Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

quinta-feira, 23 de junho de 2016

PERDAS DE PESSOAS AMADAS - MORTES PREMATURAS

Quando a morte ceifa nas vossas famílias, arrebatando, sem restrições, os mais moços antes dos velhos, costumais dizer: Deus não é justo, pois sacrifica um que está forte e tem grande futuro e conserva os que já viveram longos anos cheios de decepções; pois leva os que são úteis e deixa os que para nada mais servem; pois despedaça o coração de uma mãe, privando-a da inocente criatura que era toda a sua alegria.

Humanos, é nesse ponto que precisais elevar-vos acima do terra-a-terra da vida, para compreenderdes que o bem, muitas vezes, está onde julgais ver o mal, a sábia previdência onde pensais divisar a cega fatalidade do destino. Por que haveis de avaliar a justiça divina pela vossa? Podeis supor que o Senhor dos mundos se aplique, por mero capricho, a vos infligir penas cruéis? Nada se faz sem um fim inteligente e, seja o que for que aconteça, tudo tem a sua razão de ser. Se perscrutásseis melhor todas as dores que vos advêm, nelas encontraríeis sempre a razão divina, razão regeneradora, e os vossos miseráveis interesses se tornariam de tão secundária consideração, que os atiraríeis para o último plano.

Crede-me, a morte é preferível, numa encarnação de vinte anos, a esses vergonhosos desregramentos que pungem famílias respeitáveis, dilaceram corações de mães e fazem que antes do tempo embranqueçam os cabelos dos pais. Freqüentemente, a morte prematura é um grande benefício que Deus concede àquele que se vai e que assim se preserva das misérias da vida, ou das seduções que talvez lhe acarretassem a perda. Não é vítima da fatalidade aquele que morre na flor dos anos; é que Deus julga não convir que ele permaneça por mais tempo na Terra.

É uma horrenda desgraça, dizeis, ver cortado o fio de uma vida tão prenhe de esperanças! De que esperanças falais? Das da Terra, onde o liberto houvera podido brilhar, abrir caminho e enriquecer? Sempre essa visão estreita, incapaz de elevar-se acima da matéria. Sabeis qual teria sido a sorte dessa vida, ao vosso parecer tão cheia de esperanças? Quem vos diz que ela não seria saturada de amarguras? Desdenhais então das esperanças da vida futura, ao ponto de lhe preferirdes as da vida efêmera que arrastais na Terra? Supondes então que mais vale uma posição elevada entre os homens, do que entre os Espíritos bem-aventurados?

Em vez de vos queixardes, regozijai-vos quando praz a Deus retirar deste vale de misérias um de seus filhos. Não será egoístico desejardes que ele aí continuasse para sofrer convosco? Ah! essa dor se concebe naquele que carece de fé e que vê na morte uma separação eterna. Vós, espíritas, porém, sabeis que a alma vive melhor quando desembaraçada do seu invólucro corpóreo. Mães, sabei que vossos filhos bem-amados estão perto de vós; sim, estão muito perto; seus corpos fluídicos vos envolvem, seus pensamentos vos protegem, a lembrança que deles guardais os transporta de alegria, mas também as vossas dores desarrazoadas os afligem, porque denotam falta de fé e exprimem uma revolta contra a vontade de Deus.

Vós, que compreendeis a vida espiritual, escutai as pulsações do vosso coração a chamar esses entes bem-amados e, se pedirdes a Deus que os abençoe, em vós sentireis fortes consolações, dessas que secam as lágrimas; sentireis aspirações grandiosas que vos mostrarão o porvir que o soberano Senhor prometeu. – Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris. (1863.)

O Evangelho Segundo o Espiritismo
Capítulo V - Bem-aventurados os aflitos

quarta-feira, 22 de junho de 2016

PODER DA VONTADE SOBRE AS PAIXÕES


(EXTRATO DOS TRABALHOS DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS)

Um jovem de vinte e três anos, o Sr. A..., de Paris, iniciado no Espiritismo apenas há dois meses, com tal rapidez assimilou o seu alcance que, sem nada ter visto, o aceitou em todas as suas consequências morais. Dirão que isto não é de admirar da parte de um moço, e só uma coisa prova: a leviandade e um entusiasmo irrefletido. Seja. Mas continuemos. Esse jovem irrefletido tinha, como ele próprio reconhece, um grande número de defeitos, dos quais o mais saliente era uma irresistível disposição para a cólera, desde sua infância. Pela menor contrariedade, pelas causas mais fúteis, quando entrava em casa e não encontrava imediatamente o que queria; se uma coisa não estivesse em seu lugar habitual; se o que tivesse pedido não estivesse pronto em um minuto, entrava em furores, a ponto de tudo arrebentar. Chegava a tal ponto que um dia, no paroxismo da cólera, atirando-se contra a mãe, lhe disse: “Vai-te embora, ou eu te mato!” Depois, esgotado pela superexcitação, caía sem consciência. Acrescente-se que nem os conselhos dos pais nem as exortações da religião tinham podido vencer esse caráter indomável, aliás compensado por vasta inteligência, uma instrução cuidada e os mais nobres sentimentos.

Dirão que é o efeito de um temperamento bilioso-sanguíneo-nervoso, resultado do organismo e, consequentemente, arrastamento irresistível. Resulta de tal sistema que se, em seus desatinos, tivesse cometido um assassinato, seria perfeitamente desculpável, porque teria tido por causa um excesso de bile. Disso ainda resulta que, a menos que modificasse o temperamento, que mudasse o estado normal do fígado e dos nervos, esse moço estaria predestinado a todas as funestas consequências da cólera.

─ Conheceis um remédio para tal estado patológico?

─ Nenhum, a não ser que, com o tempo, a idade possa atenuar a abundância de secreções mórbidas.

─ Ora, o que não pode a Ciência, o Espiritismo faz, não lentamente e por força de um esforço contínuo, mas instantaneamente. Alguns dias bastaram para fazer desse jovem um ser suave e paciente. A certeza adquirida da vida futura; o conhecimento do objetivo da vida terrena; o sentimento da dignidade do homem, revelada pelo livre-arbítrio, que o coloca acima do animal; a responsabilidade daí decorrente; o pensamento de que a maior parte dos males terrenos são a consequência de nossos atos; todas estas ideias, bebidas num estudo sério do Espiritismo, produziram em seu cérebro uma súbita revolução. Pareceu-lhe que um véu se erguera acima de seus olhos e a vida se lhe apresentou sob outra face. Certo de que tinha em si um ser inteligente, independente da matéria, se disse: “Este ser deve ter uma vontade, ao passo que a matéria não a tem. Então, ele pode dominar a matéria.” Daí este outro raciocínio: “O resultado de minha cólera foi tornar-me doente e infeliz, e ela não me dá o que me falta, portanto é inútil, porque assim não progredi. Ela me produz o mal e nenhum bem me dá em troca. Além disto, ela pode impelir-me a atos censuráveis e até criminosos.”

Ele quis vencer, e venceu. Desde então, mil ocasiões surgiram que antes o teriam enfurecido, mas ante elas ficou impassível e indiferente, com grande estupefação de sua mãe. Ele sentia o sangue ferver e subir à cabeça, mas, por sua vontade, o recalcava e o forçava a descer.

Um milagre não teria feito melhor, mas o Espiritismo fez muitos outros, que nossa Revista não bastaria para registrá-los, se quiséssemos relatar todos os que são do nosso conhecimento pessoal, relativos a reformas morais dos mais inveterados hábitos. Citamos este como um notável exemplo do poder da vontade e, além disso, porque levanta um importante problema que só o Espiritismo pode resolver.

A propósito perguntava-nos o Sr. A... se seu Espírito era responsável por seus arrastamentos, ou se apenas sofria a influência da matéria. Eis a nossa resposta:

Vosso Espírito é de tal modo responsável que, quando o quisestes seriamente, detivestes o movimento sanguíneo. Assim, se tivésseis querido antes, os acessos teriam cessado mais cedo e não teríeis ameaçado a vossa mãe. Além disso, quem é que se encoleriza? É o corpo ou o Espírito? Se os acessos viessem sem motivo, poderiam ser atribuídos ao afluxo sanguíneo, mas, fútil ou não, tinham por causa uma contrariedade. Ora, é evidente que contrariado não era o corpo, mas o Espírito, muito suscetível. Contrariado, o Espírito reagia sobre um sistema orgânico irritável, que teria ficado em repouso, se não tivesse sido provocado.

Façamos uma comparação. Tendes um cavalo fogoso. Se souberdes dirigi-lo, ele se submete. Se o maltratardes, ele dispara e vos derruba. De quem a falta? Vossa ou do cavalo?

Para mim, é evidente que vosso Espírito é naturalmente irascível, mas, como cada um trás consigo o seu pecado original, isto é, um resto das antigas inclinações, não é menos evidente que, em vossa existência precedente, deveis ter sido um homem de uma extrema violência que provavelmente tivestes que pagar muito caro, talvez com a própria vida. Na erraticidade, vossas boas qualidades vos ajudaram a compreender os erros. Tomastes a resolução de vos vencer, e para isto lutar em nova existência. Mas, se tivésseis escolhido um corpo mole e linfático, não encontrando qualquer dificuldade, vosso Espírito nada teria ganho, o que resultaria na necessidade de recomeçar. Foi com esse objetivo que escolhestes um corpo bilioso, a fim de ter o mérito da luta. Agora a vitória está ganha. Vencestes o inimigo do vosso repouso e nada pode entravar o livre exercício de vossas boas qualidades.

Quanto à facilidade com que aceitastes e compreendestes o Espiritismo, ela se explica pela mesma causa. Éreis espírita há muito tempo. Esta crença era inata em vós, e o materialismo foi apenas o resultado da falsa direção dada às vossas ideias. A princípio abafada, a ideia espírita ficou em estado latente e bastou uma centelha para despertá-la. Bendizei a Providência que permitiu que esta centelha chegasse em boa hora para deter uma inclinação que talvez vos tivesse causado amargos desgostos, ao passo que vos resta uma longa carreira a percorrer na via do bem.

Todas as filosofias se chocaram contra esses mistérios da vida humana, que pareciam insondáveis até que o Espiritismo lhes trouxe o seu facho.

Em presença de tais fatos, ainda se pode perguntar para que ele serve? Não estamos em condições de emitir bons augúrios cerca do futuro moral da Humanidade quando ele for compreendido e praticado por todo mundo?

Revista Espírita 1863.

SEGUIDORES DO CRISTO

Trabalhemos no sentido de modificar nosso modo de vivenciar os ensinamentos de Jesus, realizando tudo que estiver ao nosso alcance. 

Por Francisco Rebouças (costareboucas@ig.com.br) publicado originalmente em JORNAL O CLARIM. 

Como cristãos que dizemos ser, precisamos realmente assumir as atitudes de um verdadeiro discípulo do Cristo, agindo em concordância com os ensinos e exemplos praticados por ELE e registrados em seu Evangelho renovador.

625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?

“Jesus.”

“Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava".

“Quanto aos que, pretendendo instruir o homem na lei de Deus, o têm transviado, ensinando-lhe falsos princípios, isso aconteceu por haverem deixado que os dominassem sentimentos demasiado terrenos e por terem confundido as leis que regulam as condições da vida da alma, com as que regem a vida do corpo. Muitos hão apresentado como leis divinas simples leis humanas estatuídas para servir às paixões e dominar os homens.” [1]

Quando repetimos a sublime afirmação constante da Oração Dominical que ELE nos ensinou: “Pai nosso que estais no céu”, precisamos entender que sendo Deus nosso Pai, não nos será possível transformá-lo em nosso servo particular, obrigado ao atendimento das nossas ilusões e caprichos.

Ser discípulo de Jesus é acolher SEUS inesquecíveis ensinamentos de submissão ao Criador, e estar atento para que realmente “seja feita a vossa vontade”, aceitando com equilíbrio e humildade suas determinações, sempre que nos sintamos contrariados na execução de pequeninos contratempos, que não favorecem os nossos mais fortes desejos.

Como fiéis discípulos do Cristo, necessário é que refaçamos com ELE a súplica ao Pai de Infinito Amor: “o pão de cada dia dai-nos hoje”, não solicitando egoisticamente o exclusivo atendimento às necessidades de saciar a fome apenas dos nossos familiares consanguíneos; preciso é que nos lembremos de solicitar também por milhares de mesas em todo o mundo, onde irmãos nossos desfalecem de fome, sem os devidos recursos para saciá-la.

No esforço de seguir com Cristo, não olvidemos a necessidade de entender os recursos da Soberana Justiça quando rogamos ao Pai: “perdoai as nossas dívidas”, porque para ter nossas dívidas perdoadas, também precisamos empreender o esforço imediato de deixar de cultivar aversões, malquerenças, mágoas e qualquer tipo de sentimento contrário à caridade e ao amor a Deus e ao próximo.

Na procura de melhorar moralmente, não deixemos de pedir a necessária ajuda a Deus, para nos fortalecer nos propósitos superiores e contar com o amparo do Cristo quando suplicarmos: “Não nos deixeis cair em tentação”, trabalhando com vontade e confiança para desenvolver de dentro para fora de nós mesmos os nobres sentimentos, combatendo os vícios e as más inclinações de que ainda somos portadores.

Conscientes de que, como tarefeiros do Cristo, somos também falíveis, roguemos “livrai-nos de todo mal” ao Todo Poderoso diante de injúrias e agressões de qualquer natureza contra nós dirigidas por um companheiro de caminhada evolutiva, mas tenhamos também o equilíbrio e a humildade de admitir que, em muitas oportunidades, temos sido instrumentos de angústia e infelicidade, de forma voluntária ou não, na vida de muitos de nossos semelhantes.

Dessa forma, se desejamos nos tornar verdadeiramente discípulos sinceros e dedicados do Mestre de Nazaré, não esqueçamos o resumo feito por ELE das Leis e dos Profetas quando afirmou ser preciso “Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo”, e trabalhemos com esmero e dedicação, na caridade ao necessitado, entendendo o próximo como alguém em dificuldades precisando de nossa compreensão e ajuda. Além disso, trabalhemos também no sentido de modificar nosso modo de vivenciar os ensinamentos de Jesus, não mais mantendo antigos interesses escusos sobre o que quer que seja, não olvidando o dever da fraternidade e da caridade, realizando o que esteja ao nosso alcance e ao nível de nossas possibilidades, para candidatarmo-nos a desfrutar os louros da alegria e da paz proporcionadas pela consciência tranquila do dever retamente cumprido.

“Somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra. Sem a certeza do futuro, estas máximas seriam um contrassenso; mais ainda: seriam um engodo. Mesmo com essa certeza, dificilmente se compreende a conveniência de sofrer para ser feliz. E, dizem, para se ter maior mérito. Mas, então, pergunta-se: por que sofrem uns mais do que outros? Por que nascem uns na miséria e outros na opulência, sem coisa alguma haverem feito que justifique essas posições? Por que uns nada conseguem, ao passo que a outros tudo parece sorrir? Todavia, o que ainda menos se compreende é que os bens e os males sejam tão desigualmente repartidos entre o vício e a virtude; e que os homens virtuosos sofram, ao lado dos maus que prosperam. A fé no futuro pode consolar e infundir paciência, mas não explica essas anomalias, que parecem desmentir a justiça de Deus. Entretanto, desde que admita a existência de Deus, ninguém o pode conceber sem o infinito das perfeições. Ele necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus. Se é soberanamente bom e justo, não pode agir caprichosamente, nem com parcialidade. Logo, as vicissitudes da vida derivam de uma causa e, pois que Deus é justo, justa há de ser essa causa. Isso o de que cada um deve bem compenetrar-se. Por meio dos ensinos de Jesus, Deus pôs os homens na direção dessa causa, e hoje, julgando-os suficientemente maduros para compreendê-la, lhes revela completamente a aludida causa, por meio do Espiritismo, isto é, pela palavra dos Espíritos”. [2]

Há muito temos negligenciado os esclarecimentos contidos no Consolador Prometido, e é justamente por essa razão que, na atualidade da vida, somos esses cristãos insossos, que ensinam sem crer e pregam sem praticar, trazendo um intelecto desenvolvido mas carregando um coração frio e amargo, transbordando indiferença.

Que Jesus nos guie e guarde hoje e sempre!

1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. FEB, 76ª edição.
2. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. FEB, 112ª edição. Cap. VI, Item 3.

TORMENTOS VOLUNTÁRIOS


O homem está incessantemente em busca da felicidade que lhe escapa sem cessar, porque a felicidade sem mescla não existe na Terra. Entretanto, malgrado as vicissitudes que formam o cortejo inevitável desta vida, poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa, mas ele a procura nas coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, quer dizer, nos prazeres materiais, ao invés de a procurar nos prazeres da alma, que são um antegozo dos prazeres celestes, imperecíveis; em lugar de procurar a paz do coração, única felicidade real deste mundo, é ávido de tudo aquilo que pode agitá-lo e perturbá-lo; é, coisa singular, parece criar propositadamente tormentos que não cabe senão a ele evitar.

Haverá maiores tormentos que aqueles causados pela inveja e o ciúme? Para o invejoso e o ciumento não há repouso; estão perpetuamente em febre; o que eles não têm e o que os outros possuem lhes causam insônia; os sucessos dos seus rivais lhes dão vertigem; sua emulação não se exerce senão para eclipsar seus vizinhos, toda sua alegria está em excitar nos insensatos como eles a cólera do ciúme de que estão possuídos. Pobres insensatos, com efeito, que não sonham que talvez amanhã lhes será preciso deixar todas essas futilidades cuja cobiça envenena sua vida! Não é a eles que se aplicam estas palavras: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados", porque seus cuidados não são daqueles que têm compensação no céu.

De quantos tormentos, ao contrário, se poupa aquele que sabe se contentar com o que tem, que vê sem inveja o que não tem, que não procura parecer mais do que é. Ele está sempre rico porque, se olha abaixo de si, em lugar de olhar acima, verá sempre pessoas que têm menos ainda; é calmo, porque não cria para si necessidades quiméricas, e a calma, no meio das tempestades da vida, não será felicidade? (FÉNELON, Lião, 1860)

De o Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, ítem 23

terça-feira, 21 de junho de 2016

SEPARAÇÃO

“Todavia, digo-vos a verdade: a vós convém que eu vá.” — Jesus.
(Jo 16, 7.)
Semelhante declaração do Mestre ressoa em nossas fibras mais íntimas. 

Ninguém sabia amar tanto quanto Ele, contudo, era o primeiro a reconhecer a conveniência da partida, em favor dos companheiros. 

Que teria acontecido se Jesus teimasse em permanecer? 

Provavelmente, as multidões terrestres teriam acentuado as tendências egoísticas, consolidando-as.

Porque o Divino Amigo havia buscado Lázaro no sepulcro, ninguém mais se resignaria à separação pela morte. Por se haverem limpado alguns leprosos ninguém aceitaria, de futuro, a cooperação proveitosa das moléstias físicas. O resultado lógico seria a perturbação geral no mecanismo evolutivo. 

O Mestre precisava ausentar-se para que o esforço de cada um se fizesse visível no plano divino da obra mundial. De outro modo, seria perpetuar a indolência de uns e o egoísmo de outros. 

Sob diferentes aspectos, repete-se, diariamente, a grande hora da família evangélica em nossos agrupamentos afins. 

Quantas vezes surgirá a viuvez, a orfandade, o sofrimento da distância, a perplexidade e a dor por elevada conveniência ao bem comum? 

Recordai a presente passagem do Evangelho, quando a separação vos faça chorar, porque se a morte do corpo é renovação para quem parte é também vida nova para os que ficam.

Emmanuel (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier, 
no livro "Pão Nosso". 

domingo, 19 de junho de 2016

REUNIÃO MEDIÚNICA

A proposta espírita é moral e os fenômenos devem ser entendidos pela função de aprendizado que exercem. 


Por Walkiria Lúcia de Araújo Cavalcante (walkiria.wlac@yahoo.com.br) publicado originalmente JORNAL O CLARIM.

“Uma reunião é um ser coletivo, cujas qualidades são a resultante das de seus membros e formam como que um feixe. Ora, este feixe tanto mais força terá quanto mais homogêneo for.”[1]

Há ainda uma grande massa que aporta nas fileiras espíritas e buscam nos fenômenos a solução para os seus problemas, não entendendo que a proposta espírita é eminentemente moral e que a mediunidade surge como uma explanação da necessidade humana dos dois planos, físico e espiritual, para aprendizado, acolhimento e realinhamento de conduta. Tais reuniões devem prescindir de regras basilares para sua execução, que encontramos em O Livro dos Médiuns e outras obras correlatas que servem para desdobrar o conhecimento ali contido.

O primeiro ponto a ser destacado com relação às reuniões mediúnicas é que elas são reuniões fechadas. O Livro dos Médiuns, no item 335, fala da intimidade, do silêncio e do recolhimento conseguido nas reuniões fechadas e com número restrito de participantes. A própria prática vem corroborar tal informação. Ainda somos criaturas extremamente orgulhosas e vaidosas. Num grupo grande existe a tendência de formação de subgrupos, trazendo prejuízo para o bom andamento dos trabalhos. O livro Reuniões Mediúnicas, de autoria do Projeto Manoel Philomeno de Miranda, traz a síntese do pensamento de alguns expoentes espíritas sobre o quantitativo dos presentes. André Luiz, catorze pessoas; Allan Kardec, quinze a vinte; León Denis, quatro a oito; Hermínio Miranda, duas pessoas.

O mais importante quanto à quantidade é que o dirigente dos trabalhos esteja consciente de sua responsabilidade perante a reunião e se ele tem condições doutrinárias de coordenar um grupo com vinte pessoas, por exemplo, ou se não seria mais razoável um grupo com cinco. Agregado a estes dois primeiros pontos levantados (a reunião ser fechada e o quantitativo de encarnados presentes), somam-se dois outros importantes: a pontualidade e a assiduidade. À reunião mediúnica não se permite improvisos. Há um preparo antecipado de 24, 48 e em alguns casos de 72 horas antes para a reunião que ocorrerá. Temos que ter um compromisso com o trabalho e com aqueles que estão esperando por nós, encarnados ou desencarnados para a execução do mesmo.

O estudo e a disciplina mental também constituem outro capítulo muito importante para aqueles que participam de reunião mediúnica. Há uma total vinculação entre a educação para a vida e a educação mediúnica. Não podemos acreditar que os espíritos nos suplantem a deficiência do conhecimento espírita na execução dos trabalhos. Precisamos estudar incansavelmente para que não sejamos instrumentos passivos nas mãos daqueles que querem deturpar o conhecimento espírita, sejam encarnados ou desencarnados.

Quando estudamos, criamos um verdadeiro baú mental do qual os bons amigos espirituais se utilizam para transmitirem as informações que queiram repassar. Precisamos ter também a melhor disciplina mental possível na vida e mais ainda no momento em que os trabalhos mediúnicos estão se desenvolvendo. Não importa se somos o dirigente, médiuns, doutrinadores, passistas ou fazemos parte da equipe de apoio. Se ali estamos é porque fazemos parte de forma ativa dos trabalhos que estão se desenvolvendo.

Quando falamos da divisão na execução dos trabalhos, acaba por gerar certa discórdia entre os membros, pois alguns, erroneamente, consideram-se mais importantes por serem médiuns ou doutrinadores em detrimento da equipe de apoio. Somos todos importantes na execução do trabalho, devendo existir uma cordialidade recíproca [2] entre os participantes. Somando-se a tudo o que foi falado antes, verificamos que nem todos que desejam participar de uma reunião mediúnica o podem fazer.

O livro Reuniões Mediúnicas traz a seguinte afirmação de Nilson sobre os participantes das reuniões mediúnicas, posição esta que defendemos e praticamos na instituição a qual estamos vinculadas: “(...) devemos selecioná-los pelo seu empenho, assiduidade, caráter, devotamento e interesse em querer participar ativa e responsavelmente do grupo”. Não é algo que se improvisa ou que se seleciona por amizade. Estamos falando de Doutrina Espírita e do trato do encarnado como os espíritos num momento de profundo entrosamento físico e espiritual no qual todos os envolvidos formam um circuito fechado, o feixe de varas preconizado por Jesus.

Seguindo princípios básicos de orientação teremos a assistência dos bons espíritos nas nossas reuniões mediúnicas, tendo a certeza que não existe infalibilidade e que estamos no processo de ajustamento moral. O Livro dos Médiuns fala do médium perfeito que estenderemos o entendimento para os grupos mediúnicos perfeitos. “Perfeito, ah! bem sabes que a perfeição não existe na Terra, sem o que não estaríeis nela. Dize, portanto, bom médium e já é muito, por isso que eles são raros. Médium perfeito seria aquele contra o qual os maus Espíritos jamais ousassem, uma tentativa de enganá-lo. O melhor é aquele que, simpatizando somente com os bons Espíritos, tem sido o menos enganado” [3].

O estudo, a disciplina e o exercício na busca de retidão moral nos levam à mudança de atitude e ao amparo dos amigos amoráveis do bem que se vinculam a nós no desenvolvimento da tarefa. Algo construído e solidificado com o bom exercício desta. Repetimos: não há improvisos, há estudo, disciplina, dedicação e amor.

1. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 
Capítulo XXIX, item 331.
2. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 
Capítulo XXIX, item 341.
3. KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 
Capítulo XX, item 226, 9ª questão.

O GRANDE DESAFIO DE REENCARNAR MULHER

Por Simone Mattos 

Reportagem publicada na edição 27 da SER Espírita impressa.







Espírito não tem sexo. Mas, qual seria então a finalidade, do ponto de vista da evolução do ser, em reencarnarmos como homens ou mulheres? A resposta, segundo Allan Kardec, é que a possibilidade do mesmo espírito animar ambos os sexos permite a ele maior evolução. “Aquele que encarnasse sempre como homem, apenas saberia o que sabem os homens”, diz, no capítulo quatro de O Livro dos Espíritos. A mesma obra de Kardec afirma ainda que, como não têm sexo, os espíritos encarnam ora como homens, ora como mulheres. “Como devem progredir em tudo, cada sexo, assim como cada posição social, lhes oferece provas, deveres especiais e a ocasião de adquirir experiência”.

Ser homem ou mulher, na opinião do professor universitário, sociólogo e pesquisador da Doutrina Espírita há três décadas, Airton Laufer Junior, representa sempre uma oportunidade de crescimento, progresso e desenvolvimento para o espírito. A opinião é compartilhada por outros estudiosos da Doutrina Espírita, como a professora e doutora em Educação Cleusa Maria Fuckner, que estuda a Doutrina há mais de 20 anos. “Entendo que nascemos em corpos femininos ou masculinos de acordo com a necessidade da experiência que precisamos vivenciar em cada encarnação”, afirma.

Laufer comenta que, quando devidamente consciente, responsável e num estágio de conhecimento que lhe permita discernir sobre o valor das experiências como homem ou mulher na Terra, o espírito pode aproveitar a melhor oportunidade possível naquele momento de sua história. “Assim, consegue alcançar objetivos maiores, realizar projetos de vida, desempenhando papéis e status que são característicos do homem ou da mulher na Terra”, explica. Ele cita a possibilidade da mulher vivenciar o papel de mãe, a primeira educadora inserida na biografia dos indivíduos, o que contribui para a educação dos mais jovens e no preparo do cidadão para a vida social. “Como esposa e companheira, dos lares mais simples aos mais luxuosos, a mulher é o alicerce da casa”, cita como outro exemplo. “A mulher é figura forte que frequenta as mais diversas profissões, bancos escolares, países e culturas”, comenta.

Laufer lembra ainda que a opção ou escolha em reencarnar como mulher estaria sempre subordinada ao estágio de evolução do espírito. “Se não houvesse oportunidade de reencarnar como mulher, o espírito nunca aprenderia aspectos do mundo feminino, da psicologia da mulher”, observa.

DESAFIOS

As diferentes experiências vividas pelo espírito encarnado num corpo do sexo feminino ou masculino são, em grande parte, provocadas pela desigualdade de direitos e deveres imposta pela sociedade da Terra. “Em países com histórico de repressão à mulher, como o Afeganistão, por exemplo, a situação é ainda mais crítica, com todo tipo de agressão motivado pela ignorância masculina, pelos valores de culturas retrógradas e preconceituosas”, explica Laufer.

Na análise da pesquisadora Célia, nas últimas décadas a mulher conquistou muitos espaços, mas o desafio ainda é conseguir igualdade plena, solidariedade e superação de dramas como a culpabilidade e a submissão a condições de violência e opressão. “É necessário promover o diálogo e o enfrentamento das condições injustas”, diz.

O fato é que, mesmo em países como o Brasil, governado por uma mulher, é ainda patente o preconceito, a discriminação e a falta de oportunidades de estudo, trabalho, de condições dignas de vida para muitas mulheres. “Particularmente, em regiões mais isoladas do país, em comunidades tradicionais onde o preconceito e a discriminação são velados e onde não houve tantos avanços sociais como apregoa a propaganda política oficial”, diz Laufer. Ele comenta que houve avanços, mas que estes ainda são tímidos, no que diz respeito à igualdade de condições entre sexos no Brasil. “Para uma democracia extremamente jovem que somos, conquistamos alguns avanços, mas a passos lentos”.
Segundo Laufer, à medida em que melhorarmos o nosso sistema de ensino, com oportunidades de crescimento, progresso e desenvolvimento para todos, poderemos mudar essa lógica. “O Brasil não pode continuar com a imagem do país do futebol, de mulheres seminuas, do paraíso tropical no mundo. É preciso dar oportunidades para todos, investir no ser humano, dando a cada cidadão a oportunidade de estudar, trabalhar, ter saúde e condições dignas de vida, atendendo os anseios tanto dos homens quanto das mulheres”. Ou seja, apenas teremos um mundo de paz, harmonia e amor, se verdadeiramente houver a promoção incondicional do ser humano, seja homem ou mulher. “Por isso, devemos lutar para construirmos juntos uma sociedade com mais justiça social para todos”, diz Laufer.

A administradora de Marketing e consultora de Comunicação e Mobilização Social para o Terceiro Setor, a mineira Adriana Torres, concorda que houve conquistas, mas ainda há muito para caminhar. “Hoje podemos votar e sermos votadas, temos acesso à educação e podemos escolher nossos companheiros. Mas, ao mesmo tempo, é triste ver que tantos direitos ainda são vistos como privilégios”, diz. Estudiosa do Espiritismo desde a adolescência, Adriana é uma das articuladoras do Coletivo Feminista Marcha das Vadias BH. Ela acredita que cada um de nós precisa vencer individualmente uma série de preconceitos culturais, arraigados em nossa cultura para avançar na lenta caminhada da busca de uma real igualdade entre os sexos. “É preciso reconhecer a mulher como um ser autônomo e capaz. E isso não é apenas questão de direitos humanos, mas a diminuição da desigualdade social e econômica provocada pela discriminação”, diz Adriana.

Ela afirma que, não por acaso, entre os Objetivos do Milênio da ONU aparece o desafio de “promover a igualdade entre os gêneros e dar mais poder às mulheres”, o que se tornou uma meta mundial. Segundo a lei de Causas e Desdobramentos, todos nós, que consciente ou inconscientemente promovemos a cultura da opressão ou não valorização do papel feminino na sociedade terrena, estaremos sujeitos a vivenciar os resultados das nossas atuais ações e omissões em nossas futuras encarnações. Isto se dará tanto como filhos e filhas de futuras mamães, assim como espíritos encarnados no papel de mulheres. Isto não significará nem resgate e nem castigo, mas simplesmente efeitos de uma cultura que ajudamos a criar ou contra a qual decidimos não agir.

RESPONSABILIDADE

Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de famílias chefiadas por mulheres no país passou de 22,2% para 37,3%, entre 2000 e 2010. Também aumentou o número de mulheres solteiras com filhos e o percentual de casais sem filhos. O número de casais sem filhos passaram de 14,9% para 20,2% do total de famílias brasileiras, o que significa que um a cada cinco casais brasileiros não tem herdeiros.

Mas, o que significa essa mudança que vem ocorrendo no perfil da mulher brasileira, que inclui ainda avanços como a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 e que visa a aumentar o rigor das punições das agressões contra as mulheres, ocorridas no âmbito doméstico ou familiar? “Vivemos em uma sociedade consumista em que a imagem feminina ainda é usada para comércio e exploração, porém cada vez mais percebemos as pessoas tendo consciência destas representações”, analisa a professora e doutora em Educação Cleusa Maria Fuckner. Ela comenta que, atualmente, é possível denunciar abusos no uso da imagem e que tais discussões são temas recorrentes nas redes sociais. “Percebo que os jovens hoje conseguem ter mais análise crítica sobre esta temática do que tínhamos no passado”, diz. “As questões de gênero e diversidade estão inseridas no universo escolar e a Lei Maria da Penha é um avanço, porém, ao mesmo tempo, ainda é assustador dados do aumento do numero de casos de estupros, não só no Brasil, mas no mundo”, diz a estudiosa.

Ou seja, avançamos muito, mas ainda há muito em que avançar. Estamos vivendo um processo de resgate do respeito e da valorização feminina, o que, certamente, proporcionará uma sociedade mais justa e com melhores condições de evolução aos espíritos encarnados.

O TAMANHO QUE SOU


Por Ricardo Gondim, publicado originalmente AQUI.

Eu sou maior que os meus sonhos. Fantasio. Viajo no tempo; vou e volto nos devaneios, mas continuo maior que me imagino.

Eu sou do tamanho das minhas inadequações. Não me atormento com o que me falta. Enriqueço com o que me tornei. Celebro a percepção, ao mesmo tempo cruel e fascinante, de saber-me incompleto. Guardo uma sede insaciável de eternidade. Morrerei. Não tento negar a trilha por onde seguem os mortais. Retornarei, um dia, à inconsciência da minha pré-história. Nadarei no útero de Deus com a mesma paz que nadei no ventre de minha mãe. Isso não parece sina. É privilégio. Trato o presente com delicadeza. Nele deposito as sementes dessa aspiração futura.

Eu sou maior que a imagem que reflito nas águas. A ideia que nutro sobre mim mesmo está contaminada. Sou influenciado com rasgos elogiosos. Quem me ama me vê bonito. Às vezes acredito. Também creio que fui envenenado pelo ódio de quem me antipatiza. Construo-me com as opiniões subjetivas dos que me rodeiam. Juízos de valores pesam. Carinho e amizade contam. Continuo uma ideia, uma abstração. Ninguém traça a versão verdadeira sobre mim.

Coexistem duas personagens dentro de mim: o mito e o sujeito real. Os dois se confundem. Abrão e Abraão, Jacó e Israel, Simão e Pedro, Saulo e Paulo não poderiam ser distinguidos um do outro. Nem eu. Reagi às experiências da vida do meu modo. Criei calos, envernizei arestas, costurei rasgos, untei feridas. Sinto cócegas na alma, lá onde nenhum outro sabe. Meu espírito se comove sem que consiga explicar os porquês. Meu coração tem razões únicas.

Sou inédito. Absorvi alegrias e amarguras de um jeito exclusivo. A mescla de lágrimas e risos forma, em minha peculiaridade, um universo distinto chamado eu.

Eu sou maior que as minha convicções. Penso, medito, reflito, repenso e regurgito ideias. Não esgoto os questionamentos infantis. Por que existe algo e não o nada? Como o mal se universalizou? De onde vem a intuição sobre alguém ou algo divino? Por que o conhecimento e a ignorância sobre mim desafiam e angustiam?

Continuo encafifado. Noto a vida curta. Fortuna foi deusa aleatória, intermitente e sem discrição na distribuição de suas bênçãos. Não sofri demais como não experimentei a riqueza. Assim, meu universo de dúvidas permanece maior do que a minha diminuta gleba de certezas.

Eu sou maior que a minha saudade. Por ser longevo fiquei órfão. Perdi amigos e muita gente querida. Assisto, impotente, à inclemência do tempo. Ele condena ao anonimato rostos que mal recordo o nome. Já me perco na vizinhança onde cresci. Eventos se esfumaçam na memória. Lamento ver o rio do devir levar, enxurrada a baixo, anos dourados, adolescência corajosa e juventude idealista. Saudade é dor sem cura, pois aflige sem arrefecer. Se a saudade dá alguma trégua, é por pouco tempo – ela pode aumentar os intervalos da dor, feito parto, mas nunca passa.

Eu sou maior que as ideias que desenvolvi sobre Deus. No grande mistério, penso pequeno. Sei que Deus mora além de qualquer substantivo que o defina. Quando medito sobre ele, caminho em margens rasas. Depois de tudo que estudei, li, escrevi e falei sobre o Eterno, nada sei ainda. Fecho os olhos e penso que Deus talvez seja como um senhor portentoso, diáfano, e magnífico reitor do universo. Rápido retrocedo. Reconheço que acabo de criar um ídolo. Deus vem das águas profundas do “não sei”. Lá, onde nenhum profeta conseguiu tomar pé, habita o imarcescível.

Sou maior do que me imagino em diversas áreas. Contudo, não tenho a menor ideia do que isso significa.