Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sexta-feira, 23 de junho de 2017

BRANDOS E PACÍFICOS



A azáfama do dia cedera lugar a terna e suave tranqüilidade. As atividades fatigantes alongaram-se até as primeiras horas da noite, que se recamara de astros alvinitentes. Os últimos corações atendidos, à margem do lago, após a formosa pregação do entardecer, demandaram os seus sítios facultando que eles, a seu turno, volvessem à casa de Simão.

Depois do repasto simples, o Mestre acercou-se da praia em companhia do apóstolo afeiçoado e, porque o percebesse tristonho, interrogou com amabilidade:

- Que aflição tisna a serenidade da tua face, Simão, encobrindo-a com o véu de singular tristeza?

Havia na indagação carinhoso interesse e bondade indisfarçável.

Convidado diretamente à conversação renovadora, o velho pescador contestou com expressiva entonação de voz, na qual se destacava a modulação da amargura:

- Cansaço, Senhor. Sinto-me muitas vezes descoroçoado, no ministério abraçado... Não fosse por ti...

Não conseguiu concluir a frase. As lágrimas represadas irromperam afogando o trabalhador devotado em penosa agonia. E como o silêncio se fizesse espontâneo, ante o oscular da noite que os acalentava em festival de esperança, o companheiro, sentindo-se compreendido e, passado o volume inicial da emotividade descontrolada, prosseguiu:

- Não ignoro a própria inferioridade e sei que teu amor me convocou à boa nova a fim de que me renovasse para a luz e pudesse crescer na direção do amor de nosso Pai. Todavia, deparo-me a cada instante com dificuldades que me dilaceram os sentimentos, inquietando-me a alma.

Ante o olhar dúlcido e interrogativo do Amigo discreto adiu:

- É verdade que devemos perdoar todas as ofensas, no entanto, como suportar a agressividade que nos fere, quando pretende admoestar e que humilha, quando promete ajudar?

- Guardando a paz do coração - redarguiu o divino Benfeitor.

- Todavia - revidou o discípulo sensibilizado -, como conservar a paz, estando sitiado pela hipocrisia de uns, pela suspeita pertinaz de outros, sob o olhar severo das pessoas que sabemos em pior situação do que a nossa?


- Mantendo a brandura no julgamento - respondeu o Senhor.

- Concordo que a mansuetude é medicamento eficaz - redarguiu Pedro -, não obstante, não seria de esperarmos que os companheiros afeiçoados à luz nova também a exercitassem por sua vez? Quando a dúvida sobre nossas atitudes parte de estranhos, quando a suspeição vem de fora da grei, quando a agressividade nos chega dos inimigos da fé, podemos manter a brandura e a paz íntimas. Entrementes, sofrer as dificuldades apresentadas por aqueles que nos dizem amar, tomando parte no banquete do Evangelho, convém consideremos ser muito mais difícil e grave o cometimento...

Percebendo a angústia que se apossara do servo querido, o Mestre, paciente e judicioso, explicou:

- Antes de esperarmos atitudes salutares do próximo, cabe-nos o dever de oferecê-las. Porque alguém seja enfermo pertinaz e recalcitrante no erro, impedindo que a luz renovadora do bem o penetre e sare, não nos podemos permitir o seu contágio danoso, nem nos é lícito cercear-lhe a oportunidade de buscar a saúde. Certamente, dói-nos mais a impiedade de julgamento que parte do amigo e fere mais a descortesia de quem nos é conhecido. Ignoramos, porém, o seu grau de padecimento interior e a sua situação tormentosa. Nem todos os que nos abraçam fazem-no por amor, bem o sabemos... Há os que, incapazes de amar, duvidam do amor do próximo; os que mantendo vida e atitudes dúbias descreem da retidão alheia; os que tropeçando e tombando descuram de melhorar a estrada para os que vêm atrás... Necessário compreendê-los todos e amá-los, sem exigir que sejam melhores ou piores, convivendo sob o bombardeio do azedume deles sem nos tornar-nos displicentes para com os nossos deveres ou amargos em relação aos outros...

- Ante a impossibilidade de suportá-los - sindicou o pescador com sinceridade -, sem correr o perigo de os detestar, não seria melhor que os evitássemos, distanciando-nos deles?

- Não, Simão - esclareceu Jesus. - Deixar o enfermo entregue a si mesmo será condená-lo à morte; abandonar o revel significa torná-lo pior... Antes de outra atitude é necessário que nos pacifiquemos intimamente, a fim de que a brandura se exteriorize do nosso coração em forma de bênção. Na legislação da montanha foi estabelecido que são bem-aventurados os brandos e pacíficos... A bem-aventurança é o galardão maior. Para consegui-lo é indispensável o sacrifício, a renúncia, a vitória sobre o amor-próprio, o triunfo sobre as paixões. Amar aos bons é dever de retribuição, mas servir e amar aos que nos menosprezam e de nós duvidam é caridade para eles e felicidade para nós próprios.

Como o céu continuasse em cintilações incomparáveis e o canto do mar embalasse a noite em triunfo, o Mestre silenciou como a aspirar as blandícias da Natureza.

O discípulo, desanuviado e confiante, com os olhos em fulgurações, pensando nos júbilos futuros do Evangelho, repetiu quase num monólogo, recordando o Sermão da Montanha:

- Bem-aventurados os que são brandos, porque possuirão a Terra. Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.

E deixou-se penetrar pela tranqüilidade, em clima de elevadas reflexões.

Divaldo Pereira Franco pelo espírito Amélia Rodrigues recebido por e-mail de oespiritismo@oespiritismo.com.br





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