Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 27 de fevereiro de 2016

FAMÍLIA - ESTEIO DA SOCIEDADE

Publicado originalmente em Grupo André Luiz.


Que razões teriam levado o insigne Codificador, Allan Kardec, a incluir o tema “família” no capítulo “Lei (Moral) de Sociedade”, em O Livro dos Espíritos? Será apenas porque o estudo da família pertence ao âmbito da Sociologia? Esta é uma indagação bem instigante, que merece algumas reflexões.

Convém iniciar, recordando que em 1994 a ONU instituiu o Ano Internacional da Família em seu calendário oficial, cujo lema foi “construir a pequena democracia no coração da sociedade”, o que demonstra a importância da família para o mundo contemporâneo, conquista nobre do processo antropológico-sociológico.

A família é instituição que remonta às origens da Humanidade e que varou os milênios, preservando seus valores essenciais. O homem, ser gregário, movido pelo instinto de conservação, desde os tempos primevos, sentiu a necessidade de viver em grupos como forma de vencer os desafios da sobrevivência.

Forjados no decorrer dos milênios, sob as mais penosas e variadas circunstâncias, os núcleos sociais foram moldando os valores culturais de cada época, gerando a certeza de que a criatura, isolada, nada pode, o que confirma o aforismo de que “o homem não é uma ilha”. Entretanto, essa convivência, para ser pacífica e indutora do progresso intelecto-moral, depende do entrosamento entre os indivíduos.

Com o tempo, a experiência mostrou que esse intercâmbio não seria profícuo se permanecesse na promiscuidade dos primórdios, sob o risco de as criaturas perderem seus referenciais e comprometerem sua própria identidade. É quando o homem se descobre também como um ser moral, receptível à monogamia [1] e sujeito aos valores éticos. Baseado em estudos e pesquisas, Franz de Wall, primatologista holandês, concluiu:

É um erro [...] julgar que a moralidade do homem surgiu do nada ou que é somente um produto da religião e da cultura. [2]

Assim, estimulada por diversos fatores, externos e internos, e organizada em pequenos núcleos familiares, a população foi aumentando, até que descobriu no casamento “um progresso na marcha da Humanidade” [3]. É claro que todo esse conjunto de fatores não se deu aleatoriamente, mas ocorreu sob a supervisão de um planejamento espiritual superior:

[...] Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família tornam mais apertados os laços sociais: eis por que os laços de família são uma lei da Natureza. Quis Deus, dessa forma, que os homens aprendessem a amar-se como irmãos [4].

A família apresenta-se como uma sociedade em miniatura, que lhe garante o status de berço da civilização. Ela é para a sociedade o que a célula é para o organismo: mantém sua individualidade e autonomia, mas interage com a outra em constante interdependência.

Para grande parte das pessoas, a família continua sendo vista apenas como a reunião de indivíduos do mesmo sangue. Refletindo essa visão reducionista da família, alguns estudiosos terrenos conceituam-na como “um grupo social caracterizado por residência comum, cooperação econômica e reprodução”, ao qual se reconhecem quatro funções fundamentais: a sexual, a econômica, a reprodutiva e a educacional. A primeira e a terceira são importantes para a manutenção da própria sociedade, a segunda para a manutenção da vida e a quarta para a manutenção da cultura [5].

A Doutrina Espírita, porém, expande esse conceito, mostrando-o não só do ponto de vista material, mas apresentando-o sob uma nova perspectiva:

[...] Os verdadeiros laços de família não são, pois, os da consanguinidade e sim os da simpatia e da comunhão de pensamentos, que prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações. [...]

Há, pois, duas espécies de famílias: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corpóreos. As primeiras são duráveis e se fortalecem pela purificação, perpetuando-se no mundo dos Espíritos através das várias migrações da alma: as segundas, frágeis como a matéria, se extinguem com o tempo e muitas vezes se dissolvem moralmente, já na existência atual [...] [6].

Com a propagação do conceito reencarnatório, difundido pelo Espiritismo, o instituto da família tornou-se mais transparente, demonstrando que os vínculos existentes entre as gerações não se rompem com a morte física. Pelo contrário, continuam por meio dos sucessivos processos de renascimento.

O Benfeitor espiritual Emmanuel resume, em perfeita concisão, que o instituto da família é organizado no plano espiritual, antes de projetar-se na Terra:

– O colégio familiar tem suas origens sagradas na esfera espiritual Em seus laços, reúnem-se todos aqueles que se comprometeram, no Além, a desenvolver na Terra uma tarefa construtiva de fraternidade real e definitiva [7].

Portanto, a missão da família transcende os valores puramente materiais, restritos ao desenvolvimento econômico e cultural. Sua missão é a de estreitar os laços sociais, o que é feito por meio da reencarnação, que vem a ser o filtro pelo qual os Espíritos se aprimoram, progridem, proporcionando a depuração gradual da sociedade.

É, pois, nos lares que se moldam as famílias. Não se confunda, porém, casa com lar. A casa é a edificação material: o alicerce, as paredes, o telhado... Já o lar é a edificação espiritual: a reunião de pessoas, com finalidades evolutivas, onde se exercita o perdão, a renúncia, a abnegação, a cooperação mútua, elementos imprescindíveis à construção do amor: “A melhor escola ainda é o lar, onde a criatura deve receber as bases do sentimento e do caráter” [8].

Reportando-se ao dever de cada um, perante o núcleo familiar, Jesus ensinou que “todo aquele que faz a vontade de Deus [isto é, que observa a lei de amor, consagrada nas leis morais], esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, [9] independentemente dos laços consanguíneos.

Com frequência, são realizados estudos sociais e pesquisas sobre a família e sobre o casamento. [10] Eles sempre indicam que os valores familiares continuam em alta na sociedade moderna, acima até mesmo do trabalho ou da carreira profissional.

Tais estudos apenas vêm corroborar a exatidão e a excelência dos ensinos de Jesus, ministrados há vários séculos, reforçando o pensamento espírita de que a família não está em decadência, como se acredita.

Muitos foram os testes pelos quais a família passou e vem passando, por conta das guerras, das tentativas de dominação político-religiosa, do materialismo e até por conta dos avanços científicos, marcados pelas conquistas tecnológicas, que revolucionam os costumes e influenciam na elaboração das leis.

Esses e outros fenômenos, aos quais a família se adapta de forma surpreendente, não foram capazes de invalidar a sua importância e indispensabilidade no concerto das nações globalizadas. Isso vem confirmar que a solidez de suas estruturas deita raízes nas leis divinas ou naturais, demonstrando mais uma das facetas de sua missão: sublimar os sentimentos, que estão acima das etiquetas sociais, dos brasões familiares, das tradições e dos costumes os quais dão origem às culturas transitórias do preconceito e da ilusória supremacia de raças e de povos.

Se a família é o nosso dever imediato, a Humanidade é o nosso campo de serviço. Fugir do lar em nome da Humanidade, por egoísmo, é abandonar o dever, dando como desculpa o dever. Desprezar a Humanidade, sem justo motivo, em nome do lar, é implantar o egoísmo onde devemos estender a caridade.

Ao final destas reflexões, deduzimos que a inclusão, por Kardec, do tema família no capítulo da “Lei [Moral] de Sociedade” obedeceu a uma inspiração superior, pois tudo o que acontece na sociedade é reflexo do que se passa na família, mais um motivo para que lhe dispensemos toda nossa atenção e zelo, pois é nela que se assenta a base da edificação de uma sociedade espiritualizada e feliz.


1. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 701.

2. Entrevista. “A moral é animal”. In: Revista VEJA, São Paulo, Ed. Abril, n. 2.022, ago. 2007, p. 12.

3. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 695.

4. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 774.

5. Apud Enciclopédia mirador internacional, v. 9, p. 4.489.

6. KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010, Cap. 14, it. 8, p. 291-292.

7. XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel 28. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 175.

8. Idem, ibidem. Q. 110.

9. MATEUS, 12:46-50.

10. Valores familiares estão em alta na Europa, aponta pesquisa. Disponível em: http: /www.uol.com.br/folha/reuters/ult112u 1873.shl. Acesso em: 18/7/2002; Revista VEJA. São Paulo. Ed. Abril: 11/8/1999, p. 98 e ss. (Viva o Casamento!), 8/3/2006, p. 104 e ss. (Vale a pena consertar?), e 25/8/2010, p. 98 e ss. (Casamento: por que ele continua a valer a pena); e GOTTMAN, John. Inteligência emocional e a arte de educar nossos filhos. 26. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. p. 36 e ss.


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