espíritas depois de Allan Kardec e antes de Chico Xavier, o ex-deputado Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, concordava com os místicos. Mas teve também o talento de não dispensar os científicos. A Federação Espírita do Brasil, criada em 1884 pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva, seria presidida duas vezes pelo doutor Bezerra e estimulou a publicação de livros e textos de cunho acadêmico. “O espiritismo oferece uma orientação para a prática da mediunidade, recomendando que ela seja praticada quando contribuir para o bem e para a educação espiritual do homem”, afirma Antonio Cesar Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita Brasileira.

Nomes famosos da literatura nacional aderiram rápido. Os poetas Castro Alves e Augusto dos Anjos, de um lado, se aproximaram da nova religião. Já José de Alencar e Machado de Assis a atacavam – mas só depois de se darem ao trabalho de conhecê-la. Augusto dos Anjos foi o mais empolgado: em sua cidade, Engenho do Pau D’Arco, Paraíba, ele conduzia
sessões, recebia espíritos e psicografava. Quando Chico Xavier nasceu, em 1910, o hábito de receber romances do além já era disseminado e se tornaria uma das marcas da nova religião, que, para muitos, já tinha muito pouco a ver com o que Kardec havia imaginado.

OITO PIONEIROS

Personagens importantes para o nascimento do espiritismo brasileiro

Luís Olímpio Teles de Menezes:
Jornalista, professor primário e funcionário da Biblioteca Pública da Bahia, organizou em Salvador a primeira sessão espírita do país, em Salvador. Também fundou o primeiro centro espírita brasileiro, o Grupo Familiar do Espiritismo.

Casimir Lieutaud: 
Poeta e educador francês, conheceu o espiritismo juntamente com outros intelectuais que liam e debatiam as notícias vindas da França, incluindo o jornalista e escritor Machado de Assis. Em 1860, publicou um livro de tom espírita, Les Temps Sont Arrivés.

Antônio da Silva Neto:
Liderança espírita no Rio de Janeiro, o médico foi redator e diretor da Revista Espírita, o segundo periódico de divulgação da religião no Brasil (o primeiro, Écho d’Alêm-Tumulo, foi fundado em 1869, em Salvador, por Luís Olímpio).

Joaquim Carlos Travassos:
Ao lado do advogado e poeta Francisco Bittencourt Sampaio, o médico e político carioca participou da fundação, em 1873, da Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, o primeiro centro espírita da capital, que existiu até 1879.

Augusto Elias da Silva: 
Nascido em Portugal e morando no Rio de Janeiro, o fotógrafo fundou a Federação Espírita do Brasil, em 1º de janeiro de 1884. Também fundou, um ano antes, uma publicação de divulgação da nova fé, chamada Reformador.

Antônio Luiz Sayão: 
Advogado de São Paulo, aderiu ao espiritismo em 1878, quando sua esposa esteve à beira da morte. Líder da Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, defendeu a abolição da escravatura e publicou um livro de referência, Estudos Evangélicos.

Afonso Angeli Torteroli:
O jornalista e professor italiano organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, criou o Centro da União Espírita do Brasil, uma primeira tentativa de organizar uma federação. Traduziu várias obras de Kardec.

Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti:
Cearense com carreira política bem-sucedida como vereador e deputado, o médico, militar e escritor impediu que a Federação Espírita do Brasil entrasse em colapso, em 1895, ao assumir a presidência pela segunda vez.

Por Tiago Cordeiro publicado originalmente no GUIA DO ESTUDANTE.

DO GOLPE AO CAOS

Publicado originalmente no site OUTRAS PALAVRAS

Causas da crise institucional são claras. Grupos que tomaram poder não têm projeto de país; agora degladiam-se pela parte do leão no butim. Alternativa é articular bloco potente pelos direitos sociais


Por Antonio Martins

No momento em que se redige este texto, informam os noticiários, Michel Temer procura juntar cacos e encontrar uma saída “honrosa” para o conflito entre Renan Calheiros, presidente do Senado, e Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos trabalharam pela derrubada do governo eleito em 2014, mas agora entraram em conflito ácido. Mello quer afastar Renan da presidência do Senado. Para isso, brande entendimento jurídico que, se consolidado, viola direitos fundamentais e sepulta a presunção de inocência. Renan, contrariado, fez o macho: ao invés de contestar a decisão provisória do STF, decidiu ignorá-la, projetando o país no cúmulo da insegurança jurídica. Temer tenta um remendo, nas poucas horas que faltam para o final da sessão plenária do Supremo. Nada garante que será bem-sucedido.

Mas o barraco entre chefes de dois dos três poderes é apenas a parte mais visível de um conflito que se alastra entre os golpistas. O epicentro é o Executivo, por razões óbvias. Duas semanas depois de aceitar a renúncia do ministro Geddel Vieira Lima, um dos responsáveis pela articulação política do governo, Temer não sabe como substituí-lo. O posto foi oferecido ao PSDB, que reclamava mais espaço no governo. Os tucanos recusaram. Desejam participar do núcleo central do poder – mas usando luvas grossas e mãos de gato. Sugerem, gaiatos: e se ficássemos com o ministério da Fazenda?

É briga de banqueiros grandes – e globais. Armínio Fraga, o eterno escolhido do PSDB para o ministério da Fazenda, trabalha com George Soros. Teria atuado no planejamento de vários ataques especulativos. Mas Henrique Meirelles, o titular atual, seria menos influente? Brasileiro de Anápolis, herdeiro de pecuaristas, estudou em Harvard e cultivou relações. Presidiu o Bank Boston brasileiro e o global. Foi tido como um dos banqueiros mais próximos de Bill Clinton – talvez o presidente norte-americano mais ligado à oligarquia financeira. No Brasil, transitou por todo o universo político. Elegeu-se deputado federal pelo PSDB, dirigiu o Banco Central sob Lula e assumiu o ministério da Fazenda com Temer.

O butim é farto, mas a crise é funda. Por isso, a disputa no Planalto se agrava. É ela que traga os demais poderes. Todos – Renan, Temer, César Maia, Gilmar Mendes, Aécio, Serra, Alckmin – querem parte dos bônus. Entrega do Pré-Sal às petroleiras estrangeiras. PEC-241-55, para achatar o gasto social e ampliar a transferência de recursos do Estado aos banqueiros. Desmonte da Previdência, que arrasará o INSS e abrirá caminho para os sistemas de aposentadorias privadas, administrados pelos bancos. Em cada PEC, Projeto de Lei, Medida Provisória, tenebrosas transações. Vinte e quatro horas depois de o Palácio do Planalto enviar ao Congresso a PEC-287, que desmantela a Previdência Social, o relator da matéria na Câmara, deputado Alceu Moreira, anunciava já ter preparado parecer favorável à proposta. “Sou o Flash”, disse com escárnio.

Porém, não há projeto de país. Os que nos exasperávamos com a falta de ideias e criatividade, no período Dilma, enxergamos agora o que é a infertilidade política real. Em nove meses, que mísera ideia o governo Temer apresentou – além do assalto aos direitos sociais e da entrega do Estado aos particulares? Que originalidade demonstraram o PSDB ou a mídia associada ao golpe?

À falta de futuro, alimentam-se de ódios. Erguem a bandeira da luta contra a corrupção. Em nome dela, querem incapacitar ou prender adversários – desde que tal ação preserve… o atual sistema político, no qual nadarão de braçadas, em seguida! Este punitivismo sem programa acende heróis fugazes. Marco Aurélio Mello tentou ceifar Renan imaginando que se converteria imediatamente em herói de Higienópolis, do Leblon e da mídia. O presidente do Senado trucou: sem ele, para a farra das privatizações. Mídia, Planalto e movimentos como o MBL e o Vem Pra Rua enrolaram as bandeiras e puseram-se a negociar com quem tratavam como bandido.

* * *

No cenário de caos para o qual o país regrediu, os direitos sociais parecem ser a chave crucial. Sua devastação divide os golpistas, que disputam o butim. Defendê-los pode unir os que sustentam, além da democracia e da igualdade, a própria ideia de preservar a República – algo a que as elites parecem cada vez mais indiferentes.

Do golpe ao caos – é e tende a ser, por lógica, o caminho dos que impuseram um governo ilegítimo. Contra o caos, os direitos – é uma alternativa. As multidões que se reuniram contra o golpe, entre março e maio, articularam-se acima de tudo em torno da ideia de direitos. Não tinham cor partidária. Reuniam uma galáxia — de velhos militantes a secundaristas; dos movimentos sindicais à luta LGTB; todo o leque de sensibilidades feministas e negras. Estavam unidas pela ideia de que Outro País é Possível; de que não suportamos a normatização social, política e moral que querem nos impor.

Esta galáxia pode se formar de novo – agora pela defesa dos direitos sociais. Em torno deles, e da ideia de país solidário que expressam, é que se pode articular um bloco social amplo e potente – ainda que diverso.

Certas oportunidades não devem ser perdidas. Para 13 de dezembro começam a ser convocadas manifestações que se opõem às políticas de rapina – à PEC 55 e ao desmonte da Previdência, em especial.

No fim de um ano pesado, é preciso reforçá-las. Nelas reside nossa esperança de começar a virada; de acirrar as contradições evidentes entre os que governam contra o país; de abrir caminho para um 2017 respirável.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O MATERIALISMO E O DIREITO

O materialismo, vangloriando-se como não o tinha feito em nenhuma outra época e se apresentando como supremo regulador dos destinos morais da Humanidade, teve por efeito apavorar as massas pelas consequências inevitáveis de suas doutrinas para a ordem social. Por isto mesmo provocou, em favor das ideias espiritualistas, uma enérgica reação que lhe deve provar que está longe de merecer simpatias tão gerais quanto supõe, e que labora em estranha ilusão se espera um dia impor suas leis ao mundo.

Seguramente as crenças espiritualistas dos tempos passados são insuficientes para o século atual; elas não estão mais no nível intelectual de nossa geração; sobre muitos pontos elas estão em contradição com os dados concretos da Ciência; deixam no espírito um vago incompatível com a necessidade do positivo que domina na Sociedade moderna; além disso, cometem o imenso erro de se imporem pela fé cega e proscrever o livre exame. Daí resulta, sem dúvida nenhuma, o desenvolvimento da incredulidade na maioria das pessoas. É muito evidente que se os homens não fossem alimentados, desde a infância, senão por ideias de natureza a serem mais tarde con­firmadas pela razão, não haveria incrédulos. Quantas pessoas reconduzidas à crença pelo Espiritismo nos disseram: Se nos tivessem sempre apresentado Deus, a alma e a vida futura de maneira racional, jamais teríamos duvidado!

Pelo fato de um princípio receber uma aplicação má ou falsa, segue-se que seja preciso rejeitá-lo? Assim acontece com coisas espirituais, como com a legislação e todas as instituições sociais: é necessário apropriá-las aos tempos, sob pena de sucumbirem. Mas, em vez de apresentar algo de melhor que o velho espiritualismo clássico, o materialismo preferiu tudo suprimir, o que o dispensava de procurar, e parecia mais cômodo àqueles a quem importuna a ideia de Deus e do futuro. Que pensariam de um médico que, achando que o regime de um convalescente não é bastante substancial para o seu temperamento, lhe prescrevesse não comer absolutamente nada?

O que nos espanta encontrar na maioria dos materialistas da escola moderna é o espírito de intolerância levado aos seus últimos limites, eles que reivindicam sem cessar o direito de liberdade de consciência. Seus próprios correligionários políticos não encontram condescendência diante deles, desde que façam profissão de espiritualismo, testemunha o Sr. Jules Favre, a propósito de seu discurso na Academia (Fígaro de 8 de maio de 1868); e como o Sr. Camille Flammarion, ultrajantemente ridicularizado e denegrido, num outro jornal cujo nome esquecemos, porque ousou provar Deus pela Ciência. Segundo o autor dessa diatribe, não se pode ser sábio senão com a condição de não crer em Deus; Chateaubriand não passa de um escritor medíocre e insensato. Se homens de tão incontestável mérito são tratados com tão pouca consideração, os espíritas não se devem lamentar de serem um tanto ridicularizados a propósito de suas crenças.

Há neste momento, da parte de um certo partido, um levante de armas contra as ideias espiritualistas em geral, entre as quais se acha incluído o Espiritismo. O que ele busca não é um Deus melhor e mais justo, é o Deus-matéria, menos aborrecido, porque não é preciso prestar-lhe contas. Ninguém contesta a esse partido o direito de ter as suas opiniões, de discutir as opiniões contrárias, mas o que não se lhe poderia conceder é a pretensão, ao menos singular para homens que se apresentam como apóstolos da liberdade, de impedir que os outros creiam à sua maneira e que discutam as doutrinas que eles não partilham. Intolerância por intolerância, uma não vale mais que a outra.

Um dos melhores protestos que temos lido contra as tendências materialistas foi publicado no jornal le Droit, sob o título: O materialismo e o direito. A questão aí é tratada com notável profundidade e uma perfeita lógica, no duplo ponto de vista da ordem social e da jurisprudência. Sendo a causa do espiritualismo a do Espiritismo, aplaudimos toda enérgica defesa da primeira, mesmo quando aí é feita abstração da segunda. Eis por que pensamos que os leitores da Revista verão com prazer a reprodução desse artigo.

(Extrato do jornal le Droit, de 14  de maio de 1868)

A geração presente atravessa uma crise intelectual com a qual não se deve inquietar além da medida, mas cujo desenlace seria imprudência deixar ao acaso. Desde quando a Humanidade passou a pensar, o homem acreditava na alma, princípio imaterial distinto dos órgãos que o servem; faziam-na até imortal. Acreditavam numa Providência, criadora e senhora dos seres e das coisas, no bem, no justo, na liberdade do arbítrio humano, numa vida futura que, por valer mais do que o mundo em que estamos, não necessita, como diz o poeta, senão existir.

Modernos doutores, que começam a tornar-se barulhentos, mudaram tudo isto. O homem é por eles reconduzido à dignidade do animal, e o animal reduzido a um agregado material. A matéria e as propriedades da matéria, tais seriam os únicos objetos possíveis da ciência humana; o pensamento não seria senão um produto do órgão que é sua sede, e o homem, quando as moléculas orgânicas que constituem a sua pessoa se desagregam e voltam aos elementos, pereceria inteiramente.

Se as doutrinas materialistas jamais devessem ter a sua hora de triunfo, os jurisconsultos filósofos ─ há que dizer para a sua honra ─ seriam os primeiros vencidos. O que teriam a fazer as suas regras e as suas leis num mundo no qual a lei da matéria fosse toda a lei? As ações humanas não podem ser senão fatos automáticos, se o homem for todo matéria. Mas então, onde estará a liberdade? E se a liberdade não existir, onde estará a lei moral? A que título uma autoridade qualquer poderia pretender dominar a expansão fatal de uma força toda física e necessariamente legítima se ela é fatal? O materialismo arruína a lei moral, e com a lei moral o direito, a ordem civil toda inteira, isto é, as condições de existência da Humanidade. Tais consequências imediatas, inevitáveis, certamente merecem que nelas pensemos. Vejamos, pois, como se reproduz esta velha doutrina materialista, que não vimos surgir, até o presente, senão nos piores dias.

Quase sempre houve materialistas, teóricos ou práticos, quer por desvio do senso comum, quer para justificar baixos hábitos de viver. A primeira razão de ser do materialismo está na imperfeição da inteligência humana. Disse Cícero, em termos muito crus, que não há tolice que não tenha encontrado algum filósofo para defendê-la: Nihil tam absurde dici potest quod non dicatur ab aliquo philosophorum. Sua segunda razão de ser está nas más inclinações do coração humano. O materialismo prático, que se reduz a algumas máximas vergonhosas, sempre apareceu nas épocas de decomposição moral ou social, como as da Regência e do Diretório. O mais das vezes, quando houve visadas mais altas, o materialismo filosófico foi uma reação contra as exigências exageradas das doutrinas ultraespiritualistas ou religiosas. Mas em nossos dias ele se produz com um caráter novo; ele se diz científico. A história natural seria toda a ciência do homem; nada existiria do que ela não tem por objeto, e como ela não tem por objeto o espírito, o espírito não existe.

Para quem queira pensar no caso, com efeito o materialismo é mesmo um perigo, não da ciência verdadeira, mas da ciência incompleta e presunçosa; é uma planta má que cresce em seu solo. De onde vêm as tendências materialistas, mais ou menos marcantes, de tantos cientistas? De sua constante ocupação em estudar e manipular a matéria? Talvez um pouco. Mas elas vêm sobretudo de seus hábitos de espírito, da prática exclusiva de seu método experimental. O método científico pode reduzir-se a estes termos: Não reconhecer senão os fatos; induzir muito prudentemente a lei desses fatos; banir absolutamente todas as pesquisas das causas. Não é de admirar que, depois disto, inteligências de vistas curtas, débeis nalgum sentido, deformadas, como nos tornamos todos, por um mesmo trabalho intelectual ou físico muito contínuo, desconheçam a existência dos fatos morais, aos quais não convém a aplicação do seu instrumento lógico, e, por uma transmissão insensível, passem da ignorância metódica à negação.

Entretanto, se esse método exclusivamente experimental pode achar-se em erro, o erro está no estudo do homem, ser duplo, espírito e matéria, cujo próprio organismo não pode ser senão o produto e o instrumento da força oculta, mas essencialmente una que o anima. Não se quer ver no organismo humano senão um agregado material! Por que cindir o homem e querer metodicamente nele considerar apenas um princípio, se há dois? É possível gabar-se, ao menos, de assim explicar todos os fenômenos da vida? O materialismo fisiológico, que prepara o materialismo filosófico, mas que a ele não conduz necessariamente, é ferido de impotência a cada passo. A vida, digam o que disserem, é um movimento, o movimento da alma formando o corpo; e a alma é, assim, a mola que move e transporta, por uma ação desconhecida e inconsciente, os elementos dos corpos vivos. Trazendo sistematicamente o estudo do homem físico às condições do estudo dos corpos não organizados; não vendo nas forças vivas de cada parte do organismo senão propriedades da matéria; localizando essas forças em cada uma dessas partes; não considerando a vida senão como uma manifestação física, um resultado, quando ela talvez seja um princípio; afastando a unidade do princípio de vida como uma hipótese, quando ela pode ser uma realidade, cai-se, sem dúvida, no materialismo fisiológico, para depois escorregar rapidamente no materialismo filosófico; mas se conclui por uma enumeração e um exame incompleto dos fatos; acreditou-se marchar apenas apoiado na observação, e afastou-se o fato capital que domina e determina todos os fatos particulares.

O materialismo da nova escola não é, pois, um resultado demonstrado do estudo; é uma opinião preconcebida. O fisiologista não admite o espírito; mas que há de admirável? É uma causa, e ele se pôs a estudar com um método que lhe interdita precisamente a pesquisa das causas. Não queremos submeter a causa do espiritualismo a uma ques­tão de fisiologia controvertida, e sobre a qual poderiam refutar-nos com razão. O senso íntimo me revela a existência da alma com uma autoridade muito diferente. Quando o materialista fisiológico for tão verdadeiro quanto é discutível, nossas convicções espiritualistas ficarão menos inteiras. Fortalecido pelo testemunho do senso íntimo, confirmado pelo assentimento de mil gerações que se sucederam na Terra, repetiríamos o velho adágio: “A verdade não destrói a verdade”, e nós esperaríamos que a conciliação se fizesse com o tempo. Mas de que peso não nos sentimos aliviados quando vemos que, para negar a alma e dar essa declaração como um resultado da ciência, o sábio, por confissão própria, partiu metodicamente da ideia que a alma não existe!

Lemos muitos livros de Fisiologia, em geral muito mal escritos; o que nos chamou a atenção foi o vício constante dos raciocínios do fisiologista organicista quando ele sai da sua área para se fazer filósofo. Vemo-lo constantemente tomar um efeito por uma causa, uma faculdade por uma substância, um atributo por um ser, confundir as existências e as forças, etc., e raciocinar como lhe convém. Dir-se-ia uma aposta. Algumas vezes ele transpõe distâncias incríveis sem se dar conta do caminho que faz. Que espírito exato e claro, por exemplo, jamais pôde compreender o pensamento tão conhecido de Cabanis e de Broussais, que “o cérebro produz, secreta o pensamento?” Outras vezes, o homem positivo, o homem da ciência, o homem da observação e dos fatos, nos dirá seriamente que o cérebro “armazena as ideias.” Ainda um pouco, ele as desenhará. É metáfora ou aranzel?

Jamais será pedido à ciência natural que tome partido pró ou contra a alma humana; mas por que ela não se resolve a ignorar o que não é objeto de suas investigações? Com que direito ousa ela jurar que nada há depois dela, depois de ter constituído a lei de não ver? Por que não guarda ela um pouco dessa reserva que vai bem a todos nós, sobretudo aos que têm a pretensão de não avançar senão com a certeza? A que título o anatomista tomará para si a responsabilidade de declarar que a alma não existe, porque não a encontrou com seu escalpelo? Pelo menos começou ele a demonstrar rigorosamente, cientificamente, por experiências e por fatos, segundo o método que preconiza, que o seu escalpelo a tudo pode atingir, até mesmo um princípio imaterial?

Aconteça o que acontecer com todas estas questões, o materialismo, dizendo-se científico, sem por isto adquirir mais valor, instala-se à luz do dia, e é preciso que vejamos o que seria o direito materialista. Ai de nós! O estado social materialista oferecer-nos-ia um tristíssimo e vergonhoso espetáculo. Para começar, uma coisa é certa, é que, se o homem não existe senão por seu organismo, essa massa material e automática que será daqui por diante todo o homem, provido de um encéfalo para secretar ideias, não será responsável por todos os movimentos que ela produzirá[1]. Com ela não será preciso que o encéfalo de uma outra massa material se lembre de secretar ideias de justiça ou de injustiça, porque essas ideias de justiça ou de injustiça não são aplicáveis senão a uma força livre que existe por si mesma, capaz de querer e de se abster. Não se convence a torrente ou a avalanche.

Então a liberdade, isto é, a vontade de agir ou não agir, não existirá aqui em baixo, como também não existirá o direito. Nesse estado, todas as forças terão um pleno e absoluto poder de expansão. Tudo será legítimo, lícito, permitido, digamos mesmo, ordenado, porque é claro que todo fato que não seja o ato de uma vontade livre, que não se produz como um ato moralmente obrigatório ou moralmente proibido, é um fato inevitável, que bem pode vir chocar-se com um fato contrário do mesmo caráter, mas que, como todos os fatos físicos, cai no império inelutável das leis naturais.

Basta expor tais ideias para lhes fazer justiça. É o sistema de Spinoza, que muito resolutamente estabeleceu o princípio do direito da força. Os fortes, diz Spinoza, são feitos para dominar os fracos, da mesma forma que os peixes para nadar e os maiores para comer os menores. No sistema materialista, o que seria chamado direito não poderia ter um princípio diferente. Mas qual homem dotado de senso ousaria professar tal sistema, que bastaria, por si só, para refutar o materialismo, porquanto necessariamente dele decorre? Querem, entretanto, que esse princípio da força se ache, de fato, limitado por si mesmo? Nada será ganho, ou quase nada, com esse flagrante desmentido do princípio. Admitamos, se quiserem, que a substância pensante (continuamos a falar a linguagem dos materialistas) se concerte nos indivíduos para regularizar essa expansão da força: a que chegará ela? No máximo a um conjunto de regras que terão por base o interesse, e mais, como não há outras leis senão as leis da matéria, essa legislação não terá qualquer caráter obrigatório; cada um poderá infringi-la se sua matéria pensante o aconselhar e se sua força permitir. Assim, nesta singular doutrina, não haverá nem mesmo um estado social construído sobre o plano da triste sociedade de Hobbes.

Não falamos ainda senão das condições primeiras de todo estado social. Mas, em toda sociedade civil consagra-se a propriedade individual; contrata-se, vende-se, aluga-se, associa-se, etc. O casamento funda a família; daí nasce toda uma ordem nova de relações. Pela educação no lar e pela educação pública, perpetuam-se as tradições. Assim se forma um espírito nacional e se desenvolve a civilização. Nossa sociedade materialista terá o seu direito civil? Impossível supô-lo, porque o direito civil, em seu conjunto, tem por princípio a justiça, e a justiça não pode ser senão uma palavra, ou uma contradição, numa doutrina que não conhece senão a matéria e as propriedades da matéria. Chega-se assim, inevitavelmente, a concluir (a menos que desarrazoando a propósito), que o estado civil da sociedade materialista é o estado de bestialidade.

Nada dizemos demais ao afirmarmos que o materialismo é destrutivo, não de tal moral, mas de toda moral; não de tal estado civil, mas de todo estado civil, de toda a Sociedade. É preciso recuar com ele além das regiões da barbárie, além da selvageria. Há que proscrevê-lo por isto? Deus não o permita. Assim reconhecido o seu caráter, não pediríamos, entretanto, que o seu ensino fosse interditado; nós o defenderíamos, se necessário, contra toda compressão pela força, desde que o professor não falasse senão em seu próprio nome. A liberdade nos é tão cara ─ sabem-nos os leitores deste jornal ─ ela leva consigo tais benefícios; temos uma tal confiança no bom-senso público, que não conceberíamos nenhuma inquietude por ver toda cátedra, toda tribuna aberta a todas as ideias.

Mas a questão não mais se apresentaria nos mesmos termos se acontecesse que o professor falasse numa cátedra do Estado, sustentada pelo orçamento. Certo ou errado, o Estado ensina. Pode ele ensinar doutrinas cujas consequências mais próximas sejam destrutivas do Estado? Ficará ao arbítrio de todo professor fazer o Estado endossar todas as doutrinas que puder conceber?

A questão não é simples. Os professores do Estado são funcionários públicos; seu ensino não pode ser e não é senão um ensino oficial. O Estado é responsável pelo que eles dizem; ele responde por isso perante a juventude e as famílias. Se por causa das grandes palavras de independência do professorado, recusassem o seu controle, eles se fariam opressores do Estado, pela mais hipócrita das opressões, porque assumiriam a responsabilidade pelas doutrinas que ele desaprova.

Sem dúvida a autoridade superior deve aos seus professores, muitas vezes encanecidos pelo estudo, cuidados, consideração, uma grande confiança, como aos seus generais, aos seus administradores e aos seus magistrados. Mas ela não lhes deve o sacrifício do mandato do país, que se presume que lhe pertença. O professor não é mais independente do Estado do que o general que tomasse o comando de uma insurreição.

H. THIERCELIN.

Revista Espírita - agosto - 1868


TRAGÉDIAS COLETIVAS

Constantemente a humanidade é surpreendida por tragédias coletivas. Desde os fenômenos sísmicos às guerras, aos acidentes de várias ordens, demonstrando a fragilidade do ser humano ante as forças da natureza e as suas próprias paixões, que, amiúde, somos convidados a reflexionar em torno da transitoriedade carnal e sobre a continuidade da vida em outra dimensão.

Há poucos dias, um desastre aéreo de lamentáveis consequências feriu dezenas de famílias, ceifando vidas juvenis em plena busca da felicidade. Desejamos referir-nos ao acidente que arrebatou 71 vidas, especialmente de chapecoenses, deixando aflições inomináveis em muitos familiares e amigos.

Os conceitos filosóficos do materialismo diante do infortúnio não conseguem acalmar as ansiedades e as dores dos sentimentos vitimados pelas ocorrências infelizes do cotidiano, provocando, não raro, revolta e desespero.

Algumas correntes religiosas despreparadas para o enfrentamento dos desafios afligentes que ferem a humanidade simplificam a maneira de os encarar, transferindo para a “vontade de Deus” todas as ocorrências nefastas, sem que, igualmente, com algumas exceções, logrem o conforto moral e a esperança nas suas vítimas.

Ao Espiritismo cabe a tarefa urgente de demonstrar que a criatura humana é autora do próprio destino através dos atos que realiza.

A Divindade estabelece leis morais que atuam nas existências, com a mesma severidade que aqueloutras que regem o Universo e são inalteradas.

Embora Deus seja amor, o dever e o equilíbrio são expressões desse incomparável amor pelas criaturas.

O sofrimento não é um ato punitivo da Divindade, mas uma resposta da Vida ao comportamento malsão de quem se permite desrespeito aos supremos códigos.

Por intermédio da reencarnação o Espiritismo explica a lógica de acontecimentos tão funestos.

No caso em tópico, segundo a Imprensa, a Anac havia proibido a viagem programada, mas a fatalidade conseguiu uma maneira de atender ao determinismo cármico, mediante o aluguel de uma outra aeronave boliviana. Alguns sobreviventes e outros, que não puderam viajar por uma ou outra razão, foram poupados da terrível provação, por não fazerem parte do grupo comprometido com as Leis divinas.

Provavelmente essas vítimas resgataram antigo débito moral no seu processo evolutivo e foram reunidas para o ressarcimento coletivo, conforme a responsabilidade do conjunto em algum desmando anterior, de existência pregressa.

Hoje, no mundo espiritual, na condição de vítimas das circunstâncias de que não são responsáveis, encontram-se amparados por Espíritos nobres, que os auxiliarão a encontrar a plenitude. Aos seus familiares e amigos, apresentamos a nossa solidariedade.

Divaldo Pereira Franco em artigo publicado no 
jornal "A Tarde", coluna Opinião, em 1-12-2016.