Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 28 de janeiro de 2017

O ANJO DE SAÚDE

 Angustiado, o Homem enfermo invocou a Proteção do Cristo e clamou em lágrimas copiosas: 

– ‘Senhor, ampara-me o coração desalentado no círculo das provas! Esgotaram-se-me os recursos para a resistência... Não posso mais! Minhas noites são prolongadas vigílias, repletas de dor, e meus dias constituem longas horas de aflição permanente! A dor lacera-me as carnes e desarticula-me os ossos... Compadece-te, Senhor meu! Desce um raio de tua divina luz que me restaure a força física, e me reerga o coração humilhado! Desiludido de todos os processos de cura, mobilizados na Terra, volto-me para o Céu, esperando-te a inesgotável misericórdia! Ajuda-me, Pastor do Bem! Vê os meus sofrimentos e auxilia-me!...’ 

De joelhos e braços abertos, o peregrino soluçava, contemplando o firmamento. 

Ouviu Jesus a oração e enviou-lhe o Anjo da Saúde, que desceu, bondoso e prestativo, surgindo aos olhos deslumbrados do infeliz enfermo. 

Em êxtase, o doente fitou o mensageiro e suplicou: 

–‘Emissário do Médico Divino, lava-me as feridas dolorosas, levanta-me o espírito abatido! Há muitos anos sou um miserável sofredor, embora a minha confiança no Pai de Infinita Bondade! De corpo chagado e apodrecido, sinto que a esperança e a crença desertaram de minh’alma! Socorre-me, por piedade, caridoso emissário do Céu!’ 

O gênio tutelar afagou-lhe a fronte, compassivo, e exclamou: 

– ‘Meu amigo, põe a consciência nos lábios em oração e responde-me! Tens vivido de acordo com a Vontade de Deus, fugindo aos caprichos do coração? Viveste, até agora, amando o Senhor Supremo, acima de todas as coisas, e querendo ao próximo como a ti mesmo? Dedicaste teu corpo e tuas faculdades à execução das divinas leis?’ 

Presa do antigo hábito de fugir à verdade, o Homem quis proferir qualquer frase tendente a desculpar-se; entretanto, a presença do emissário sublime empolgava-lhe o ser e não conseguia furtar-se ao império absoluto da consciência. 

Dominado pela realidade, respondeu em soluços:

–‘Não!... ainda não servi às leis do Senhor como deveria... Contudo, Anjo Bom, compadece-te de mim, a enfermidade consome os meus dias, o sofrimento devora-me!’ 

O enviado pousou a destra na fronte do mísero, como se intentasse arrancar-lhe a verdade do fundo do coração, e interrogou: 


– ‘Estarás, porém, disposto a esquecer, de imediato, o pretérito criminoso? Desculparás, fraternalmente, sem qualquer sombra de hesitação, a todos aqueles que te desejam o mal? Auxiliarás o inimigo?’ 

O enfermo dirigiu ao preposto celeste um olhar de terrível angústia, e porque nada respondesse, o mensageiro continuou interrogando: 

– ‘Perdoarás sempre, esquecendo ingratidões, injúrias e pedradas? Recomendarás os teus adversários à bênção do Todo Poderoso, reconhecendo que eles são mais infelizes que tu mesmo, pela ignorância com que testemunham? Exercerás a piedade, beneficiando as mãos que te ferem e olvidarás, sem esforço, a boca que calunia?’

Compelido pelas forças insofreáveis da consciência, o enfermo respondeu, sem trair a verdade: 

– ‘Infelizmente, ainda não posso...’ 

– Não emitirás pensamentos desarmônicos, ante a felicidade do próximo? – indagou o emissário, afável e benevolente – partilharás a alegria do vizinho e a prosperidade do amigo, como se te pertencessem também? Ajudarás ao irmão mais feliz, na consolidação da ventura que lhe coroa a existência?

O mendigo da saúde recordou suas lutas interiores, junto daqueles que lhe pareciam mais venturosos, e respondeu, sincero: 

– ‘Não posso ainda...’ 

– ‘Terás bastante disposição – prosseguiu afetuosamente o interlocutor – para manter viva a própria esperança? Compreendendo a paciência de Deus, que nos aguarda a iluminação, há milênios incontáveis, decidir-te-ás a esperar, sem revolta, o entendimento dos teus irmãos de luta, por alguns anos? Saberás calar a desesperação, a fim de auxiliar em nome do Pai Altíssimo, mobilizando as forcas que te foram confiadas?

O desventurado suspirou e disse com tristeza: 

– Ainda não me é possível proceder assim... 

Após intervalo mais longo, o Anjo voltou a interrogar: 

– Cultivaras o silêncio, quando a leviandade e a calúnia espalharem palavras loucas em torno de teu corarão? Defenderás a saúde, evitando as reações invisíveis de pessoas que poderias ofender com as falsas e delituosas apreciações verbais?

– Ainda não sigo semelhante caminho!’ – exclamou o infortunado. 

– Poderás viver – continuava o mensageiro – no legítimo respeito à Natureza, conservando o teu vaso carnal de manifestações na sublime posição de equilíbrio, através da temperança, e cumprindo com fidelidade o programa de serviço, em beneficio de ti mesmo e dos semelhantes? Experimentas o prazer de ser útil sinceramente despreocupado das atitudes alheias de gratidão ou recompensa? 

– Ainda não! – murmurou o interpelado em tom angustioso. 

O emissário envolveu o infeliz num olhar de compaixão infinita e acrescentou: 

– Oh! Meu amigo, ainda é cedo para deprecares o socorro dos mensageiros da saúde! Se ainda não sabes viver, perdoar, esperar, compreender, ajudar e servir, de acordo com a Vontade do Altíssimo, ainda lutarás com a enfermidade, por muito tempo. Por enquanto, não peças vantagens que não saberias receber! Roga ao Senhor te conceda a energia necessária para que te afeiçoes à lei do equilíbrio e às exigências da reflexão!

Em seguida, o emissário endereçou-lhe carinhoso gesto de adeus. O infeliz, entretanto, buscando retê-lo, exclamou em soluços: 

– Oh! enviado do Céu, confiarei em Jesus! 

O Anjo contemplou-o, bondoso, e respondeu ternamente: 

– Sim, eu sei. Isto, porém, não basta. É necessário que Jesus também possa confiar em ti...

E afastou-se, para dar conta de sua missão, nas esferas mais altas.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito Irmão X – Livro: Lázaro Redivivo - Capítulo 45 – O anjo de saúde.

JULGAMENTO

Havia numa aldeia um velho muito pobre que possuía um lindo cavalo branco. Numa manhã ele descobriu que o cavalo não estava na cocheira. Os amigos disseram ao velho: 

- Mas que desgraça, seu cavalo foi roubado! 

E o velho respondeu: 

- Calma, não cheguem a tanto. Simplesmente digam que o cavalo não está mais na cocheira. O resto é julgamento de vocês.

As pessoas riram do velho. Quinze dias depois, de repente, o cavalo voltou. Ele havia fugido para a floresta. E não apenas isso; ele trouxera uma dúzia de cavalos selvagens consigo. Novamente as pessoas se reuniram e disseram:

– Velho, você tinha razão. Não era mesmo uma desgraça, e sim uma bênção. 

E o velho disse:

– Vocês estão se precipitando de novo. Quem pode dizer se é uma bênção ou não? Apenas digam que o cavalo está de volta. 

O velho tinha um único filho que começou a treinar os cavalos selvagens. Apenas uma semana mais tarde, ele caiu de um dos cavalos e fraturou as pernas. As pessoas se reuniram e, mais uma vez, se puseram a julgar: 

- E não é que você tinha razão, velho? Foi uma desgraça seu único filho perder o uso das duas pernas. 

E o velho disse: 

- Mas vocês estão obcecados por julgamentos, hein? Não se adiantem tanto. Digam apenas que meu filho fraturou as pernas. Ninguém sabe ainda se isso é uma desgraça ou uma bênção. 

Aconteceu que, depois de algumas semanas, o País entrou em Guerra e todos os jovens da aldeia foram obrigados a se alistar, menos o filho do velho. E os que foram para a guerra, morreram… 

A esta parábola Osho acrescentou: "Quem é obcecado por julgar, cai sempre na armadilha de basear seu julgamento em pequenos fragmentos de informação, o que o levará a conclusões precipitadas. Nunca encerre uma questão de forma definitiva, pois quando um caminho termina, outro começa, quando uma porta se fecha, outra se abre… As vezes vemos apenas a desgraça e não vemos a bênção que ela nos traz".

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

MÁXIMAS EXTRAÍDAS DO ENSINAMENTO DOS ESPÍRITOS


- O objetivo essencial do Espiritismo é o melhoramento dos homens. Não é preciso procurar nele senão o que pode ajudar no progresso moral e intelectual.

- O verdadeiro Espírita não é o que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita o ensinamento dado pelos Espíritos. De nada adianta crer, se a crença não faz com que dê um passo adiante na via do progresso, e não o torne melhor para seu próximo.

- O egoísmo, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cupidez, o ódio, a inveja, o ciúme, a maledicência são para a alma ervas venenosas das quais é preciso a cada dia arrancar algumas hastes, e que têm como antídoto: a caridade e a humildade.

- A crença no Espiritismo só é proveitosa para aquele de quem se pode dizer: hoje está melhor do que ontem.

- A importância que o homem atribui aos bens temporais está na razão inversa de sua fé na vida espiritual; é a dúvida sobre o futuro que o leva a procurar suas alegrias neste mundo, satisfazendo suas paixões, ainda que às custas do próximo.

- As aflições na terra são os remédios da alma; elas salvam para o futuro, como uma operação cirúrgica dolorosa salva a vida de um doente e lhe devolve a saúde. É por isso que o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, pois eles serão consolados."

- Em vossas aflições, olhai abaixo de vós e não acima; pensai naqueles que sofrem ainda mais que vós.

- O desespero é natural para aquele que crê que tudo acaba com a vida do corpo; é um contrassenso para aquele que tem fé no futuro.

- O homem é, muitas vezes o artífice de sua própria infelicidade neste mundo; se ele voltar à fonte de seus infortúnios, verá que a maior parte deles são o resultado de sua imprevidência, de seu orgulho e avidez, e por conseguinte, de sua infração às leis de Deus.

- A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele; é aproximar-se dele; é pôr-se em comunicação com ele.

- Aquele que ora com fervor e confiança é mais forte contra as tentações do mal, e Deus lhe envia bons Espíritos para o assistir. É um auxílio que jamais é recusado quando é pedido com sinceridade.

- O essencial não é orar muito, mas orar bem. Certas pessoas creem que todo o mérito está na extensão da prece, enquanto fecham os olhos para seus próprios defeitos. A prece é para elas uma ocupação, um emprego do tempo, mas não uma análise de si mesmas.

- Aquele que pede a Deus o perdão de seus erros não o obtém senão mudando de conduta. As boas ações são a melhor das preces, pois os atos valem mais que as palavras.

- A prece é recomendada por todos os bons Espíritos; é, além disso, pedida por todos os Espíritos imperfeitos como um meio de aliviar seus sofrimentos.

- A prece não pode mudar os desígnios da Providência; mas, vendo que há interesse por eles, os Espíritos sofredores se sentem menos desamparados; tornam-se menos infelizes; ela exalta sua coragem, estimula neles o desejo de elevar-se pelo arrependimento e a reparação, e pode desviá-los do pensamento do mal. É nesse sentido que ela pode não só aliviar, mas abreviar seus sofrimentos.

- Cada um ore segundo suas convicções e o modo que acredita mais conveniente, pois a forma não é nada, o pensamento é tudo; a sinceridade e a pureza de intenção é o essencial; um bom pensamento vale mais que numerosas palavras, que se assemelham ao barulho de um moinho e onde o coração não está.

- Deus fez homens fortes e poderosos para serem os sustentáculos dos fracos; o forte que oprime o fraco é maldito de Deus; em geral ele recebe o castigo nesta vida, sem prejuízo dos reservados ao futuro.

- A fortuna é um depósito cujo possuidor é tão-somente o usufrutuário, já que não a leva com ele para o túmulo; ele prestará rigorosas contas do emprego que dela tenha feito.


- A fortuna é uma prova mais arriscada que a miséria, porque é uma tentação para o abuso e os excessos, e porque é mais difícil ser moderado que ser resignado.

- O ambicioso que triunfa e o rico que se sustenta de prazeres materiais são mais de se lamentar que de se invejar, pois é preciso ter em conta o retorno. O Espiritismo, pelos terríveis exemplos dos que viveram e que vêm revelar sua sorte, mostra a verdade desta afirmação do Cristo: "Aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se abaixa será elevado."

- A caridade é a lei suprema do Cristo: "Amai-vos uns aos outros como irmãos; - amai vosso próximo como a vós mesmos; perdoai seus inimigos; - não façais a outrem o que não gostaríeis que vos fizessem"; tudo isso se resume na palavra caridade.

- A caridade não está só na esmola, pois há a caridade em pensamentos, em palavras e em ações. É caridoso por pensamentos aquele que é indulgente para com as faltas do próximo; caridoso por palavras, o que nada diz que possa prejudicar seu próximo; caridoso por ações, quem assiste seu próximo na medida de suas forças.

- O pobre que divide seu pedaço de pão com um mais pobre que ele é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que o que dá o que lhe é supérfluo, sem se privar de nada.

- Àquele que nutre contra seu próximo sentimentos de animosidade, ódio, ciúme e rancor, falta caridade; ele mente, se se diz cristão, e ofende a Deus.

- Homens de todas as castas, de todas as seitas e de todas as cores, vós sois todos irmãos, pois Deus vos chama a todos para ele; estendei-vos, pois, as mãos, qualquer que seja vossa maneira de adorá-lo, e não vos lanceis o anátema, pois o anátema é a violação da lei de caridade proclamada pelo Cristo.

- Com o egoísmo, os homens estão em luta perpétua; com a caridade, estarão em paz. Somente tendo por base de suas instituições a caridade, podem ter assegurada sua felicidade neste mundo; segundo as palavras do Cristo, só ela pode também garantir sua felicidade futura, pois encerra implicitamente todas as virtudes que podem os conduzir à perfeição. Com a verdadeira caridade, tal como a ensinou e praticou o Cristo, não mais o egoísmo, o orgulho, o ódio, a inveja, a maledicência; não mais o apego desordenado aos bens deste mundo. É por isso que o Espiritismo cristão tem como máxima: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO.

Incrédulos! Podeis rir dos Espíritos, zombar daqueles que creem em suas manifestações; ride, pois, se ousardes, desta máxima que eles vem ensinar e que é vossa própria salvaguarda, pois se a caridade desaparecesse da terra, os homens se estraçalhariam, e talvez vós fosseis as primeiras vítimas. Não está longe o tempo em que esta máxima, proclamada abertamente em nome dos Espíritos, será uma garantia de segurança e um título à confiança naqueles que a trouxerem gravada no coração.

Um Espírito disse: "Zombaram das mesas girantes; não zombarão nunca da filosofia e da moral que dela decorre". É que, com efeito, hoje estamos longe, depois de alguns anos apenas, desses primeiros fenômenos que serviram, por um instante, de distração para os ociosos e os curiosos. Esta moral, dizeis, está obsoleta: "Os Espíritos deviam ter espírito bastante para nos dar algo de novo." (Frase espirituosa de mais de um crítico). Tanto melhor! se ela está obsoleta, isso prova que ela é de todos os tempos, e os homens são mais culpados por não tê-la praticado, pois não há verdadeiras verdades senão as que são eternas. O Espiritismo vem lembrá-la, não por uma revelação isolada feita a um único homem, mas pela voz dos próprios Espíritos que, como uma trombeta final, vêm lhes proclamar: "Crede que aqueles que chamais de mortos estão mais vivos do que vós, pois eles vêem o que não vedes, e ouvem o que não ouvis; reconhecei naqueles que vos vêm falar, os vossos parentes, vossos amigos, e todos aqueles que haveis amado na terra e que acreditáveis perdidos para sempre; infelizes aqueles que creem que tudo acaba com o corpo, pois serão cruelmente desenganados, infelizes daqueles a que terá faltado a caridade, pois sofrerão o que tiverem feito os outros sofrer!" Escutai a voz daqueles que sofrem e que vos vêm dizer: "Nós sofremos por não termos reconhecido o poder de Deus e duvidado de sua misericórdia infinita; sofremos por nosso orgulho, nosso egoísmo, nossa avareza e por todas as más paixões que não soubemos reprimir; sofremos por todo o mal que fizemos ao nosso semelhante pelo esquecimento da lei de caridade".

Incrédulos! Dizei se uma doutrina que ensina tais coisas é risível, se ela é boa ou má. Vendo-a tão-somente do ponto de vista da ordem social, dizei se os homens que a praticam seriam felizes ou infelizes, melhores ou piores! 

Allan Kardec no opúsculo "O Espiritismo em sua mais simples expressão" publicado em 1862.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

ESTIVE PENSANDO: EIS-ME AQUI

Nos momentos mais recentes por mim vivenciados tenho aprendido demais com a vida. 

O correr da idade cuida de acertar aquilo que a força da juventude muitas vezes não permite pois impõe velocidade onde se precisa às vezes ir mais devagar, como se o tempo estivesse aprisionado em uma ampulheta, e a areia de nossa existência com a quantidade determinada se esvaindo de modo ininterrupto nos pressionando a viver de modo intenso, vigoroso, quase inconsequente. 

Basta a vida acontecer dentro do que ela necessita e podemos observar que é possível ser outro quando tudo se aponta para ser o mesmo. A velocidade já não é mais tão importante. Passa-se a utilizar a sabedoria para o auxílio no ritmo que queremos dar para nossas ações, e aí a fábula da lebre e da tartaruga começa a fazer sentido em nosso íntimo. Passa-se a priorizar o "como" e não tanto o "que", uma vez que se compreende que o "como" identifica nossas intenções, apontando o que somos.  

Se tem uma coisa que mexe e muito comigo, é poder ser útil. Estar a disposição para auxiliar, para ceder do meu tempo e do meu espaço a fim de acolher, de instruir, de ouvir, de se colocar na direção dos que de alguma forma necessitam do que tenho a oferecer, mesmo ciente de minhas limitações. Sem podermos auxiliar do tamanho e da intensidade que gostaríamos, muitas vezes disponibilizamos o que temos e isso parece ser bem compreensível pelo outro a partir do instante que ele percebe que nossa condição às vezes é limitadora da ação, mas não do sentimento em querer auxiliar. Ele nem sempre leva o que veio buscar, mas o que nos foi possível ofertar. 

Alguns se acercam, se valem do que temos a oferecer, chegam mesmo a se refastelar, e depois, bem... depois se vão e muitas vezes não voltam mais e aí se não cuidarmos disso de maneira madura, podemos conviver com a ideia que o não retorno, a não procura, é indicativo de ingratidão, o que nem sempre é verdade. Quando a intenção em nós foi de auxiliar, desinteressadamente, porque então deveríamos esperar pelo tal reconhecimento? Se ele é importante, bem, não havia desinteresse e aí a reflexão deve encaminhar para os motivos que nos levaram a realizar tal ação identificada como auxílio e dentro dessa reflexão encaixar nossas frustrações, pois sempre que fazemos algo gerando expectativas abrimos espaço para que elas não sejam supridas. 

O importante mesmo que tenho percebido ao longo dos últimos tempos é que quando nos colocamos a disposição para o outro, nunca faltarão oportunidades de serviço, de auxílio, de nos fazermos útil, mesmo que muitas vezes o nosso sentimento é mesmo que estejamos sendo usados. Mas, convenhamos, que ser usado não é, na maioria das vezes, a verdade sobre o sentimento que nos norteia. Normalmente é o orgulho que nos faz caminhar na direção do sentimento de importância que damos, muito além do gesto ou da ação realizada. 

A mim, cada vez mais, o sentimento tem sido o de fazer o que está ao meu alcance, e para as pessoas que de mim necessitam de algo. Se ela voltar amanhã, estarei aqui, se não, estarei do mesmo jeito e no local que ela ocuparia, que normalmente estaria vazio terá outra pessoa necessitando também de mim, e assim a roda não para. Toda ação empreendida deixa marcas indeléveis no ser que as executa, e se essas ações forem na seara do bem, temos aprendido que antes de chegar ao outro já estamos marcados por ela, e se nossa ação é caracterizada pelos valores inferiores, dentro da soberana justiça e bondade divina, também nos impregnamos com ela. 

Em sendo assim, que tenha sempre pessoas dispostas a serem ajudadas por mim, pois quando me dirijo a vida do outro, aprendo como o outro se encontra e ao retornar para mim, volto diferente do que fui, e nessa diferença novos valores são adicionados ao cabedal de conhecimentos, novas propostas de reflexão são criadas, marcando a mutabilidade da vida, mas gravando indeléveis sabedorias no Espírito. Cada um que de nós se aproxima é uma oportunidade que temos de sermos cooperativos e assim colaborarmos com a obra da criação. 

Precisando de algo... eis-me aqui... 


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O CÉU


A palavra céu aplica-se em geral ao espaço indefinido que circunda a terra, e mais particularmente à parte que fica acima de nosso horizonte; vem do latim coelum, formado do grego coïlos, oco, côncavo, porque o céu parece aos olhos uma imensa concavidade. Os antigos acreditavam na existência de vários céus superpostos, compostos de matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas cujo centro era a Terra. Essas esferas girando em torno da Terra arrastavam consigo os astros que se encontravam em seu circuito. Essa ideia, devida à insuficiência dos conhecimentos astronômicos, foi a de todas as teogonias que fizeram dos céus, assim escalonados, os diversos graus da beatitude; o último era a morada da suprema felicidade. Segundo a opinião mais conhecida, havia sete; daí a expressão: "estar no sétimo céu", para exprimir uma bem-aventurança perfeita. Os muçulmanos admitem nove céus, em cada um deles aumenta a felicidade dos crentes.

O astrônomo Ptolomeu¹ contava onze, dos quais o último era chamado Empíreo4², por causa da resplandecente luz que aí reina. Ainda hoje é o nome poético dado ao lugar da glória eterna. A teologia cristã reconhece três céus; o primeiro é o da região do ar e das nuvens; o segundo é o espaço onde se movem os astros; o terceiro além da região dos astros é a morada do Altíssimo, a morada dos eleitos que contemplam Deus frente a frente. É de acordo com esta crença que se diz que São Paulo foi transportado ao terceiro céu.

As diferentes doutrinas referentes à morada dos bem-aventurados repousam todas sobre o duplo erro de que a terra é o centro do universo, e que a região dos astros é limitada. É além desse limite imaginário que todas colocaram esse domicílio afortunado e a morada do Onipotente. Singular anomalia que coloca o autor de todas as coisas, aquele que as governa todas, nos confins da criação, em vez de colocá-lo no centro de onde a irradiação de seu pensamento podia se estender a tudo!

A ciência, com a inexorável lógica dos fatos e da observação, levou suas luzes até às profundezas do espaço, e mostrou o vazio de todas essas teorias. A terra não é mais o eixo do universo, mas um dos menores astros rolando na imensidão; o próprio Sol não é mais do que o centro de um turbilhão planetário; as estrelas são inúmeros sóis em torno dos quais circulam mundos incontáveis, separados por distâncias somente acessíveis ao pensamento, embora nos pareçam tocar-se. Neste conjunto, regido por leis eternas onde se revelam a sabedoria e a onipotência do Criador, a Terra aparece apenas como um ponto imperceptível, e um dos menos favorecidos para a habitabilidade. Desde logo se pergunta por que Deus teria feito dela a única sede da vida, e para aí teria relegado suas criaturas prediletas. Tudo, ao contrário, anuncia que a vida está em toda a parte, que a humanidade é infinita como o universo. Revelando-nos, a ciência, mundos semelhantes à Terra, Deus não podia tê-los criado sem objetivo; ele deve tê-los povoado com seres capazes de governá-los.

As ideias do homem são em razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos deve ter-lhes dado outro curso. Sob o império desses novos conhecimentos, as crenças devem ter-se modificado: o céu foi deslocado; a região das estrelas, sendo sem limites, não pode mais servir-lhe? Onde está o céu? Diante desta pergunta, todas as religiões emudecem. O Espiritismo vem resolvê-la demonstrando o verdadeiro destino do homem. A natureza deste último, e os atributos de Deus sendo tomados por ponto de partida, chega-se à conclusão; ou seja, partindo do conhecido chegasse ao desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que o Espiritismo permite fazer.

O homem é composto de corpo e de Espírito; o Espírito é o ser principal, o ser de razão, o ser inteligente; o corpo é o envoltório material que o Espírito reveste temporariamente para o cumprimento de sua missão na terra, e a execução do trabalho necessário ao seu avanço. O corpo, gasto, destrói-se, e o Espírito sobrevive à sua destruição. Sem o Espírito, o corpo não é mais do que uma matéria inerte, como um instrumento privado do braço que o faz agir; sem o corpo, o Espírito é tudo: a vida e a inteligência. Deixando o corpo, ele volta ao mundo espiritual de onde saíra para se encarnar. Há portanto o mundo corporal, composto dos Espíritos encarnados, e o mundo espiritual, formado pelos Espíritos desencarnados. Os seres do mundo corporal, devido a seu envoltório material, estão ligados à Terra ou a qualquer outro globo; o mundo espiritual está em toda a parte, à nossa volta e no espaço; nenhum limite lhes é designado. Devido à natureza fluídica de seu envoltório, os seres que o compõem, em vez de se arrastar penosamente pelo chão, vencem as distâncias com a rapidez do pensamento. A morte do corpo é a ruptura dos vínculos que os mantinham cativos.

Os Espíritos são criados simples e ignorantes, mas com a aptidão de adquirir tudo e de progredir, em virtude de seu livre-arbítrio. Pelo progresso, eles adquirem novos conhecimentos, novas faculdades, novas percepções, e, por conseguinte, novos prazeres desconhecidos dos Espíritos inferiores; eles veem, ouvem, sentem e compreendem o que os espíritos atrasados não podem ver, nem ouvir, nem sentir, nem compreender. A felicidade é proporcional ao progresso realizado; de modo que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto o outro, unicamente porque não está tão avançado intelectual e moralmente, sem que eles precisem estar cada qual num lugar distinto. Embora estando um ao lado do outro, um pode estar nas trevas, ao passo que tudo é resplandecente à volta do outro, absolutamente como para um cego e alguém, que vê que se dão as mãos: um percebe a luz, a qual não faz nenhuma impressão no seu vizinho. Sendo a felicidade dos Espíritos inerente às qualidades que eles possuem, eles a obtêm em toda parte onde se encontrem, na superfície da Terra, em meio aos encarnados ou no espaço. Uma comparação vulgar fará compreender ainda melhor esta situação. Se num concerto se acham dois homens, um, bom músico com ouvido treinado, o outro sem conhecimento de música e com o sentido da audição pouco delicado, o primeiro experimenta uma sensação de felicidade ao passo que o segundo permanece insensível, porque um compreende e percebe o que não causa nenhuma impressão no outro. Assim se dá com todos os gozos dos Espíritos que são proporcionais à aptidão de senti-los. O mundo espiritual tem esplendores em toda parte, harmonias e sensações que os Espíritos inferiores, ainda submetidos à influência da matéria, nem mesmo entreveem, e que são acessíveis somente aos Espíritos depurados.

O progresso, entre os Espíritos, é fruto de seu próprio trabalho; mas, como eles são livres, trabalham em seu próprio avanço com mais ou menos atividade ou negligência, segundo sua vontade; apressam assim ou retardam seu progresso, e em consequência sua felicidade. Enquanto uns avançam rapidamente, outros ficam estagnados por longos séculos nas posições inferiores. São, portanto, os próprios artífices de sua situação, feliz ou infeliz, segundo esta máxima do Cristo: “A cada um segundo suas obras!” Todo Espírito que fica para trás só pode acusar a si mesmo, assim como aquele que avança tem todo o mérito por isso; a felicidade que conquistou tem ainda maior valor para ele. A bem-aventurança suprema é a partilha apenas dos Espíritos perfeitos, ou em outras palavras, dos puros Espíritos. Eles só a atingem depois de terem progredido em inteligência e em moralidade. O progresso intelectual e o progresso moral raramente andam lado a lado; mas o que o Espírito não faz num tempo, ele o faz num outro, de modo que os dois progressos acabam por atingir o mesmo nível. É por essa razão que se veem frequentemente homens inteligentes e instruídos, muito pouco avançados moralmente, e reciprocamente.

A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual, pela atividade que ele é obrigado a desenvolver no trabalho; ao progresso moral, pela necessidade que os homens têm uns dos outros. A vida social é a pedra de toque das boas e das más qualidades. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má fé, a hipocrisia, numa palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o homem perverso tem por motor, por objetivo e por estimulante as relações do homem com seus semelhantes; para o homem que vivesse sozinho, não haveria vícios nem virtudes; se, pelo isolamento, ele se preserva do mal, anula o bem.

Uma única existência corporal é manifestamente insuficiente para que o Espírito possa adquirir todo o bem que lhe falta e desfazer-se de tudo o que nele é mau. Poderia o selvagem, por exemplo, numa única encarnação atingir o nível moral e intelectual do europeu mais avançado? Isso é materialmente impossível. Deve ele então permanecer eternamente na ignorância e na barbárie, privado dos gozos que só o desenvolvimento das faculdades pode propiciar? O simples bom senso repele tal suposição, que seria ao mesmo tempo a negação da justiça e da bondade de Deus, e a da lei progressiva da natureza. É por isso que Deus, que é soberanamente justo e bom, concede ao Espírito do homem tantas existências quantas forem necessárias para atingir o objetivo, que é a perfeição. Em cada nova existência o Espírito traz o que adquiriu, nas precedentes, em aptidões, em conhecimentos intuitivos, em inteligência e em moralidade. Assim, cada existência é um passo adiante na via do progresso³.

A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos; ela não é mais necessária para aqueles que ultrapassaram seu limite e que progridem no estado espiritual, ou nas existências corpóreas dos mundos superiores que não têm mais nada da materialidade terrestre. Da parte destes, ela é voluntária, tendo em vista exercer sobre os encarnados uma ação mais direta para o cumprimento da missão de que estão encarregados. Aceitam suas vicissitudes e sofrimentos por devotamento.

No intervalo das existências corpóreas, o Espírito volta por um tempo mais ou menos longo ao mundo espiritual, onde ele é feliz ou infeliz segundo o bem ou o mal que fez. O estado espiritual é o estado normal do Espírito, visto que deve ser seu estado definitivo, e que o corpo espiritual não morre; o estado corpóreo é apenas transitório e passageiro. É acima de tudo no estado espiritual que ele colhe os frutos do progresso realizado por seu trabalho na encarnação; é também então que ele se prepara para novas lutas e toma resoluções que se esforçará para pôr em prática no seu retorno à humanidade. O Espírito progride igualmente na erraticidade; adquire aí conhecimentos especiais que não poderia adquirir na Terra; suas ideias se modificam. O estado corporal e o estado espiritual são para ele a fonte de dois gêneros de progresso, solidários um do outro; é por isso que ele passa alternativamente por esses dois modos de existência.

A reencarnação pode ocorrer na Terra ou em outros mundos. Entre os mundos, há os que são mais avançados do que outros, onde a existência se realiza em condições menos penosas do que na Terra, física e moralmente, mas onde são admitidos apenas Espíritos chegados a um grau de perfeição compatível com o estado desses mundos. A vida nos mundos superiores já é uma recompensa, pois lá se está isento dos males e das vicissitudes dos quais se é alvo na Terra. Os corpos, menos materiais, quase fluídicos, não estão sujeitos às doenças, nem às enfermidades, nem às mesmas necessidades. Estando os maus Espíritos dali excluídos, os homens vivem em paz, sem outro cuidado senão o de seu avanço pelo trabalho da inteligência. Lá reinam a verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque não há orgulho; a verdadeira liberdade, porque não há desordens a reprimir, nem ambiciosos tentando oprimir o fraco. Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos; são as etapas do caminho do progresso que conduz ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à depuração dos Espíritos imperfeitos, é por essa razão que o mal aí domina até que Deus queira fazer dela a morada de Espíritos mais avançados. É assim que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve, chega ao apogeu da felicidade; mas, antes de ter atingido o ponto culminante da perfeição, ele goza de uma felicidade relativa ao seu avanço. Tal como a criança saboreia os prazeres da primeira infância, mais tarde, os da juventude, e finalmente os mais sólidos da idade madura.

A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não está na ociosidade contemplativa, que seria, como foi dito muitas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual, em todos os níveis, é ao contrário uma constante atividade, mas uma atividade isenta de fadigas. A bem-aventurança suprema consiste no gozo de todos os esplendores da criação que nenhuma linguagem humana poderia exprimir, que nem a imaginação mais fecunda poderia conceber; no conhecimento e a penetração de todas as coisas; na ausência de toda dor física e moral; numa satisfação íntima, uma serenidade de alma que nada altera; no amor puro que une todos os seres, em consequência da ausência de todo atrito pelo contato com os maus, e acima de tudo na visão de Deus e na compreensão de seus mistérios revelados aos mais dignos. Ela está também nas funções em que se é feliz por ser delas encarregados. Os puros Espíritos são os Messias ou mensageiros de Deus para a transmissão e execução de suas vontades; eles cumprem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do universo, tarefa gloriosa à qual só se chega pela perfeição. Unicamente os da ordem mais elevada compartilham os segredos de Deus, inspirando-se no Seu pensamento do qual são os representantes diretos.

As atribuições dos Espíritos são proporcionais ao seu avanço, às luzes que possuem, a suas capacidades, à sua experiência e ao grau de confiança que inspiram ao soberano Senhor. Não há privilégio, não há favores que não sejam o prêmio do mérito: tudo é avaliado pela estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que se sabe serem capazes de realizá-las e incapazes de falhar ou de comprometê-las. Enquanto sob o olhar do próprio Deus, os mais dignos compõem o conselho supremo, a chefes superiores é entregue a direção dos turbilhões planetários; a outros é conferida a dos mundos especiais. Vêm a seguir, na ordem do adiantamento e da subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas daqueles que são encarregados da marcha dos povos, da proteção das famílias e dos indivíduos, da impulsão de cada ramo do progresso, das diversas operações da natureza até os mais ínfimos detalhes da criação. Neste vasto e harmonioso conjunto, há ocupação para todas as capacidades, todas as aptidões, todas as boas vontades, ocupações aceitas com alegria, solicitadas com ardor, porque é um meio de progresso para os Espíritos que procuram elevar-se.

Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há as de todos os graus de importância entregues aos Espíritos de todas as ordens; daí se poder dizer que cada encarnado tem a sua, ou seja, deveres a cumprir para o bem de seus semelhantes, desde o pai de família a quem incumbe o cuidado de fazer progredir seus filhos, até o homem de gênio que lança na sociedade novos elementos de progresso. É nessas missões secundárias que se encontram muitas vezes falhas, prevaricações, renúncias, mas que prejudicam apenas o indivíduo e não o conjunto.

Todas as inteligências concorrem, portanto, para a obra geral, seja qual for o grau a que tenham chegado, e cada uma na medida das suas forças; umas no estado de encarnação, outras no estado de Espírito. Em toda parte a atividade, do ponto mais baixo até o mais alto da escala, todas se instruindo, se ajudando mutuamente, estendendo a mão umas às outras para atingir o cume. Assim se estabelece a solidariedade entre o mundo espiritual e o mundo corporal, em outras palavras, entre os homens e os Espíritos, entre os Espíritos livres e os Espíritos cativos. Assim se perpetuam e se consolidam, pela purificação e continuidade das relações, as simpatias verdadeiras, as afeições santas. Em toda a parte, portanto, a vida e o movimento; nenhum canto do infinito que não seja povoado; nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por inúmeras legiões de seres radiosos, invisíveis para os sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja visão arrebata de admiração e de alegria as almas desprendidas da matéria. Em toda a parte, enfim, há uma felicidade relativa para todos os progressos, para todos os deveres cumpridos; cada um traz em si os elementos de sua felicidade, relativa à categoria em que o coloca seu grau de adiantamento. A felicidade deve-se às qualidades próprias dos indivíduos, e não ao estado material do meio onde eles se encontram; ela existe então em toda a parte onde há Espíritos capazes de ser felizes; nenhum lugar circunscrito lhe é designado no universo. Seja qual for o lugar onde se encontrem, os puros Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda a parte.

Entretanto, a felicidade não é pessoal; se fosse tirada apenas de si mesmo, se não se pudesse compartilhá-la com outros, seria egoísta e triste; ela está também na comunhão de pensamentos que une os seres simpáticos. Os Espíritos bem-aventurados, atraídos uns para os outros pela semelhança das ideias, dos gostos, dos sentimentos, formam vastos grupos ou famílias homogêneas, nas quais cada individualidade irradia suas próprias qualidades, e é penetrada pelos eflúvios serenos e benfazejos que emanam do conjunto, cujos membros ora se dispersam para se dedicarem à sua missão, ora se juntam num ponto qualquer do espaço para comunicarem uns aos outros o resultado de seus trabalhos, ora se reúnem em volta de um Espírito de uma ordem mais elevada para receber seus conselhos e suas instruções.

Embora os Espíritos estejam em toda parte, os mundos são os centros onde eles se reúnem de preferência, devido à analogia que existe entre eles e aqueles que os habitam. Em torno dos mundos avançados são abundantes os Espíritos superiores; em torno dos mundos atrasados pululam os Espíritos inferiores. A Terra é ainda um destes últimos. Cada globo tem então, de alguma forma, sua própria população de Espíritos encarnados e desencarnados, a qual se alimenta na maior parte pela encarnação e desencarnação dos mesmos Espíritos. Essa população é mais estável nos mundos inferiores onde os Espíritos são mais apegados à matéria, e mais flutuante nos mundos superiores. Entretanto, dos mundos, centros de luz e de felicidade, Espíritos se desprendem rumo aos mundos inferiores para semear neles os germes do progresso, trazer a consolação e a esperança, reanimar as coragens abatidas pelas provações da vida, e às vezes encarnam-se neles para cumprirem sua missão com mais eficácia.

Nesta imensidão sem limites, onde está então o céu? Está em toda a parte; nenhuma cerca lhe impõe limites; os mundos felizes são as últimas estações que a ele conduzem; as virtudes abrem-lhe o caminho, os vícios proíbem-lhe o acesso. Ao lado deste quadro grandioso que povoa todos os cantos do universo, que dá a todos os objetos da criação um objetivo e uma razão de ser, como é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a humanidade a um imperceptível ponto do espaço, que no-la mostra começando num dado instante para acabar igualmente um dia com o mundo que a sustenta, não abarcando assim senão um minuto na eternidade! Como ela é triste, fria e glacial, quando nos mostra o resto do universo antes, durante e depois da humanidade terrestre, sem vida, sem movimento, como um imenso deserto mergulhado no silêncio! Como é desesperante pela pintura que faz do pequeno número de eleitos devotados à contemplação eterna, enquanto a maioria das criaturas é condenada a sofrimentos sem fim! Como ela é aflitiva, para os corações amantes, pela barreira que coloca entre os mortos e os vivos! As almas felizes, diz-se, pensam somente em sua felicidade; as que são desgraçadas, em suas dores. É de espantar que o egoísmo reine na Terra, quando é mostrado no céu? Quão estreita é então a ideia que ela dá da grandeza, do poder e da bondade de Deus! Quão sublime é, ao contrário, a ideia que o Espiritismo dá! Como sua doutrina engrandece as ideias, amplia o pensamento! – Mas quem diz que ela é verdadeira? Inicialmente a razão, a revelação em seguida, depois sua concordância com o progresso da ciência. Entre duas doutrinas das quais uma diminui e a outra amplia os atributos de Deus; das quais uma está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das quais uma fica para trás e a outra avança, o bom senso diz de que lado está a verdade. Que em presença das duas, cada um, em seu foro íntimo, interrogue suas aspirações, e uma voz interna lhe responderá. As aspirações são a voz de Deus, que não pode enganar os homens.

Mas então por que Deus, desde o princípio, não lhes revelou toda a verdade? Pela mesma razão de que não se ensina à infância o que se ensina à idade madura. A revelação restrita era suficiente durante um certo período da humanidade; Deus a proporciona às forças do Espírito. Aqueles que hoje recebem uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que já receberam uma revelação parcial em outros tempos, mas que desde então cresceram em inteligência. Antes que a ciência lhes tivesse revelado as forças vivas da natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel e a formação da Terra, teriam eles compreendido a imensidão do espaço, a pluralidade dos mundos? Antes que a geologia tivesse provado a formação da Terra, teriam eles podido desalojar o inferno de seu centro, e compreender o sentido alegórico dos seis dias da criação? Antes que a astronomia tivesse descoberto as leis que regem o universo, teriam eles podido compreender que não há nem acima nem abaixo no espaço, que o céu não está acima das nuvens, nem limitado pelas estrelas? Antes do progresso da ciência psicológica teriam eles podido identificar-se com a vida espiritual? Conceber, após a morte, uma vida feliz ou infeliz, de outro modo que não num lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos do que pelo pensamento, o universo era demasiado vasto para seu cérebro; era preciso reduzi-lo a proporções menores para colocá-lo sob seu ponto de vista, sob a condição de estendê-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade; ela era sábia então, hoje é insuficiente. O erro é daqueles que, não levando em conta o progresso das ideias, creem poder governar homens maduros como se fossem crianças. (Ver Evangelho segundo o Espiritismo, cap. III)

1 - Ptolomeu viveu em Alexandria, Egito, no segundo século da era cristã.
2 - Do grego, pur ou pyr, fogo.
3 - Vede o livro "O céu e o inferno", 1ª parte, capítulo I,  3, nota 1.





Allan Kardec, no livro "O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo, parte 1ª, Doutrina, capítulo III.

CÉU COM CÉU

“Mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam.” — Jesus.
(MATEUS, CAPÍTULO 6, VERSÍCULO 20.)
Em todas as fileiras cristãs se misturam ambiciosos de recompensa que presumem encontrar, nessa declaração de Jesus, positivo recurso de vingança contra todos aqueles que, pelo trabalho e pelo devotamento, receberam maiores possibilidades na Terra.

O que lhes parece confiança em Deus é ódio disfarçado aos semelhantes. Por não poderem açambarcar os recursos financeiros à frente dos olhos, lançam pensamentos de critica e rebeldia, aguardando o paraíso para a desforra desejada.

Contudo, não será por entregar o corpo ao laboratório da natureza que a personalidade humana encontrará, automaticamente, os planos da Beleza Resplandecente.

Certo, brilham santuários imperecíveis nas esferas sublimadas, mas é imperioso considerar que, nas regiões imediatas à atividade humana, ainda encontramos imensa cópia de traças e ladrões, nas linhas evolutivas que se estendem além do sepulcro.

Quando o Mestre nos recomendou ajuntássemos tesouros no céu, aconselhava-nos a dilatar os valores do bem, na paz do coração. O homem que adquire fé e conhecimento, virtude e iluminação, nos recessos divinos da consciência, possui o roteiro celeste. Quem aplica os princípios redentores que abraça, acaba conquistando essa carta preciosa; e quem trabalha diariamente na prática do bem, vive amontoando riquezas nos Cimos da Vida.

Ninguém se engane, nesse sentido.

Além da Terra, fulgem bênçãos do Senhor nos Páramos Celestiais, entretanto, é necessário possuir luz para percebê-las.

É da Lei que o Divino se identifique com o que seja Divino, porque ninguém contemplará o céu se acolhe o inferno no coração.

Francisco Cândido Xavier pelo espírito Emmanuel no livro "Pão Nosso".


Para fazer o download da apresentação utilizada no Estudo de Obras de Emmanuel do Centro Espírita Casimiro Cunha que ocorre todas as terças-feiras às 19:00 horas basta clicar A.Q.U.I. 



A QUEM SERVE A MISÉRIA INSTITUCIONALIZADA?


No ano de 2015, 1% da população mundial atingiu metade do total de ativos. Em outras palavras, 1% da população do planeta detém o mesmo volume de riquezas que os restantes 99% – uma desigualdade grotesca.

Para chegarmos nesse grau de concentração de renda, foram necessários séculos de uma vertiginosa criação e acumulação de riquezas, um processo que historicamente se dá na base da exploração de todas as categorias de pobres e desvalidos que já andaram sobre a terra, dos escravos aos operários, das crianças e mulheres desprotegidas aos milhões de migrantes condenados a não mais que tentar sobreviver.

E com papel decisivo nessa empreitada estão as religiões que se intitulam cristãs, na medida em que oferecem pouca reflexão à letra bíblica, a fim de domar a massa com a promessa de um céu mais justo, na medida em que condenam o direito à indignação diante da ausência de direitos básicos ou oportunidades efetivas que permitam conquistas reais, e com retóricas sagazes como a de um povo pacífico que deve “dar” para receber (“Dai, e servos-á dado”, Lc. 6,38), acobertando, assim, um povo passivo, manipulado, domado, resignado e útil.

Mas, afinal, a quem serve a miséria institucionalizada?

O mundo em que vivemos é o mundo da economia. A política é um mero disfarce, um artifício cujo objetivo é encobrir esse fato. Paradoxalmente, ela é também nossa única saída. Orai e vigiai, mas também problematizai e agi.

Se antes a riqueza era palpável – metais preciosos, commodities, dinheiro – hoje ela é etérea, desmaterializada. Boa parte dela existe somente como números em redes de computadores, os quais, administrados nos grandes centros financeiros do mundo, trabalham para seus donos, permitindo que a elite da elite mundial enriqueça mais a cada dia, mesmo sem produzir nada.

Um excesso de dinheiro que se converte em futilidades e, em última análise, em desigualdade. Sim, porque essa riqueza gerada nos centros financeiros precisa vir de algum lugar. E esse “lugar” é de todos nós, do trabalho mal remunerado, da exploração predatória do planeta, da socialização dos prejuízos (o nome Samarco vem à mente). Para suprir um punhado de contas bancárias com muitos zeros à direita é preciso que todo o resto da população mundial se torne mão de obra (PEC 55 faz algum sentido?).

A possibilidade de uma vida autônoma, desvinculada do nexo monetário, é praticamente inexistente. Para viver, é preciso vender a própria força de trabalho. Esse fato, especialmente em países pobres ou nos quais predomina a ideia do Estado mínimo, significa que uma parcela enorme da população viva em permanente situação de vulnerabilidade. Se perder o emprego, o trabalhador não terá onde viver, o que comer, não terá acesso à assistência médica, seus filhos não terão escola.

Estranhamente, o desejo por autonomia é praticamente inexistente. A verdade é que a falsa liberdade em que vivemos é cativante. Falsa liberdade evidente no meio espírita, por meio da crença de que a Doutrina Espírita cumpriu a promessa de descortinar véus sobre os textos bíblicos. Considerando nosso apego aos antigos conceitos e os equívocos* das traduções, que raramente criticamos, pode-se afirmar que, quase 160 anos depois, não compreendemos o alcance libertador desta filosofia.

Escreveu profeticamente Aldous Huxley, em 1932, em Admirável Mundo: “A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”.

Em seu novo documentário, HyperNormalisation (2016), Adam Curtis faz uma provocação poderosa. Diz ele: “Você vai a um escritório e se senta em uma escrivaninha, mas talvez esse seja um trabalho falso. O seu verdadeiro trabalho é comprar. As verdadeiras fábricas de nossos tempos são os shopping centers. É lá que o verdadeiro trabalho duro é feito”.

Para considerável fatia do mundo ocidental, viver é comprar. Não há interessados em uma vida autônoma fora do nexo monetário porque todos querem consumir. Esta é uma prisão na qual se entra voluntariamente. De bens de primeira necessidade a objetos absolutamente inúteis, de experiências únicas a celebrações inesquecíveis, tudo se compra, inclusive a paz dos mornos, a paz daqueles que, com a caridade do supérfluo, se eximem da responsabilidade de serem também responsáveis pela manutenção dessa prisão consumista. Basta fazer caridade!

Para que essa roda gire é fundamental que outras formas de existir sejam destruídas ou pareçam desinteressantes. A vida longe das possibilidades de consumo passa a ser questionada: seria isto vida? O próprio tempo deve obedecer à lógica da produção, atropelando no processo tudo aquilo que funciona em seu próprio tempo: o nascimento, as crianças, os idosos e a morte.

Para a roda girar, precisamos acreditar que não temos opções. É necessário que as ideias capazes de paralisar essas engrenagens sejam elas mesmas destruídas. É preciso que deixemos de lado nossa cidadania, aqui entendida como a luta por direitos, e nos conformemos com nosso papel de consumidores. É preciso odiar os pobres e amar os ricos, ou, como disse Malcolm X: “Se você não for cuidadoso, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo”. Note-se o papel dos “jornais” nessa inversão de conceitos. E mais uma vez, sob a paz dos mornos, basta acrescentar uma dose de caridade semanal para a imediata harmonização espiritual.

No caso do Brasil, vivemos um processo paradoxal que faz a sociedade enxergar direitos básicos (à educação e à saúde, por exemplo) como privilégios, ao mesmo tempo em que enxerga os privilégios como direitos (pensemos nos salários do Judiciário e do Legislativo). E o grosso da classe média se identifica com as camadas altas, acreditando que tem mais a perder do que a ganhar com uma sociedade mais igualitária.

Para que a desigualdade possa se perpetuar, é preciso matar a ideia de igualdade, acreditar que as diferenças entre os seres humanos se justificam, e isso se dá por meio de mecanismos como a noção de meritocracia. É preciso ignorar completamente um dos mais famosos conselhos de Erasto, citado muitas vezes por Kardec, “Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira”.

Em outras palavras, os vencedores seriam aqueles que se esforçam. Uma ideia risível em um mundo recém saído da escravidão, racista e até hoje profundamente machista. Dois minutos de raciocínio bastam para perceber que é impossível e injusto comparar pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades na vida.

A sociedade brasileira é profundamente preconceituosa. Aqui, nascer preto e pobre é quase uma condenação. Mudar essa configuração de mundo começa com uma crença básica: todos os seres humanos têm direito a uma vida digna e aos mesmos direitos. E a única saída para implementar esses princípios é que se tornem políticas públicas, e o caminho para isso é a política.

Por mais fragilizada que ela esteja perante o poder da economia, a política é a arma que nos resta. Certamente é preciso mudar a política, mas não a abandonar. A pregação do apartidarismo e da falência da política – “são todos farinha do mesmo saco” – só interessa aos poderosos de sempre.

(*Vide a imensa alteração de sentido: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (na tradução para o grego) e “Em marcha, pobres em espírito! Sim, deles é o Reino dos Céus” (no hebraico dito por Jesus) - vide Caminho pra Casa, blog de Mauro Lopes, com as devidas referências bibliográficas)

Por Ana Fiorini, revisora e tradutora, e Cynthia Santos, pedagoga e roteirista, publicado originalmente na Revista Crítica Espírita, 
ano 2, nº 23, novembro de 2016.

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