Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

ARROGÂNCIA COMPETITIVA

“Médiuns invejosos: os que veem com despeito os outros médiuns, melhor apreciados e que lhes são superiores.” 

(O Livro dos Médiuns – 2ª parte – Capítulo XVI – Item 196 - § 13)


Aquilo que sentimos diante de qualquer situação ou pessoa reflete totalmente sobre nossa historia de vida, quer dizer, de nossas experiências passadas (desta ou de outras vidas), de nossa busca presente e de nosso futuro. Compreender nossos sentimentos é entender as raízes de nossas reações perante o mundo que nos rodeia.

Nossos sentimentos podem nos mostrar sobre nós mesmos. Não podemos nos intimidar diante deles, mas simplesmente deixá-los fluir. Qualquer julgamento precipitado ou preconcebido a respeito deles distorcerá o que eles querem nos dizer ou mostrar.

Nossas emoções por si sós, não podem ser consideradas meios de confirmação ou de demonstração para dizer quem somos, ou mesmo, para provar nosso real valor. Não é porque temos eventuais crises de inveja que devemos ser considerados indivíduos “maus”; da mesma forma, quando cultivamos sentimentos esporádicos de generosidade, também não podemos ser chamados de “pessoas bondosas”.

Sentir alguma coisa não quer dizer que vamos manifestá-la ou colocá-la em prática; significa que, quando nós nos permitimos “sentir”, conseguiremos gradativamente compreender a nós mesmos e, assim, iniciar a nossa transformação íntima. 

Conhecer os verdadeiros motivos de tudo aquilo que impulsiona as nossas ações nos permitirá dirigir nossos sentimentos, fazendo o que nos parece ser direito e tomando decisões importantes para nosso crescimento interior. Em realidade, a causa de tudo está dentro e não fora de nós. 

As pessoas que não percebem claramente os sentimentos que antecedem suas atitudes com clareza estão presas em recantos escuros de sua casa mental, onde forças imperceptíveis e envolventes – fora de seu comando – deturpam sua percepção das situações e das pessoas. Os indivíduos, ao invés de rejeitar seus sentidos, deveriam usá-los como guias para interpretar sua vida interior. Eles definem e iluminam nossa compreensão em contato com a esfera física e a astral. São nossos aliados, e não inimigos.

Os sentidos que não se comunicam com os próprios sentimentos costumam não se comunicar também, de maneira adequada, com os dos outros. “Médiuns invejosos: os que veem com despeito ou outros médiuns, melhor apreciados e que lhe são superiores”. O sentimento de inveja é uma forma (quase sempre inconsciente) que a inferioridade encontra de homenagear os que possuem merecimento.

A inveja de originalidade acarreta uma imitação incessante – assim como o desejo de copiar a espontaneidade dos indivíduos criativos. Seria interessante perguntarmos a nós mesmos o porquê desse comportamento invejoso. Onde está tudo isso em nós? Poderemos encontrar a própria intimidade a verdadeira razão da “atitude de rivalidade ou despeito”, que, em muitas ocasiões, é vista como uma antipatia gratuita.  Poderíamos dizer que o invejoso procura apaziguar seu inimigo interno, difamando ou maldizendo os outros. É como se ele pensasse de si para consigo: “preciso tomar uma postura acusadora para não ter problema de autoacusação”.

A hostilização dos invejosos para com os outros perpetua a situação do desconhecimento de si mesmos, o que, por sua vez, os mantém num falso pedestal de “seres geniais”.

Embora certos médiuns estejam fervilhando na baixa autoestima e na frustração, ainda continuam se posicionando num “sentimento de superioridade”, para conquistar o mundo exterior. Eles se consideram “pessoas muito especiais” e se utilizam de conversas interessantes e de uma enorme capacidade imaginativa para desvendar vidas passadas, reencontros e desencontros reencarnatórios, missões sublimadas e outras tantas revelações, passam a sublimar, de forma engenhosa, a tarefa mediúnica de outros médiuns, sem que ninguém perceba a “arrogância competitiva” que eles nutrem em seu mundo íntimo.

De modo geral, no exercício da mediunidade, os indivíduos registram e transmitem mensagens de entidades infelizes que se ligam em seus pontos fracos, razão pela qual os médiuns ativos estão constantemente fazendo um trabalho de autodesobsessão. Por outro lado, os sensitivos que entram em contato consigo mesmos – ouvindo seus sentimentos e prestando atenção em suas emoções – transmitem orientações esclarecedoras, faladas ou criticas, porque estão sabiamente iluminados em suas experiências de autoconhecimento pelas esferas superiores da Vida Excelsa. Médiuns que não sabem de onde derivam seus pensamentos, atos e atitudes, não possuem uma real consciência do processo mediúnico e das forças espirituais que os envolvem.

Nem sempre quem possui um vasto conhecimento doutrinário e uma excelente memória tem noção exata do significado profundo de seus sentimentos, atos e atitudes. Às vezes as pessoas utilizavam simplesmente seu intelecto e racionalizam as mais óbvias percepções que emergem de seu mundo íntimo, afastando dessa forma, a compreensão real delas mesmas e do que os Espíritos (encarnados ou não) sentem e querem dizer.  A Ignorância de nós mesmos nos leva a uma multiplicidade de comportamentos e, por consequência, a um emaranhado de “eus” desconexos. Quando não sabemos o que somos e como somos, desconhecemos nossos traços de caráter – lealdade, coragem, talento e habilidade para criar e amar. E, em virtude disso, envolve-nos uma “sensação de insignificância”, que provoca a frustração, cria a inveja e leva à hostilidade.

Nossos “sentimentos inadequados” têm muito a nos ensinar. A conduta invejosa pode nos ser muito útil ou benéfica, se soubermos transformá-la em uma atitude oposta – admiração. Ela nos oferece oportunidade marcante para o crescimento interior e uma vida madura. Recordemos que os equívocos do passado podem se transformar nas virtudes do presente e, se estamos falhando hoje, amanhã, provavelmente, acertaremos.

Francisco do Espírito Santo Neto pelo espírito Hammed, 
no livro "A imensidão dos sentidos". 


Faça o download da apresentação utilizada para reflexão desse texto no curso de Educação Mediúnica do Centro Espírita Casimiro Cunha clicando A.Q.U.I.

NATAL

"Glória a Deus nas Alturas, paz na Terra e boa-vontade para com os homens." - (Lucas, 2, 14)

As legiões angélicas, junto à Manjedoura, anunciando o Grande Renovador, não apresentaram qualquer palavra de violência.

Glória a Deus no Universo Divino.

Paz na Terra.

Boa-vontade para com os Homens.

O Pai Supremo, legando a nova era de segurança e tranqüilidade ao mundo, não declarava o Embaixador Celeste investido de poderes para ferir ou destruir.

Nem castigo ao rico avarento.

Nem punição ao pobre desesperado.

Nem desprezo aos fracos.

Nem condenação aos pecadores.

Nem hostilidade para com o fariseu orgulhoso.

Nem anátema contra o gentio inconsciente.

Derramava-se o Tesouro Divino, pelas mãos de Jesus, para o serviço da Boa-Vontade.

A justiça do “olho por olho” e do “dente por dente” encontrara, enfim, o Amor disposto à sublime renúncia até à cruz.

Homens e animais, assombrados ante a luz nascente na estrebaria, assinalaram júbilo inexprimível ...

Daquele inolvidável momento em diante a Terra se renovaria.

O algoz seria digno de piedade.

O inimigo converter-se-ia em irmão transviado.

O criminoso passaria à condição de doente.

Em Roma, o povo gradativamente extinguiria a matança nos circos. Em Sídon, os escravos deixariam de ter os olhos vazados pela crueldade dos senhores. Em Jerusalém, os enfermos não mais seriam relegados ao abandono nos vales de imundície.

Jesus trazia consigo a mensagem da verdadeira fraternidade e, revelando-a, transitou vitorioso, do berço de palha ao madeiro sanguinolento.

Irmão, que ouves no Natal os ecos suaves do cântico milagroso dos anjos, recorda que o Mestre veio até nós para que nos amemos uns aos outros.

Natal! Boa Nova! Boa-Vontade!

Estendamos a simpatia para com todos e comecemos a viver realmente com Jesus, sob os esplendores de um novo dia.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito Emmanuel 
no livro "Fonte Viva".


quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

AS BÊNÇÃOS DA ALEGRIA


Quando o ser humano deixa de cumprir com os deveres que lhe dizem respeito e que são os instrumentos eficientes para o seu crescimento espiritual, é sempre dominado pela tristeza que deflui da culpa, do arrependimento, do tempo malbaratado na ilusão.

A insaciável busca do prazer termina por perturbar-lhe o discernimento, anestesiando-lhe a razão que obnubila, levando-o à solidão e à depressão. 

De igual maneira, quando se comporta estribado no egoísmo, sempre preocupado com os seus interesses, mantendo distância emocional e física da solidariedade, a ingratidão é-lhe característica definidora do caráter relapso, por ignorar todas as bênçãos de que se faz devedor em relação à vida e a todos os valores que lhe assinalam a existência. 

Pode-se compará-lo ao filho ingrato da parábola, que solicitou ao pai generoso fosse-lhe concedida a parte a que tinha direito na herança, porque queria ver-se livre da presença bondosa do idoso genitor, que por ele velava. 

Soberbo e inexperiente, recebeu os bens valiosos e partiu para o gozo exaustivo em um país distante, entregando-se à insensatez e à devassidão. 

Cercado de amigos do mesmo quilate, insensíveis e exploradores, gastou tudo quanto possuía com rapidez, porquanto, não sabendo precatar-se contra a injunção do abuso, logo foi surpreendido pela escassez, exatamente num momento em que a região passava por terrível conjuntura econômica defluente da seca em predomínio...

Abandonado, porque aqueles que o cercavam estavam interessados nas suas posses e não nele como pessoa, não teve outra alternativa exceto a de buscar um trabalho.

Desabituado com os labores que dignificam, vitimado pela ociosidade a que se entregava no comportamento fútil, nada sabia fazer, nem mesmo havia possibilidade de encontrar um serviço digno, e buscando-o com um antigo comensal do seu lar, foi encaminhado a uma pocilga...

Ali, na condição ínfima de um ser desprezível, por haver desonrado o pai que o amava e desconsiderado a tradição religiosa que abominava os suínos, por serem imundos, perdeu toda a falsa alegria a que se entregava, mergulhando em abissal amargura.

Reflexionando, porém, que lhe faltava o alimento mais grosseiro que os porcos disputavam, lembrou-se do lar generoso e do genitor afável que cuidava dos servos com justiça e bondade, tomando a resolução de retornar...

Ante o pensamento nobre, a alegria assomou-lhe à mente e o coração disparou de emoções diferentes.

Caindo em si, nessa maravilhosa viagem de reflexão profunda e de autodescoberta, não tergiversou, e empreendeu a marcha de retorno ao lar.

Do anterior jovem risonho e bem vestido, estuante de saúde e de presunção, restavam-lhe pouco, porém enriquecido de humildade e de esperança renovou-se e viajou de retorno ao lar formoso.

Ao vê-lo, a distância, o pai devotado, que sempre o esperara, pois que sabia da sua volta inevitável, correu-lhe ao encontro, abraçou-o com alegria e tomou providências para que lhe fosse restituída a dignidade que abandonara.

Sequer lhe permitiu nenhuma justificativa. Não o tendo impedido de ir-se, sofrendo em silêncio a ingratidão do jovem, nada lhe disse em reproche pelo seu retorno, porque a alegria do reencontro estava acima de quaisquer outros sentimentos de censura ou cobrança. 

O amor nada exige e sempre se irradia em bênçãos de alegria. 



A mensagem de Jesus é toda feita de alegria.

Ele pode ser chamado como o desbravador do país dos júbilos, oferecendo largamente os tesouros do amor de Deus aos tristonhos viandantes da Terra.

Francisco de Assis, ao segui-lo, passou a ser cognominado como Irmão Alegria, Cancioneiro de Deus.

Isto porque o evangelho, que é a boa nova de alegria do reino, é todo uma formulação poética de felicidade, ensinando a maneira segura de vencer-se o abismo da ignorância, saindo-se da treva para a luz, em contínua renovação interior sob as bênçãos da alegria.

Podem defini-la aqueles que eram desdenhados, expulsos do convívio social hipócrita e rigoroso do seu tempo, porque pobres, homens da terra, equivocados de vários matizes pelos pecados cometidos e pelas transgressões aos injustos estatutos legislativos eram recebidos por ele, que compartilhava das suas aflições e falava-lhes de esperança e de igualdade, após o arrependimento dos seus erros e a mudança de atitude em relação à vida.

Acolheu-os a todos que se lhe acercaram, ensejando-lhes a perfeita compreensão da valorização das horas e do significado existencial, da oportunidade que fruíam de poder ser felizes, embora a situação humilhante que vivenciavam. 

Nunca se envergonhou de conviver com eles, os infelizes, de conceder-lhes a orientação renovadora, o acesso à verdade, de compartilhar o pão e a amizade, produzindo uma incomum revolução dos costumes vigentes, atitude essa que lhe exigiu a doação da vida no madeiro infamante da cruz, que dignificou...

Jesus é o exemplo mais elevado que se conhece do amor e da alegria de viver, tendo conseguido desmistificar o Deus dos Exércitos, apresentando-O como o Pai todo amor e misericórdia, que, se rejubila quando um excluído se renova e reabilita-se, estando perdido e sendo encontrado pela sua ternura.

Esse Pai, a que ele se refere em toda a sua mensagem, é o mais extraordinário exemplo de progenitura de que se tem notícia.

Jamais censura ou pune, nunca exige ou atormenta, concedendo sempre oportunidades de refazimento àquele que se compromete com as divinas leis, esperando compassivamente a sua identificação com a verdade.

Seja qual for a situação em que se encontre a ovelha desgarrada ou a dracma perdida, ao serem encontradas, proporcionam júbilo incomum e abrem espaço para uma festa de largo porte, porque estão novamente onde devem permanecer. 

O seu perdão é feito de reconciliação e de afetividade, ensejando o crescimento moral do réprobo que O deixou de lado, quando ainda iludido pelas paixões dissolventes optou pela ilusão em detrimento da responsabilidade e do dever.

Jamais se enfastia e sempre espera com incomum generosidade porque o Seu é o amor incondicional perfeito.

Quando se compreende o ensinamento do Mestre a respeito desse sublime amor, a alegria toma conta do coração e o ser humano todo exulta, modificando as estruturas do seu pensamento e da sua conduta.

Retorno, pois, ao lar paterno é a proposta da bênção da alegria, após a deserção e o abandono do compromisso de trabalho e edificação espiritual que a todos compete.

Somente assim será possível a experiência libertadora da alegria que proporciona saúde e paz.



Se a amargura ou o desânimo, ou ambos, toma conta dos teus sentimentos, se o desconforto moral assinala as tuas horas, se a melancolia e o ressentimento assenhoreiam-se das tuas emoções, se o pessimismo e a desconfiança estão na tua conduta, procura Jesus quanto antes e reconcilia-te com a consciência.

Refaze o caminho percorrido e retorna ao seu aconchego, deixando a pocilga em que te encontras, refazendo as experiências, a fim de que ele te receba nos braços e afogue-te em ternura, libertando-te das algemas perversas do engodo, facultando-te a bênção da alegria plena.

Busca-o hoje ainda, sem postergações, porque talvez amanhã seja tarde demais...

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Divaldo Pereira Franco pelo espírito Joanna de Ângelis 
no livro "Entrega-te a Deus", capítulo 27.





quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

A RAZÃO DE SER DO HOMEM DE MARX

[...] lembra com propriedade o Dr. Humberto Mariotti, o homem de Marx, embora concebido como um mero composto físico-químico, como um organismo material governado e conduzido pelos modos de produção, revela-se já melhor do que o "homem velho", dependente da exploração capitalista e forçado a vender sua força de trabalho como mercadoria. O homem de Marx, teoricamente, é um ser liberado da exploração econômica, mas cumpre se lhe aditem as virtudes de que ainda carece: é um homem insuficiente, porque sem perspectivas metafísicas e amesquinhado em suas dimensões espirituais, incapaz de satisfazer o anelo de imortalidade que o espírito humano alimenta em suas entranhas. Marx exigiu mais desse homem do que lhe podia ofertar: esqueceu que um homem chamado a promover a transformação do velho mundo e convulsionar a sociedade decadente, a construir o mundo do futuro, não devia morrer. O homem de Marx, que termina na morte e no nada depois de se haver sacrificado pela ereção de uma civilização mais humana e mais justa, não tem quaisquer vinculações palingenésica com o processo histórico: nasce e morre desconhecendo o sentido da luta e a finalidade de sua existência. O desejo de emancipar o homem da escravidão econômica, a fim de alçá-lo à condição de cidadão livre e enobrecido pela nova ética do trabalho, levou Marx a bosquejar um homem sem implicações com o espiritual e o eterno. Crendo que o espírito representava um entrave para o advento de uma sociedade sem classes, porque tanto o filósofo idealista quanto o religioso sufocavam as reivindicações dos oprimidos ao falar-lhes de uma hipotética felicidade ultraterrena, com o que legitimavam a indiferença e o egoísmo dos opressores, o autor de "O Capital" preferiu matar o homem espiritual e suas poéticas esperanças de recompensa no mais-além, atendo-se tão-somente à realidade das coisas objetivas, e concebeu um homem material, cujo destino não ultrapassa sua morte física. Marx acreditava que a verdade jamais submete o homem, antes o eleva e melhora suas condições de vida social, e sentiu que o tipo de verdade espiritual que pregavam os teóricos do Cristianismo, pelo menos ate meados do século XIX, era o que convinha à exaltação dos potentados sobre as agruras dos humildes. Rechaçou, portanto, essa verdade espiritual sancionada pela estrutura social vigente e chegou à conclusão de que a única realidade se encontra no mundo físico e na vida material do homem, sustentando que a ciência e a verdade libertam o indivíduo e que toda ideia religiosa, tendente a sujeitá-lo com vãs promessas pós-mortais, é uma falsa verdade, ou um argumento das forças reacionárias para deter o advento da justiça social e da democracia. Todavia, se o homem de Marx – assim justificado – é um erro em seu aspecto espiritual, é não obstante uma verdade em sua face social: o gênio de Marx demonstrou à inteligência humana que o socialismo, ou o regime da propriedade coletiva dos meios de produção, é o que melhor atende aos anseios de liberdade e justiça da nova humanidade.





Jacob Holzmann Netto, no livro "Espiritismo e Marxismo", 
capítulo IV.






terça-feira, 13 de dezembro de 2016

OS SUPERIORES E OS INFERIORES


A autoridade, tanto quanto a riqueza, é uma delegação de que terá de prestar contas aquele que se ache dela investido. Não julgueis que lhe seja ela conferida para lhe proporcionar o vão prazer de mandar; nem, conforme o supõe a maioria dos potentados da Terra, como um direito, uma propriedade. Deus, aliás, lhes prova constantemente que não é nem uma nem outra coisa, pois que deles a retira quando lhe apraz. Se fosse um privilégio inerente às suas personalidades, seria inalienável. A ninguém cabe dizer que uma coisa lhe pertence, quando lhe pode ser tirada sem seu consentimento. Deus confere a autoridade a título de missão, ou de prova, quando lhe convém, e a retira quando julga conveniente.

Quem quer que seja depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do senhor sobre o seu servo, até a do soberano sobre o seu povo, não deve olvidar que tem almas a seu cargo; que responderá pela boa ou má diretriz que dê aos seus subordinados e que sobre ele recairão as faltas que estes cometam, os vícios a que sejam arrastados em conseqüência dessa diretriz ou dos maus exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos da solicitude que empregar para os conduzir ao bem. Todo homem tem na Terra uma missão, grande ou pequena; qualquer que ela seja, sempre lhe é dada para o bem; falseá-la em seu princípio é, pois, falir ao seu desempenho.

Assim como pergunta ao rico: “Que fizeste da riqueza que nas tuas mãos devera ser um manancial a espalhar a fecundidade ao teu derredor”, também Deus inquirirá daquele que disponha de alguma autoridade: “Que uso fizeste dessa autoridade? Que males evitaste? Que progresso facultaste? Se te dei subordinados, não foi para que os fizesses escravos da tua vontade, nem instrumentos dóceis aos teus caprichos ou à tua cupidez; fiz-te forte e confiei-te os que eram fracos, para que os amparasses e ajudasses a subir ao meu seio.”

O superior, que se ache compenetrado das palavras do Cristo, a nenhum despreza dos que lhe estejam submetidos, porque sabe que as distinções sociais não prevalecem às vistas de Deus. Ensina-lhe o Espiritismo que, se eles hoje lhe obedecem, talvez já lhe tenham dado ordens, ou poderão dar-lhas mais tarde, e que ele então será tratado conforme os haja tratado, quando sobre eles exercia autoridade.

Mas, se o superior tem deveres a cumprir, o inferior, de seu lado, também os tem e não menos sagrados. Se for espírita, sua consciência ainda mais imperiosamente lhe dirá que não pode considerar-se dispensado de cumpri-los, nem mesmo quando o seu chefe deixe de dar cumprimento aos que lhe correm, porquanto sabe muito bem não ser lícito retribuir o mal com o mal e que as faltas de uns não justificam as de outrem. Se a sua posição lhe acarreta sofrimentos, reconhecerá que sem dúvida os mereceu, porque, provavelmente, abusou outrora da autoridade que tinha, cabendo-lhe, portanto, experimentar a seu turno o que fizera sofressem os outros. Se se vê forçado a suportar essa posição, por não encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se, como constituindo isso uma prova para a sua humildade, necessária ao seu adiantamento. Sua crença lhe orienta a conduta e o induz a proceder como quereria que seus subordinados procedessem para com ele, caso fosse o chefe. Por isso mesmo, mais escrupuloso se mostra no cumprimento de suas obrigações, pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe está determinado redunda em prejuízo para aquele que o remunera e a quem deve ele o seu tempo e os seus esforços. Numa palavra: solicita-o o sentimento do dever, oriundo da sua fé, e a certeza de que todo afastamento do caminho reto implica uma dívida que, cedo ou tarde, terá de pagar. 


Texto atribuído ao espírito de François-Nicolas-Madeleine, o Cardeal Morlot, produzido em Paris, no ano de 1863, e inserido no livro "O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, item 9.


É O MESMO

"Pois o mesmo Pai vos ama" - Jesus (João 16, 27)
Ninguém despreze os valores da confiança.

Servo algum fuja ao benefício da cooperação. Quem hoje pode dar algo de útil, precisará possivelmente amanhã de alguma colaboração essencial.

Todavia, por enriquecer-se alguém de fraternidade e fé, não olvide a necessidade do desenvolvimento infinito no bem.

Os obreiros sinceros do Evangelho devem operar contra o favoritismo pernicioso.

A lavoura divina não possui privilegiados. Em suas seções numerosas, há trabalhadores mais devotados e mais fiéis; contudo, esses não devem ser categorizados à conta de fetiches e, sim, respeitados e imitados por simbolos de lealdade e serviço.

Criar ídolos humanos é pior que levantar estátuas destinadas à adoração. O mármore é impassível mas o companheiro é nosso próximo de cuja condição ninguém deveria abusar.

Pague cada homem o tributo de esforço próprio à vida.

O Supremo Senhor espera de nós apenas isto, a fim de converter-nos em colaboradores diretos.

O próprio Cristo afirmou que o mesmo Pai que o distingue ama igualmente a Humanidade. O Deus que inspira o médico é o que ampara o doente. Não importa que asiáticos e europeus o designem sob nomes diferentes. 

Invariavelmente é o mesmo Pai.

Conservemos, pois, a luz da consolação, a bênção do concurso fraterno, a confiança em nossos Maiores e a certeza na proteção deles; contudo, não olvidemos o dever natural de seguir para o Alto, utilizando os próprios pés.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito Emmanuel 
no livro "Pão Nosso". 




Faça o download da apresentação utilizada no Estudo das Obras de Emmanuel que ocorre todas as terças-feiras no Centro Espírita Casimiro Cunha A.Q.U.I.










sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

EM TORNO DA VIRTUDE

Se uma criatura possui enorme fortuna, podendo desmandar-se na prodigalidade ou na avareza, e busca empregá-la no bem-estar e no progresso, na educação e no aprimoramento dos semelhantes...

Se dispõe de autoridade com recursos para manejar a própria influência em seu exclusivo proveito, e procura aplicá-la no auxílio aos outros...

Se sofre acusação indébita com elementos para justiçar-se do modo que considere mais justo, e prefere esquecer a ofensa recebida, reconhecendo-se igualmente passível de errar...

Se já efetuou, em favor de alguém, todos os serviços ao seu alcance, recolhendo invariàvelmente a incompreensão por resposta, e prossegue amparando esse alguém, através dos meios que se lhe fazem possíveis, sem exigência e sem queixa...

Essa pessoa ter-se-á colocado, evidentemente, a cavaleiro das piores tentações que lhe assediavam a vida.

Todos nós, – os espíritos em evolução e resgate nas trilhas do Universo, – recapitulamos as experiências em que tenhamos falido. Ã vista disso, todas as provações na escola terrestre assumem a feição de ensinamentos e testes indispensáveis. Há quem renasça mostrando extrema beleza, física, a fim de superar inclinações ao;desregramento carregando um cérebro privilegiado para vencer a vaidade da inteligência; detendo valiosa titulação acadêmica de modo a subjugar a propensão para o abuso; ou exercendo encargos difíceis nas causas nobres, de maneira a extinguir os impulsos de deserção ou deslealdade.

Cada qual de nós, no internato da reencarnação, é examinado nas tendências inferiores que trazemos das existências passadas, a fim de aprendermos que somente nos será possível conquistar o bem, vencendo o mal que nos procure, tantas vezes quantas necessárias, mesmo alem do débito pago ou da sombra extinta.

Fácil, pois, observar que sem a presença da tentação, a virtude não aparece e assim será sempre para que a inocência não seja uma flor estéril e para que as grandes teorias de elevação não se façam sementes frustras no campo da Humanidade.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito de Emmanuel 
no livro "Alma e Coração".

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

UM IRMÃO MORTO À SUA IRMÃ VIVA


Minha irmã, tu não me evocas frequentemente; isso não me impede de vir ver-te todos os dias. Conheço teus aborrecimentos: tua vida é penosa, eu o sei, mas é preciso sofrer a sorte nem sempre alegre. Contudo, há por vezes um alívio nas penas. Por exemplo, aquele que faz o bem à custa de sua própria felicidade, pode, por si mesmo ou pelos outros, desviar o rigor de muitas provas.

Neste mundo, é raro ver-se fazer o bem com essa abnegação. Sem dúvida é difícil, mas não impossível, e os que têm essa sublime virtude são realmente os eleitos do Senhor. Se nos déssemos conta dessa pobre peregrinação na Terra, compreenderíamos isto. Mas assim não é: os homens se apegam à busca dos bens, como se devessem ficar sempre em seu exílio. Contudo, o bom-senso comum e a mais simples lógica demonstram, diariamente, que aqui não passamos de aves de arribação e que os que têm menos penas nas asas são os que chegam mais depressa.

Minha boa irmã, para que serve a esse rico todo esse luxo, todo esse supérfluo? Amanhã estará despojado de todos esses vãos ouropéis para descer ao túmulo, para onde nada levará! É verdade que fez uma linda viagem; nada lhe faltou; não sabia mais o que desejar e esgotou as delícias da vida. Também é certo que, em seu delírio, por vezes lançou, sorrindo, uma esmola nas mãos de seu irmão. Por isso terá retirado algo de sua boca? Não, porque não se privou de um só prazer, de uma só fantasia. Contudo, esse irmão é também um filho de Deus, pai de todos, a que tudo pertence. Compreendes, minha irmã, que um bom pai não deserda um de seus filhos para enriquecer o outro? Eis por que recompensará o que foi privado de sua parte nesta vida.

Assim, pois, os que se julgam deserdados, abandonados e esquecidos, alcançarão em breve a margem bendita, onde reinam a justiça e a felicidade. Mas infelizes dos que fizeram mau uso dos bens que nosso Pai lhes confiou. Infeliz, também, o homem aquinhoado com o dom precioso da inteligência, se dela abusou! Acredita-me, Maria, quando se crê em Deus, nada existe na Terra que se possa invejar, a não ser a graça de praticar suas leis.

Teu irmão Wilhelm


Texto da médium Sra Schmidt, por Allan Kardec 
publicado na Revista Espírita, em novembro de 1860.


ESPERANÇA SEMPRE

“Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se  movimenta, ao receber a ordem de comando, espalham-se sobre toda a face da Terra. Semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos.”

Eis o início do prefácio de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, pelo Espírito da Verdade. Dimensionar essa dinâmica espiritual é uma necessidade imprescindível para os dias atuais, em que o pessimismo campeia solto, inclusive entre os religiosos.

O presente momento pelo qual transita o País e a sociedade mundial requer bom ânimo, disposição e atitude no bem, com respeito e com fraternidade.

“Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.”

A busca da verdade, a implementação da justiça, do amor e da caridade entre os homens devem fazer parte do roteiro de vida de todo cidadão ético. Vê-se a atualidade do texto que resume a obra que trata essencialmente da ética e da moral dentro da Doutrina Espírita.

“As grandes vozes do céu ressoam como o toque da trombeta, e os coros dos anjos se reúnem. Homens, nós vos convidamos ao divino concerto; que vossas mãos tomem a lira, que vossas vozes se unam e, num hino sagrado, se estendam e vibrem, de um extremo do Universo ao outro.”

O convite é a cada um de nós, todos dotados de potencialidades divinas. Precisamos fazer parte deste concerto divino e universal, sem perda de tempo. Não é possível dissiparmos energias com trivialidades, com ressentimentos pretéritos, com ilusões que nos cegam.

Os tempos atuais pedem foco no que é positivo. O fato negativo serve de reflexão para não incidirmos no erro e melhor planejarmos nossos próximos passos. Somente isso.

Trabalhar com vontade, com alegria, com humildade, respeitando a todos, eis os ingredientes para fazermos parte desta equipe divina, que anseia e aguarda por nossa presença.

“Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós. Amai-vos também uns aos outros e dizei, do fundo de vosso coração, fazendo a vontade do Pai que está no Céu: “Senhor! Senhor!” e podereis entrar no Reino dos Céus.”

Com esse resumo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” resta-nos refletir sobre nosso real desejo de engrossar esse caldo, aceitando a vontade do Pai. Esperança para isso nunca deve faltar.

Por Tiago Cintra Essado, Presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil) publicado, originalmente, na Tribuna do Espiritismo,  ano 3, nº 29, fevereiro de 2016 

O LABOR ESPÍRITA E O PROBLEMA DA ESPECULAÇÃO

Em seu primeiro discurso pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux, Allan Kardec advertiu os confrades para um problema que então grassava em algumas instituições espíritas: a especulação. De início, teceu considerações acerca da especulação material, uma vez que alguns grupos estavam cobrando entrada das pessoas que assistiam às sessões.

Ademais, mencionou outro tipo de especulação, que chamou de especulação moral. É dizer: “a satisfação do orgulho, do amor próprio (sic). É o caso dos que acreditam, sem interesse pecuniário, fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se colocarem em evidência” [1] (grifos nossos)

E, atualmente, isto ocorre porque, não raras vezes, alguns de nós, lidadores espíritas, transferimos nossas ambições relativas às coisas materiais para as coisas divinas. [2] Desta forma, frequentemente imaginamos que, na tarefa que abraçamos, somos insubstituíveis, e que somente nós temos condições de executá-la. Sucede que raciocinamos como se fôssemos um corpo que possui um Espírito e não um Espírito temporariamente vestido de um corpo de carne.

Outrossim, esta perspectiva faz com que nos apeguemos a nós mesmos, inclusive aos próprios cargos. Alargando a conceituação, temos a questão 895 d’O Livro dos Espíritos, que nos auxilia na compreensão do tema em apreço: 

895. À parte os defeitos e os vícios sobre os quais ninguém se enganaria, qual é o indício da imperfeição? 

"O interesse pessoal. As qualidades morais são geralmente como a douração de um objeto de cobre, que não resiste à pedra de toque. Um homem pode possuir qualidades reais que o fazem para o mundo um homem de bem; mas essas qualidades, embora representem um progresso, não suportam em geral a certas provas e basta ferir a tecla do interesse pessoal para se descobrir o fundo. O verdadeiro desinteresse é de fato tão raro na Terra que se pode admirá-lo como a um fenômeno, quando ele se apresenta. O apego às coisas materiais é um indício notório de inferioridade, pois quanto mais o homem se apega aos bens deste mundo, menos compreende o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, ele prova que vê o futuro de um ponto de vista mais elevado". (grifos nossos)


Passemos, agora, à conceituação de desinteresse material e desinteresse moral. Kardec entendeu por desinteresse moral a abnegação, a humildade, a ausência de toda a pretensão orgulhosa, de todo o pensamento personalista colocados a serviço da doutrina. No que tange ao desinteresse material, a expressão é autoconceitual, consistente, pela obviedade, na ausência de todo desejo de retribuição pecuniária. [3] Asseverou o Codificador, noutra oportunidade, que o desinteresse material é improfícuo se não for acompanhado pelo mais completo desinteresse moral. [4] 

Em nossas atividades doutrinárias será oportuno, portanto, indagarmos a nós mesmos sobre o móvel de nossas ações. Até que ponto não estamos sendo movidos pela especulação – moral sobretudo, pois a material, nos dias de hoje, é mais rara – ou pela presunção?

Perguntemos a nossa consciência e ela nos responderá. 

Por Andres Gustavo Arruda (andres.gustavo57@hotmail.com) 
publicado na Tribuna do Espiritismo, ano 3, nº 29, fevereiro de 2016


Referências bibliográficas: 
[1] KARDEC, Allan. Viagem Espírita em 1862, p. 48.
[2] Cf. A Coragem da Fé, pp. 4-5. 
[3] Cf. Viagem Espírita em 1862.
[4] Cf. Revista Espírita de Março de 1864.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

ALLAN KARDEC E O ESPIRITISMO, UMA RELIGIÃO BEM BRASILEIRA

Às 22:30 de 17 de setembro de 1865, apenas oito anos depois da fundação oficial do espiritismo na França, foi realizada em Salvador a primeira sessão da doutrina no Brasil, liderada por um jornalista, Luís Olímpio Teles de Menezes. No mesmo ano, surgiu o primeiro centro do país. Em pouco tempo, a visão científica, filosófica e religiosa de Allan Kardec se transformaria em uma religião tipicamente brasileira, divulgada por intelectuais nas nossas maiores cidades. Anos antes de ganhar as massas com Chico Xavier, os seguidores de Kardec já tinham uma nova capital, nos trópicos.

Atualmente, o trabalho iniciado por Kardec tem 13 milhões de seguidores no mundo. A maioria, 3,8 milhões, está no Brasil. Nossos espíritas têm os melhores indicadores socioeducacionais dentre os fiéis de todas as religiões praticadas no país – 31,5% deles têm nível superior completo, segundo o IBGE. Entre 2000 e 2010, eles saltaram de 1,3% da população para 2%. O sucesso nos cinemas é resultado da boa imagem da religião: em 2010, Chico Xavier, a biografia do médium mais famoso do século 20, alcançou 3,4 milhões de espectadores e Nosso Lar, no mesmo ano, chegou a 4 milhões.

Mas o que explica essa adesão massiva a uma doutrina que se equilibra entre a religião e a ciência no maior país católico do mundo? “O Brasil tem uma tradição de religiosidade popular muito aberta ao contato com a vida após a morte e a comunicação com espíritos. As classes média e alta não podiam contar com as religiões de origem africana ou indígena como expressões formais de sua fé. O kadercismo, com seu berço francês, satisfez essa necessidade”, afirma John Monroe, historiador e professor da Universidade de Iowa.

Mesas que rodam

Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em Lyon em 3 de outubro de 1804 e encontrou sua vocação na Suíça. O pai, o juiz católico Jean-Baptiste-Antoine Rivail, e a mãe, a dona de casa Jeanne Duhamel, enviaram o menino Hippolyte, de apenas 10 anos, para estudar no Instituto de Yverdon, no castelo de Zahringenem, fundado e mantido pelo pedagogo Johan Heinrich Pestalozzi. Na volta, instalou-se em Paris em 1820 e, quatro anos depois, começou a dar aulas. Lecionava matemática, física, química, astronomia, anatomia e francês.

O professor convivia com problemas financeiros recorrentes. A partir da década de 1830, passou a reforçar a renda escrevendo gramáticas e aritméticas – e até mesmo uma peça, chamada Uma Paixão de Salão, levada aos palcos em 1843. Também começou a usar os conhecimentos de matemática para administrar a contabilidade de pequenas companhias, como o teatro Les Folies Marigny, nos Champs-Élysées. Ali eram realizados espetáculos muito em voga em meados do século 19 – com uma mistura de magnetismo e experiências elétricas e mecânicas.

Rivail assistia a alguns desses shows com prazer. Ele acompanhava com euforia a evolução das ciências, que pareciam prontas para explicar definitivamente o funcionamento do mundo, da vida e do além. Em 1834, em um de seus artigos defendendo as aulas de ciências para crianças, ele registrou: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então, da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos-fátuos por espíritos”.


Quando as mesas rodantes ficaram famosas na França, na década de 1850, o pedagogo tinha uma explicação pronta para o fenômeno. Curioso sobre os mistérios da hipnose, do sonambulismo, do magnetismo e da eletricidade, ele dizia que os corpos reunidos geravam uma força eletromagnética extraordinariamente forte, capaz de movimentar objetos. Quando conheceu o fenômeno pessoalmente, em uma terça-feira de maio de 1855, percebeu que a explicação não era tão simples.

Foi na casa da senhora Plainemaison, na Rue Grange Batelière, número 18. Ali o professor ficou impressionado. As mensagens tinham linguagem diferente da que os médiuns usavam no dia a dia e com um grau de conhecimento da vida privada dos visitantes que não tinham como possuir. O pesquisador então elencou uma nova hipótese: a de que a realidade visível não é a única que existe. E que espíritos são tão reais quanto o mundo microscópico e as forças físicas invisíveis, como a lei da gravidade.

Leis dos espíritos

Por serem reais, apesar de invisíveis, os espíritos seguem leis, da mesma forma que os seres de carne e osso. “Entrevi naquelas aparentes futilidades qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo”, ele relataria anos depois, para concluir que a força que movia aqueles móveis apresentava perguntas que mereciam resposta. “Há ou não uma força inteligente? Eis a questão. Se essa força existe, o que é? Qual será sua natureza e sua origem? Está além da humanidade?”

Durante 20 meses, o professor dedicou as horas vagas a entrevistar dez diferentes espíritos, principalmente por intermédio de três garotas, Ruth Japhet, de 20 anos (que havia enchido 50 cadernos com mensagens dos espíritos), e as irmãs Julie e Caroline Baudin, de 14 e 16 anos. Fazia a elas perguntas como “Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?” e “O que é espírito?” Na casa dos Boudin, na Rue Rochechouart, ele se apresentava todas as terças-feiras, com novas perguntas, ou as mesmas, para cruzar e checar as respostas. Ele não tinha mediunidade – aliás, foi o professor quem cunhou o termo “médium” para definir os intermediários entre os espíritos os seres humanos.

MÉTODO CIENTÍFICO

As principais explicações de Kardec para os fenômenos psíquicos e mediúnicos

Fraude: O pesquisador acreditava que os casos de truques deveriam ser sempre denunciados: “O espiritismo só terá a ganhar com o desmascaramento
dos impostores”,escreveu. Kardec dizia que médiuns que realizam espetáculos públicos pagos deveriam ser observados com suspeita redobrada.

Alucinação: O pedagogo estabelecia critérios para diferenciar alucinações e problemas mentais em geral de contatos legítimos com espíritos. Por exemplo: se uma pessoa escreve mensagens em línguas que não conhece, ou se o fenômeno físico (por exemplo, uma mesa se mexendo) foi visto por várias pessoas

Influência externa: Kardec reconhecia a possibilidade da existência de dois fenômenos psíquicos: a telepatia, que ele chamava de “reflexo do pensamento”, e a clarividência, a percepção extrassensorial de objetos à distância. Para ele, nenhuma das duas era resultado de contatos com o mundo espiritual.

Comunicação: O contato com almas desencarnadas só pode ser considerado quando as hipóteses de fraude, alucinação e influência de outras pessoas tiverem sido descartadas. As mensagens do além só poderiam ser consideradas confiáveis se fossem espontâneas e confirmadas por médiuns que não se conhecessem entre si.

Rivail alega que teve a oportunidade de entrevistar os espíritos do filósofo Sócrates, do apóstolo de Jesus João Evangelista, do sacerdote Vicente de Paulo e do cientista e político Benjamin Franklin. Um dos interlocutores mais recorrentes era o espírito que se apresentava com o nome Zéfiro. Foi ele quem disse ao professor que o conhecia de outras encarnações, quando Rivail era um sacerdote druida chamado Allan Kardec e morador da Gália na época do imperador Júlio César, entre 58 e 44 a.C. Rivail não queria assumir a autoria da coleção de respostas – preferia se apresentar apenas como codificador e editor.

E também queria diferenciar seu trabalho pedagógico com essa nova vertente de pesquisa. Daí Rivail ter adotado o pseudônimo que se lê na capa da primeira edição de O Livro dos Espíritos: “Princípios da doutrina espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade – segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns – recebidos e coordenados por Allan Kardec”.

Os primeiros exemplares do livro deixaram a Tipografia de Beau, na cidade de Saint-Germain-en-Laye, em 18 de abril de 1857 – a data oficial do nascimento do espiritismo, nome criado por Kardec, apresentado da seguinte maneira: “A crença espírita, ou o espiritismo, consiste em acreditar nas relações entre o mundo físico e os seres do mundo invisível, ou espíritos”. Rapidamente, Kardec suplantaria Rivail em fama e reconhecimento: a primeira edição da obra inaugural do espiritismo, vendida a 3 francos a unidade, foi esgotada em dois meses.

Em 1º de abril de 1858, reuniu as dezenas de seguidores que havia arregimentado com a publicação do livro e fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Enquanto recebia visitas de médiuns, mais ou menos sérios, cartas pedindo ajuda e textos psicografados, novas traduções e edições eram publicadas. Na Espanha, o bispo de Barcelona, Antônio Palau y Termens, mandou confiscar todos os exemplares de O Livro dos Espíritos e organizou um auto de fé: as obras foram empilhadas e queimadas em praça pública. Em 1864, a Igreja Católica inseriu a obra no Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos para seus fiéis.

BIBLIOTECA BÁSICA

Os cinco livros fundamentais para entender o espiritismo

1. O Livro dos Espíritos, 1857
Reúne as respostas de espíritos para 501 perguntas (na segunda edição, elas seriam ampliadas para 1 019 dúvidas).

2. O Livro dos Médiuns, 1861
Enquanto a obra anterior era conceitual, esta é um guia prático a todas as pessoas interessadas em desenvolver a mediunidade.

3. O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864
Como o nome indica, revê as lições dos Evangelhos da Bíblia cristã com base nos conceitos espíritas.

4. O Céu e o Inferno, 1865
Explica a passagem da alma para outros planos, detalha o destino dos suicidas e explica os parâmetros da justiça divina.

5. A Gênese, 1868
Aborda questões filosóficas e científicas, como a origem do Universo e os milagres de Jesus, buscando respondê-las de acordo com os preceitos espíritas.

Kardec melhorou sua situação financeira com a venda de seus livros e trocou de casa diversas vezes. A última mudança seria para um terreno que ele havia comprado na Avenida Ségur para construir seis pequenas casas para seu sucessor e seguidores espíritas de poucos recursos. A residência da família ficou pronta rapidamente, mas ele não chegou a morar lá.

Depois de publicar uma segunda edição de O Livro dos Espíritos, bastante ampliada, e outros quatro livros, Kardec faleceu, aos 64 anos, por volta das 11h de 31 de março de 1869, quando um aneurisma se rompeu, um dia antes da mudança definitiva para a Avenida Ségur. Na época, ele trabalhava numa obras sobre as relações entre o magnetismo e o espiritismo. Os restos de Kardec estão no Cemitério Père-Lachaise. Na lápide, ficou gravado seu novo nome, e não Rivail, e seu lema: “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar. Esta é a lei.”

Místicos x cientistas

O fundador não deixou um sucessor definido – ele previa que o espiritismo fosse conduzido por um grupo com comandantes seguindo mandatos curtos. Sua morte acabou por lançar o espiritismo num debate ferrenho: ciência ou religião?

Na Europa, venceram os partidários da tese de que os estudos do professor tinham caráter científico. Eles tinham bons motivos para isso. “Kardec foi um dos pioneiros a propor uma investigação científica, racional e baseada em fatos observáveis, das experiências espirituais. Desenvolveu todo um programa de investigação dessas experiências, ao qual deu o nome de Espiritismo”, afirma Alexander Moreira-Almeida, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF. “A proposta mais ousada de Kardec foi a de naturalizar a dimensão espiritual, tornando-a, assim, passível de investigação científica.

“Hoje, entre os europeus, o kardecismo é visto como pseudorreligião. Na virada do século 20, fazia todo o sentido acreditar que os conceitos dele seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico”, afirma o historiador John Monroe, professor da Universidade de Iowa.

O Brasil viu a mesma divisão, e, num primeiro momento, parecia que o mesmo lado seria vencedor. Um dos mais importantes líderes do espiritismo do Brasil, o jornalista e professor italiano Afonso Angeli Torteroli, liderava os científicos e organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. Foi lá que intelectuais defenderam a nova linha de pensamento – pessoas respeitáveis a ponto de terem sido recebidas pelo imperador dom Pedro II em 28 de agosto de 1881. Mas, bem de acordo com o pensamento progressista da época, os espíritas eram, em geral, republicanos e abolicionistas.

Mas foi o aspecto religioso do espiritismo que venceu. E por dois motivos. Em primeiro lugar, o lado religioso funcionava melhor para uma população ligada a um cristianismo que, em geral, convivia tranquilamente com curandeiros, benzedeiros e cartomantes. “A preocupação científica e filosófica não tem o mesmo appeal para nós como tem o lado religioso-ritualístico: tomar um passe, livrando-se das energias ruins se apresentaria como mais conveniente do que adotar uma doutrina complexas e cheia de princípios”, afirma o professor de sociologia da Universidade de Brasília Paulo César da Conceição Fernandes, em uma tese de mestrado sobre as origens da religião no Brasil.

Em segundo lugar, o mais importante líder entre os espíritas depois de Allan Kardec e antes de Chico Xavier, o ex-deputado Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, concordava com os místicos. Mas teve também o talento de não dispensar os científicos. A Federação Espírita do Brasil, criada em 1884 pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva, seria presidida duas vezes pelo doutor Bezerra e estimulou a publicação de livros e textos de cunho acadêmico. “O espiritismo oferece uma orientação para a prática da mediunidade, recomendando que ela seja praticada quando contribuir para o bem e para a educação espiritual do homem”, afirma Antonio Cesar Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita Brasileira.

Nomes famosos da literatura nacional aderiram rápido. Os poetas Castro Alves e Augusto dos Anjos, de um lado, se aproximaram da nova religião. Já José de Alencar e Machado de Assis a atacavam – mas só depois de se darem ao trabalho de conhecê-la. Augusto dos Anjos foi o mais empolgado: em sua cidade, Engenho do Pau D’Arco, Paraíba, ele conduzia
sessões, recebia espíritos e psicografava. Quando Chico Xavier nasceu, em 1910, o hábito de receber romances do além já era disseminado e se tornaria uma das marcas da nova religião, que, para muitos, já tinha muito pouco a ver com o que Kardec havia imaginado.

OITO PIONEIROS

Personagens importantes para o nascimento do espiritismo brasileiro

Luís Olímpio Teles de Menezes:
Jornalista, professor primário e funcionário da Biblioteca Pública da Bahia, organizou em Salvador a primeira sessão espírita do país, em Salvador. Também fundou o primeiro centro espírita brasileiro, o Grupo Familiar do Espiritismo.

Casimir Lieutaud: 
Poeta e educador francês, conheceu o espiritismo juntamente com outros intelectuais que liam e debatiam as notícias vindas da França, incluindo o jornalista e escritor Machado de Assis. Em 1860, publicou um livro de tom espírita, Les Temps Sont Arrivés.

Antônio da Silva Neto:
Liderança espírita no Rio de Janeiro, o médico foi redator e diretor da Revista Espírita, o segundo periódico de divulgação da religião no Brasil (o primeiro, Écho d’Alêm-Tumulo, foi fundado em 1869, em Salvador, por Luís Olímpio).

Joaquim Carlos Travassos:
Ao lado do advogado e poeta Francisco Bittencourt Sampaio, o médico e político carioca participou da fundação, em 1873, da Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, o primeiro centro espírita da capital, que existiu até 1879.

Augusto Elias da Silva: 
Nascido em Portugal e morando no Rio de Janeiro, o fotógrafo fundou a Federação Espírita do Brasil, em 1º de janeiro de 1884. Também fundou, um ano antes, uma publicação de divulgação da nova fé, chamada Reformador.

Antônio Luiz Sayão: 
Advogado de São Paulo, aderiu ao espiritismo em 1878, quando sua esposa esteve à beira da morte. Líder da Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, defendeu a abolição da escravatura e publicou um livro de referência, Estudos Evangélicos.

Afonso Angeli Torteroli:
O jornalista e professor italiano organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, criou o Centro da União Espírita do Brasil, uma primeira tentativa de organizar uma federação. Traduziu várias obras de Kardec.

Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti:
Cearense com carreira política bem-sucedida como vereador e deputado, o médico, militar e escritor impediu que a Federação Espírita do Brasil entrasse em colapso, em 1895, ao assumir a presidência pela segunda vez.

Por Tiago Cordeiro publicado originalmente no GUIA DO ESTUDANTE.