Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 23 de julho de 2016

COISAS PARA DESAPRENDER

As crianças não veem com esses bem-acabados folhetos impressos que explicam minuciosamente como funcionam os aparelhos que adquirimos nas lojas. Não trazem um manual de instruções, que ensine como devemos abrir o pacote, tirar o aparelho da caixa, instalá-lo e fazê-lo funcionar. Também não trazem certificado de garantia, que se possa apresentar ao representante autorizado, juntamente com a nota fiscal, caso haja algum defeito de fabricação.

Dizem até que um jovem pai, que acabara de retirar mulher e filho do hospital, levou-o de volta, para reclamar, porque ele estava com um vazamento...

Com o tempo, vamos aprendendo a resolver os pequenos problemas que surgem. E os grandes também, se e quando surgirem. Nós nos valemos da experiência dos mais velhos, geralmente uma das avós, ou ambas, tias, vizinhas e, naturalmente, dos médicos, quando a situação assim exige.

Para facilitar as coisas, comprei o livro de um famoso pediatra da época, que substituía razoavelmente bem os manuais de instruções que acompanham os eletrodomésticos de hoje e ajudam a solucionar ou prevenir alguns dos “enguiços” mais comuns. Recebíamos dele ensinamentos minuciosos sobre a maneira de cuidar do bebê durante seus primeiros dias de vida: o banho, o sono, a roupa, a alimentação, bem como a interpretação de certos sinais típicos que marcam as diferentes etapas de desenvolvimento: os primeiros passos, os dentinhos de leite, peso, altura, hábitos de higiene e inúmeros outros indicadores.

Toda essa logística tem por objetivo proporcionar aos pais uma criança sadia para que nela se desenvolvam as faculdades mais nobres de inteligência, vivacidade e boas maneiras. Para que ela seja, enfim, uma pessoa útil a si mesma e à sociedade na qual está começando a viver, e na qual vai se envolvendo, cada vez mais, na escola, em seus diversos níveis, e depois, no trabalho, no relacionamento com a família, com os amigos e tudo mais.

Realmente, todos esses elementos são da mais alta relevância e de imediata aplicação naquilo que constitui praticamente um projeto, que é o de criar uma criança proporcionando-lhe todos os elementos possíveis a uma vida decente, equilibrada, normal e feliz. Isso, contudo, é apenas parte do problema, uma vez que continuam sem resposta numerosas questões que podem ocorrer à mãe e ao pai da criança. Em suma, temos livros de obstetras, psicólogos, psiquiatras e pediatras, mas onde encontrar obras escritas por “espiritiatras”?

Enquanto o problema consiste apenas em dar este alimento ou aquele, dormir à tarde ou de manhã, vestir ou não agasalho, ventilar o quarto de dormir, tomar sol, tratar um resfriado ou dor de barriga, as opiniões variam, mas podemos chegar a um consenso, adaptado às nossas próprias condições e, obviamente, às do bebê. Acabamos acertando com o alimento que melhor “concorda” com ele, como dizem os americanos, ou com seus hábitos de repouso e atividade, bem como o tipo de roupinha que melhor lhe convém. Mas, e ele mesmo, como pessoa humana, como individualidade, como é? Por que é temperamental ou apático? O que o faz pacífico e sereno ou agitado e mal-humorado? Por que ele gosta de algumas pessoas e não de outras? Por que chora tanto ou não chora, a não ser excepcionalmente? Por que custa tanto a falar ou a andar, ou a aprender a ler? E, mais tarde, por que gosta de matemática e não de línguas, ou vice versa? E, acima de tudo, quando se tem dois ou mais filhos, por que são tão diferentes entre si, uma vez que gerados todos a partir do mesmo conjunto de genes e criados, no lar, sob idênticas ou muito semelhantes condições?

Afinal, quem são nossos filhos, o que representam em nossas vidas e o que representamos nós na vida deles, além do simples relacionamento pais e filhos?

Longe de respostas mais claras e objetivas, ou, pelo menos, de hipóteses orientadoras, o que observamos, no dia-a-dia das lutas e alegrias da vida, é uma coletânea de clichês obsoletos, ou seja, idéias preconcebidas e cristalizadas que de tão repetidas assumiram status de verdades inquestionáveis, que vamos aceitando meio desatentos, sem procurar examiná-las em profundidade.

Por exemplo: o Marquinho “puxou” o jeito enérgico da mãe, ou a Mônica herdou a inteligência do pai, ou o gosto da tia pelas artes plásticas, ou, ainda, o temperamento da avó Adelaide.

A primeira coisa a desaprender com relação às crianças é a de que elas não herdam características psicológicas, como inteligência, dotes artísticos, temperamento, bom ou mau gosto, simpatia ou antipatia, doçura ou agressividade. Cada ser é único, em sua estrutura psicológica, preferências, inclinações e idiossincrasias. Somente características físicas são geneticamente transmissíveis: cor da pele, dos olhos, ou dos cabelos, tendência a esta ou àquela conformação física, predisposição a esta ou àquela enfermidade, ou a uma saúde mais estável, traços fisionômicos e coisas dessa ordem.

Quanto ao mais, não. Pais inteligentíssimos podem ter filhos medíocres, tanto quanto pais aparentemente pouco dotados podem ter filhos geniais. Pessoas pacíficas geram filhos turbulentos e, vice-versa, pais desarmonizados produzem crianças excelentes, equilibradas e sensatas. Qualquer um de nós poderá citar pelo menos uma dúzia de exemplos de seu conhecimento para testemunhar a exatidão dessas afirmativas.

Por isso, repetimos, cada criança, cada pessoa, é única, é diferente, e embora possam ter, duas ou mais, certas características em comum ou muito semelhantes, cada uma delas é um universo próprio, como que individualizado. Até mesmo gêmeos univitelinos, ou seja, gerados a partir do mesmo ovo, trazem, na similitude de certos traços físicos, diferenças fundamentais de temperamento e caráter que os identificam com precisão, como indivíduos perfeitamente autônomos e singulares.

Vamos logo, portanto, definir um importante aspecto: os pais produzem apenas o corpo físico dos filhos, não o espírito (ou alma) deles.

Outra coisa: convém desaprender logo, para abrir espaço para novos conceitos, mais inteligentes, racionais e competentes acerca da vida. Esses espíritos ou almas que nos são confiados, já embalados em corpos físicos, que nós mesmos lhes proporcionamos, através do processo gerador, não são criados novinhos, sem passado e sem história! Eles já existiam antes, em algum lugar, têm uma biografia pessoal, trazem vivências e experiências e aqui aportam para reviver e não para viver. Estão, portanto, renascendo e não apenas nascendo.

É espantosa a reação que esta ideia simples e genuína tem encontrado para impor-se como verdade que é. O próprio Cristo ensinou que João Batista era o profeta Elias renascido, embora não reconhecido pelos seus contemporâneos. Em outra passagem, falando a Nicodemos, admirou-se de que o ilustrado membro do Sinédrio ignorasse verdade tão elementar, ou seja, a de que é preciso nascer de novo para alcançar a paz espiritual, à qual Jesus dava o nome de Reino de Deus ou Reino dos Céus.

Eis, portanto, a pura, simples e inquestionável verdade: nossos filhos, tanto quanto nós mesmos, são seres humanos que já viveram antes. Trazem em si todo um passado mais ou menos longo de experiências, equívocos, conquistas, realizações e, conseqüentemente, um programa a executar na vida que reiniciam junto de nós. Da mesma forma que não nos desintegramos em nada ao morrer, também não viemos do nada quando nascemos de novo na carne. Tudo é continuidade, etapas que se sucedem, em ciclos alternados, aqui e além.

Anotem aí, portanto: somos todos seres criados por Deus, sim, mas há muito, muito tempo, e não no momento da concepção ou na hora do nascimento, para “ocupar” um novo corpo físico.

Esta ideia constitui a viga mestra de toda a arquitetura da vida, o conceito-diretor que nos leva ao entendimento dos seus enigmas, mistérios e belezas imortais. E, portanto, esta ideia, este conceito, esta verdade que escolhemos para alicerçar este livro, a fim de ordenar o que precisamos saber — dentro das limitações humanas — para entender a vida e, também, ajudar aqueles que nos cercam a entendê-la melhor. Tudo aquilo, mas tudo mesmo, que se chocar com esta verdade, tem de ser desaprendido, se é que estamos realmente empenhados em fazer da nossa vida um projeto inteligente de evolução rumo à perfeição espiritual.

Se o bisavô Joaquim foi um sujeito ranzinza e impertinente e vier renascer como seu filho, provavelmente você vai ter uma criança um pouco difícil e impaciente (a não ser que ele tenha se modificado um pouco nesse ínterim). Da mesma forma que, se uma pessoa de bom coração e pacífica renascer como sua filha ou filho, você terá uma criança calma, bem-humorada, simpática, desde os primeiros momentos de vida, ainda que ocasionalmente apronte uma choradeira homérica se estiver com fome, sentindo calor ou frio, ou porque deseja que suas fraldinhas sejam trocadas.

De que outra maneira iria ela pedir isso? Se lhe fosse possível falar, ela diria, educadamente: — Mamãe, você quer fazer o favor de trocar minha fralda? — Ou: —Você não está se esquecendo de me dar a papinha das dez horas?

Deixe-me, pois, dizer-lhe, para ajudar a armar o esquema de como cuidar do seu bebê: ele é um espírito adulto, inteligente e experimentado, aprisionado em um corpinho físico que ainda não lhe proporciona as condições mínimas de que precisa para expressar todo seu potencial. Isto se dará com o tempo, como você poderá observar, à medida que a criança vai crescendo e se revelando como realmente é.

Então, sim, quem disser que ela “puxou” ao birrento bisavô Joaquim é possível que tenha razão, porque, de fato, pode ser o próprio, de volta. Ou se ela for aquele remoto parente genial que escreveu livros, compôs música ou foi um brilhante político, então você terá o privilégio e a responsabilidade de ajudá-la a expressar-se novamente como ser humano; provavelmente, em outro campo de atividade. Em verdade, responsabilidade você tem sempre, seja qual for o filho ou filha, brilhante ou deficiente, amigo ou não tão amigo, sadio ou doente, compreensivo ou rebelde.

Por alguma razão, que um dia você saberá, ele foi encaminhado, atraído ou convidado para vir para sua companhia. Dificilmente será um estranho total, cujos caminhos jamais tenham se cruzado com os seus, no passado. Não se esqueça de que também você é um ser renascido.

Capítulo II do Livro "Nossos Filhos São Espíritos" 
de Hermínio Miranda.

PSICOLOGIA DA GRATIDÃO

Os mitos sempre fizeram parte do inconsciente coletivo da sociedade pelos difíceis caminhos da História. Através deles assim como dos contos de fadas e do folclore, foi possível apresentar explicações lógicas para as complexidades dos fenômenos da vida, tornando-os aceitáveis, porquanto a sua abrangência abarca todas as questões que dizem respeito ao ser humano.

Todos os ensinos dos grandes mestres do passado foram realizados de forma simbólica, inclusive os de Jesus, que se utilizou das parábolas para perpetuar as Suas lições na psique dos ouvintes, insculpindo-as com vigor nos vinte séculos transcorridos desde a sua estada conosco.

Psicoterapias admiráveis, embora com outras denominações, têm sido aplicadas em pacientes graves, narrando-lhes histórias e curando-os, qual acontece na atualidade com alguns especialistas que até se utilizam dos símbolos mitológicos, uns reais, outros extraídos do Velho como do Novo Testamento, para culminarem proporcionando a conquista da saúde.

A mitologia, desse modo, tornou-se a psicologia essencial que contribui para o despertamento do indivíduo, a fim de que se resolva por movimentar os recursos de que dispõe no seu inconsciente, em favor de si mesmo.

É sempre válido recorrer aos seus mistérios, com objetivos relevantes, trabalhando-os em favor da renovação interior das pessoas, ou para revalidar conceitos e propostas que ainda não se firmaram no comportamento individual nem coletivo.

Entre os mitólogos, ocorrem apresentações diferentes das mesmas narrações, certamente como resultado da maneira como as vêem ou as interpretam.

O mito de Perseu, qual ocorre com o da caverna de Platão e muitos outros, tem sido objeto de interpretações variadas, adaptando-se a coragem desse herói ao objetivo psicológico do narrador.

Trazemo-lo em nossas páginas, numa síntese modesta, demonstrando a força dos valores morais na defesa dos seres amados e das lutas baseadas no perdão, para a construção da harmonia e da felicidade.

Como é sabido, segundo a mitologia grega, Perseu era filho de Dânae, um ser mortal, e de Zeus, o rei do Olimpo. O genitor de Dânae foi informado por um oráculo que, um dia, seria assassinado pelo próprio neto. De imediato tomou providências para reter distante da filha qualquer pretendente. Zeus, porém, a desejava, e dessa maneira adentrou-se na prisão em forma de chuva de ouro, de cujo encontro veio a nascer mais tarde Perseu.

Tomando conhecimento de que era avô, o rei Acrísio encarcerou a filha e o neto em uma caixa de madeira, lançando-os ao mar a fim de que perecessem por afogamento.

Informado dessa artimanha perversa, Zeus soprou ventos brandos que levaram a caixa à costa de uma ilha, onde foi recolhida por modesto pescador que os abrigou sob a aquiescência do rei local.

Sua mãe, no entanto, passou a sofrer insidiosa perseguição desse rei, que Perseu enfrentou. O rei propôs, como condição para salvar a mãe de Perseu, que este trouxesse a cabeça de uma das górgonas, a Medusa, monstro ameaçador que transformava em pedra todo aquele que lhe visse o rosto horrendo.

Para vencê-la, Perseu necessitava da ajuda dos deuses, e seu pai, Zeus, num gesto de acendrado amor, designou que Hades, rei do mundo subterrâneo, emprestasse-lhe um capacete com o qual ficaria invisível, enquanto Hermes deu-lhe sandálias aladas, e Atena ofereceu-lhe uma espada afiada e um escudo especial tão polido que se transformava em espelho, refletindo a imagem de tudo que o alcançasse.

Com esse escudo, Perseu pôde olhar apenas o reflexo da Medusa, evitando vê-la diretamente, e decepou lhe a cabeça.

O herói em triunfo retornou ao lar em júbilo, mas, quando voltava, encontrou uma linda jovem acorrentada a um rochedo próximo ao mar, aguardando que um monstro viesse devorá-la. 

O herói tomou conhecimento do seu nome, Andrômeda, e que seria sacrificada porque sua mãe ofendera os deuses que, desse modo, a castigaram.

Perseu apaixonou-se imediatamente, e a libertou, apresentando ao monstro marinho a cabeça da Medusa que o transformou em pedra. Levando em seguida a jovem para conviver com sua mãe, que se transferira para o templo de Atena a fim de fugir às investidas do rei ambicioso e depravado.

Desesperado, Perseu transformou em pedra todos os inimigos da sua genitora, erguendo a cabeça da Medusa, que foi oferecida a Atena, que a insculpiu no seu escudo, tornando-se o emblema da deusa.

Perseu, agradecido aos deuses, devolveu-lhes os preciosos presentes, e permaneceu feliz com Andrômeda.

Certo dia, porém, nos jogos atléticos, ao arremessar um disco, os ventos levaram-no para fora do estádio, matando um idoso. Lamentavelmente era Acrísio, o seu avô, confirmando-se a previsão do oráculo.

Como Perseu não era ambicioso, emocionado e triste, não desejou governar o reino que lhe pertencia por herança ancestral, solicitando ao rei de Argos que com ele trocasse de região, o que aconteceu, facultando-lhe construir a bela cidade de Micenas, com sua esposa e seus filhos.

O nome Perseu significa destruidor, e na mitologia vários elementos psicológicos têm curso: o medo de Acrísio, o receio de não chegar à velhice, a temeridade das punições àqueles que poderiam ser o veículo da sua morte, mas também a clemência de Zeus que protegeu a mulher amada e o seu filho, que arriscou a vida para salvá-la da situação desagradável e saiu para matar o monstro que destruía vidas; também está presente o amor por Andrômeda, transformando Perseu em libertador de vítimas inocentes.

No mito, Perseu castiga os maus e cruéis, tem a generosidade de devolver os presentes e ser grato aos deuses que o ajudaram na empreitada exitosa, sofrendo pela morte do avô e renunciando ao seu reino, que troca por outro.

Em todos os seres humanos encontramos esses arquétipos, havendo ocorrido o triunfo da coragem por amor, da gratidão por maturidade emocional, da proteção aos fracos em ato de compaixão, da renúncia aos bens transitórios.

Perseu triunfou porque descobriu o significado psicológico da sua existência, que era salvar a genitora, vencer os inimigos internos, perseverar nos propósitos elevados e reconhecer a própria vulnerabilidade ante as vicissitudes existenciais.

Quando alguém deseja alcançar a vitória sobre os fatores externos, eliminando as Medusas que lhe jazem no íntimo, nenhum medo mais o assusta ou aflige, porque a sua onda mental está localizada no idealismo do amor e do bem incessante, que prevalecem com alto significado, jamais se permitindo que o ressentimento ou a vingança lhe assinale a conduta.

Essa marcha contínua leva o lutador à individuação, após passar por todas as tormentas do ego e da sombra.

A psicologia da gratidão torna-se um instrumento hábil no eixo egol Self, devendo ser vivenciada em todos os momentos da existência corporal como roteiro de segurança para a conquista da sua realidade.

Filha do amadurecimento psicológico enriquece de paz e de alegria todo aquele que a cultiva.

Nesses dias de violência e de crueldade, de indiferença pelos valores morais e emocionais relevantes, a gratidão tem um papel significativo a desempenhar em referência à saúde integral dos seres humanos.

Vive-se o afã dos prazeres grosseiros e tóxicos, sem nenhuma oportunidade para o Espírito que se é, ante as pressões vigorosas do materialismo que domina a sociedade terrestre.

São convocados para essa luta sem quartel os Perseus destemidos, capazes de superar as circunstâncias aziagas, fixados na proteção de Deus que vela pelas Suas criaturas.

Esperamos que esta modesta contribuição psicológica possa auxiliar o homem e a mulher novos no grande empreendimento da auto conquista.

Salvador, 1° de janeiro de 2011.

Joanna de Ângelis (Espírito) através de Divaldo Pereira Franco  apresentando o livro "Psicologia da Gratidão" da autoria de ambos. 

TRISTEZA PERTURBADORA


Conquanto brilhe o sol da oportunidade feliz, abrindo campo para a ação e para a paz, a sombra teimosa da tristeza envolve-te em injustificável depressão.

Gostarias de arrancar das carnes da alma este espinho cravado que te faz sofrer, e, por não o conseguires, deixas-te abater.

Conjecturas a respeito da alegria, do corpo jovem, dos prazeres convidativos, e lamentas não poder fruir tudo quanto anelas.

A tristeza, porém, é doença que, agasalhada, piora o quadro de qualquer aflição.

A sua sombra densa altera o contorno dos fatos e das coisas, apresentando fantasmas onde existe vida e desencanto no lugar em que está a esperança.

Ela responde pela instalação de males sutis que terminam por desequilibrar o organismo físico e a maquinaria emocional.

Luta contra a tristeza, reeducando-te mentalmente.

Não dês guarida emocional às suas insinuações.

Ninguém é tão ditoso quanto supões ou te fazem crer.

A Terra é o planeta-escola de aprendizes incompletos, inseguros.

A cada um falta algo, que não conseguirá conquistar.

Resultado do próprio passado espiritual, o homem sente sempre a ausência do que malbaratou.

A escassez de agora é conseqüência do desperdício de outrora.

A aspiração tormentosa é prova a que todos estão submetidos, a fim de que valorizem melhor aquilo de que dispõem e a outros falta.

Lamentas não ter algo que vês noutrem, todavia, alguém ambiciona o que possuis e não dás valor.

Resigna-te, pois, e alegra-te com tudo quanto te enriquece a existência neste momento.

Aprende a ser grato à vida e àqueles que te envolvem em ternura, saindo da tristeza pertinaz para o portal de luz, avançando pelo rumo novo.

Jesus, que é o "Espírito mais perfeito" que veio à Terra, sem qualquer culpa, foi incompreendido, embora amando; traído, apesar de amar, e crucificado, não obstante amasse...

Desse modo, sorri e conquista o teu espaço, esquecendo o teu espinho e arrancando aquele que está ferindo o teu próximo.

Oportunamente, descobrirás que, enquanto te esqueceste da própria dor, lenindo a dos outros, superaste-a em ti, conseguindo a plenitude da felicidade, que agora te rareia.

Joanna D'Ângelis (Espírito) através de Divaldo Pereira Franco, 
no livro "Momentos de Coragem".

terça-feira, 19 de julho de 2016

AO PARTIR DO PÃO

“E eles lhes contaram o que lhes acontecera no caminho, e como deles foi conhecido ao partir do pão.” — (Lc 24:35.)

Muito importante o episódio em que o Mestre é reconhecido pelos discípulos que se dirigiam para Emaús, em desesperação.

Jesus seguira-os, qual amigo oculto, fixando-lhes a verdade no coração com as fórmulas verbais, carinhosas e doces.

Grande parte do caminho foi atravessada em companhia daquele homem, amoroso e sábio, que ambos interpretaram por generoso e simpático desconhecido e, somente ao partir do pão, reconhecem o Mestre muito amado.

Os dois aprendizes não conseguiram a identificação nem pelas palavras, nem pelo gesto afetuoso; contudo, tão logo surgiu o pão materializado, dissiparam todas as dúvidas e creram.

Não será o mesmo que vem ocorrendo no mundo há milênios?

Compactas multidões de candidatos à fé se afastam do serviço divino, por não atingirem, depois de certa expectação, as vantagens que aguardavam no imediatismo da luta humana. Sem garantia financeira, sem caprichos satisfeitos, não comungam na crença renovadora, respeitável e fiel.

É necessário combater semelhante miopia da alma.

Louvado seja o Senhor por todas as lições e testemunhos que nos confere, mas continuarás muito longe da verdade se o procuras apenas na divisão dos bens fragmentários e perecíveis.

Emmanuel (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier, 
no livro "Pão Nosso". 

domingo, 17 de julho de 2016

O ESPIRITISMO NÃO FAZ MILAGRES


Do livro A Gênese, de Allan Kardec - Capítulo XIII - Características dos milagres.

O Espiritismo vem, pois, por sua vez, fazer o que cada ciência fez no seu advento: revelar novas leis e explicar, conseguintemente, os fenômenos compreendidos na alçada dessas leis. Esses fenômenos, é certo, se prendem à existência dos Espíritos e à intervenção deles no mundo material. Ora, dizem, é justamente nisso que consiste o sobrenatural, mas, então, seria preciso provar que os Espíritos e suas manifestações são contrários às leis da natureza; que aí não há, nem pode haver, a ação de uma dessas leis.

O Espírito nada mais é do que a alma sobrevivente ao corpo; é o ser principal, visto que não morre, enquanto o corpo não passa de um acessório que se destrói. Sua existência, portanto, é tão natural depois, como durante a encarnação; está submetido às leis que regem o princípio espiritual, como o corpo está sujeito às leis que regem o princípio material; mas como esses dois princípios têm necessária afinidade, como reagem incessantemente um sobre o outro, como da ação simultânea deles resultam o movimento e a harmonia do conjunto, segue-se que a espiritualidade e a materialidade são duas partes de um mesmo todo, tão natural uma quanto a outra, não sendo, pois, a primeira uma exceção, uma anomalia na ordem das coisas.

Durante a sua encarnação, o Espírito atua sobre a matéria por intermédio do seu corpo fluídico ou perispírito, dando-se o mesmo quando ele não está encarnado. como Espírito, faz o que fazia o homem, na medida de suas capacidades; apenas, por já não ter o corpo carnal para instrumento, serve-se, quando necessário, dos órgãos materiais de um encarnado, que vem a ser o que se chama médium. Procede então como alguém que, não podendo escrever por si mesmo, se vale de um secretário, ou que, não sabendo uma língua, recorre a um intérprete. O secretário e o intérprete são os médiuns do encarnado, do mesmo modo que o médium é o secretário ou o intérprete de um Espírito.

Já não sendo o mesmo no estado de encarnação o meio em que os Espíritos atuam e os modos por que atuam, os efeitos também são diferentes. Tais efeitos só parecem sobrenaturais porque se produzem com o auxílio de agentes que não são os de que nos servimos. Desde, porém, que esses agentes estão na natureza e as manifestações se dão em virtude de certas leis, nada há de sobrenatural ou de maravilhoso. Antes de se conhecerem as propriedades da eletricidade, os fenômenos elétricos passavam por prodígios aos olhos de certa gente; a partir do momento em que se conheceu a causa, desapareceu o maravilhoso. Dá-se o mesmo com os fenômenos espíritas, que não saem mais das leis naturais do que os fenômenos elétricos, acústicos, luminosos e outros, que serviram de fundamento a uma imensidão de crenças supersticiosas.

Entretanto, dir-se-á, admitis que um Espírito pode levantar uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio; não é isso uma derrogação da lei da gravidade? — sim, da lei conhecida. Conhecem-se, porém, todas as leis? Antes que se houvesse experimentado a força ascensional de certos gases, quem diria que uma pesada máquina, transportando vários homens, pudesse triunfar da força de atração?Aos olhos do vulgo, isso não pareceria maravilhoso, diabólico? Aquele que, há um século, tivesse proposto a transmitir um telegrama a 500 léguas e receber a resposta dentro de alguns minutos teria passado por louco; se o fizesse, teriam acreditado estar o diabo às suas ordens, porque então só o diabo era capaz de andar tão depressa. Hoje, no entanto, não só se reconhece possível o fato, como ele parece muito natural. Por que, pois, um fluido desconhecido não teria a propriedade de contrabalançar, em dadas circunstâncias, o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? É, com efeito, o que ocorre no caso de que se trata. 

Estando na natureza, os fenômenos espíritas se hão produzido em todos os tempos; mas precisamente porque seu estudo não podia ser feito pelos meios materiais de que dispõe a ciência vulgar, permaneceram muito mais tempo do que outros no domínio do sobrenatural, de onde o Espiritismo agora os retira. Baseado em aparências inexplicáveis, o sobrenatural deixa livre curso à imaginação que, a vagar pelo desconhecido, gera as crenças supersticiosas. Uma explicação racional, fundada nas leis da natureza, reconduzindo o homem ao terreno da realidade, fixa um ponto de parada aos transviamentos da imaginação e destrói as superstições. Longe de ampliar o domínio do sobrenatural, o Espiritismo o restringe até os seus extremos limites e lhe derruba o último refúgio. Se é certo que ele faz crer na possibilidade de alguns fatos, não menos certo é que, por outro lado, impede a crença em muitos outros, porque demonstra, no campo da espiritualidade, a exemplo da ciência no âmbito da materialidade, o que é possível e o que não o é. Todavia, como não alimenta a pretensão de haver dito a última palavra seja sobre o que for, nem mesmo sobre o que é da sua competência, ele não se apresenta como absoluto regulador do possível e deixa de lado os conhecimentos reservados ao futuro.

Os fenômenos espíritas consistem nos diferentes modos de manifestação da alma ou Espírito, seja durante a encarnação, seja no estado de erraticidade. É pelas manifestações que produz que a alma revela sua existência, sua sobrevivência e sua individualidade; julga-se dela pelos seus efeitos; sendo natural a causa, o efeito também o é. São esses efeitos que constituem objeto especial das pesquisas e do estudo do Espiritismo, a fim de chegar-se a um conhecimento tão completo quanto possível da natureza e dos atributos da alma, como das leis que regem o princípio espiritual.

Para os que negam a existência do princípio espiritual independente e, por conseguinte, negam a existência da alma individual e sobrevivente, a natureza toda está na matéria tangível; todos os fenômenos que se referem à espiritualidade são, para esses negadores, sobrenaturais e, portanto, quiméricos. Não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos e, quando estes são patentes, eles os atribuem à imaginação, à ilusão, à alucinação e se negam a aprofundá-los. Daí a opinião preconcebida que os torna inaptos a apreciar judiciosamente o Espiritismo, porque partem do princípio da negação de tudo que não seja material.

Embora o Espiritismo admita os efeitos, que são a consequência da existência da alma, não se segue que admita todos os efeitos qualificados de maravilhosos e que se proponha a justificá-los e dar-lhes crédito; que se faça campeão de todos os devaneios, de todas as utopias, de todas as excentricidades sistemáticas, de todas as lendas miraculosas. Seria preciso conhecê-lo muito pouco para pensar assim. Seus adversários julgam opor-lhe um argumento sem réplica, quando, depois de terem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint-Médard (153), sobre os calvinistas das Cevenas (154), ou sobre os religiosos de Loudun (155), chegaram a descobrir fatos patentes de embuste, que ninguém contesta. Mas essas histórias serão, porventura, o evangelho do Espiritismo? Seus adeptos já terão negado que o charlatanismo haja explorado em proveito próprio alguns fatos? Que a imaginação os tenha criado? Que o fanatismo os haja exagerado muitíssimo? Ele não é mais solidário com as extravagâncias que se cometam em seu nome do que a ciência com os abusos da ignorância e a verdadeira religião com os abusos do fanatismo. Muitos críticos julgam o Espiritismo pelos contos de fadas e pelas lendas populares, ficções daqueles contos. O mesmo seria julgar a História pelos romances históricos e pelas tragédias.

Na maior parte das vezes os fenômenos espíritas são espontâneos e se produzem sem nenhuma ideia preconcebida da parte das pessoas com que eles se dão e que, em regra, são as que neles menos pensam. Existem alguns que, em certas circunstâncias, podem ser provocados pelos agentes denominados médiuns. no primeiro caso, o médium é inconsciente do que se produz por seu intermédio; no segundo, age com conhecimento de causa, de que resulta a classificação de médiuns conscientes e médiuns inconscientes. Estes últimos são os mais numerosos e se encontram com frequência entre os mais obstinados incrédulos que, assim, praticam o Espiritismo sem o saberem, nem quererem. Por isso mesmo, os fenômenos espontâneos têm capital importância, visto não se poder suspeitar da boa-fé dos que os obtêm. Dá-se aqui o que se dá com o sonambulismo que, em certos indivíduos, é natural e involuntário, enquanto em outros é provocado pela ação magnética (156).

Quer esses fenômenos resultem ou não de um ato da vontade, a causa primeira é exatamente a mesma e em nada se afasta das leis naturais. Os médiuns, portanto, não produzem coisa alguma de sobrenatural; por conseguinte, não fazem nenhum milagre. As próprias curas instantâneas não são mais milagrosas do que os outros efeitos, já que resultam da ação de um agente fluídico, que desempenha o papel de agente terapêutico, suas propriedades não deixam de ser naturais por terem sido ignoradas até agora. O epíteto de taumaturgos, dado a certos médiuns pela crítica ignorante dos princípios do Espiritismo é, pois, totalmente impróprio. A qualificação de milagres atribuída, por comparação, a esta espécie de fenômenos, somente pode induzir em erro sobre o verdadeiro caráter deles.

A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não os torna mais milagrosos do que todos os outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, porque esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, tanto quanto sobre o mundo moral.

Esclarecendo-nos acerca dessa força, o Espiritismo nos dá a solução de uma imensidade de coisas inexplicadas e inexplicáveis por qualquer outro meio e que, em tempos recuados, passaram por prodígios. Do mesmo modo que o magnetismo, ele revela uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, melhor dizendo, conheciam-se os efeitos, porque eles se produziram em todos os tempos, porém não se conhecia a lei, e foi o desconhecimento desta que gerou a superstição. Conhecida essa lei, desaparece o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis por que os espíritas não operam milagres quando fazem que uma mesa se mova sozinha, ou que os mortos escrevam, do mesmo modo que o médico não opera um milagre quando faz que um moribundo reviva, ou o físico, quando faz que o raio caia. Aquele que pretendesse fazer milagres com o auxílio desta ciência ou seria um ignorante do assunto ou um enganador de tolos.

Considerando-se que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas miraculosas, fora da sua esfera haverá milagres, na acepção usual desta palavra?

Digamos, primeiramente, que entre os fatos reputados milagrosos, ocorridos antes do advento do Espiritismo e que ainda ocorrem no presente, a maior parte, se não todos, encontram explicação nas novas leis que ele veio revelar. Esses fatos, portanto, se compreendem, embora sob outro nome, na ordem dos fenômenos espíritas e, como tais, nada têm de sobrenatural. Fique, porém, bem entendido que só nos referimos aos fenômenos autênticos, e não aos que, com a denominação de milagres, são produto de uma indigna charlatanice, com vistas a explorar a credulidade. Tampouco nos referimos a certos fatos lendários que podem ter tido, originariamente, um fundo de verdade, mas que a superstição ampliou até o absurdo. É sobre esses fatos que o Espiritismo vem projetar luz, fornecendo meios de separar a verdade do erro.

(153) - N.E.: Em 1729, no Cemitério de Saint-Médard, junto ao túmulo do diácono Francisco de Paris, morto em 1727 e considerado homem muito caridoso, começaram a ocorrer milagres, pessoas passaram a visitar o túmulo e lá sofriam convulsões e se autoinfligiam torturas.

(154) - N.E.: Protestantes franceses que foram expatriados por pegarem em armas após a revogação do Édito de Nantes (1685); eram assim chamados por vestir camisa sobre suas roupas.

(155) - N.E.: A Possessão das Freiras de Loudun foi um suposto conjunto de possessões demoníacas que ocorreram em Loudun, França, em 1634; as freiras sofreram convulsões e proferiram linguagem abusiva.

(156) - Nota de Allan Kardec: O livro dos Médiuns, Segunda parte, cap. V; Revista espírita – exemplos: agosto e dezembro de 1865.

CAUSAS DA ESCANDALOSA FALTA DE ÉTICA NO BRASIL


Publicado originalmente em LeonardoBoff.com

O país, sob qualquer ângulo que o considerarmos, é contaminado por uma espantosa falta de ética. O bem é só bom quando é um bem para mim e para os outros; não é um valor buscado e vivido por si mesmo; mas o que predomina é a esperteza, o dar-se bem, o ser espertinho, o jeitinho e a lei de Gerson.

Os vários escândalos que se deram a conhecer, revelam um falta de consciência ética alarmante. Diria, sem exagero, que o corpo social brasileiro está de tal maneira putrefato que onde quer que aconteça algum pequeno arranhão já mostra sua purulência.

A falta de ética se revela nas mínimas coisas, desde as mentirinhas ditas em casa aos pais, a cola na escola ou nos concursos, o subordo de agentes da polícia rodoviária quando alguém é surpreendido numa infração de trânsito, desviar dinheiros públicos, beneficiar-se de cargos, enganar nos preços, em jogar lixo na calçada e até em fazer pipi na rua.

Essa falta generalizada de ética deita raízes em nossa pré-história.É uma consequência perversa do que foi a colonização. Ela impôs ao colonizado a submissão, a total dependência à vontade do outro e a renúncia a ter a sua própria vida. Estava entregue ao arbítrio do invasor. Para escapar da punição, se obrigava a mentir, a esconder intenções e a fingir. Isso levava a uma corrupção da mente. A ética da submissão e do medo leva fatalmente a uma ruptura com a ética (cf. J. Le Goff, O medo no Ocidente), quer dizer, começa a faltar com a verdade, a nunca poder ser transparente e, quando pode, prejudica seu opressor. O colonizado se obrigou, como forma de sobrevivência, a mentir e a encontrar um “jeitinho” de burlar a vontade do senhor. A Casa Grande e a Senzala são um nicho, produtor de falta de ética: pela relação desigual de senhor e de escravo. O ethos do senhor é profundamente anti-ético: ele pode dispor do outro como quiser pois é apenas uma “peça” como se dizia, a todo momento estava pronto a abusar sexualmente das escravas e a vender seus filhos pequenos para que não tivessem apego a eles. Nada de mais cruel, anti-ético e perverso do que a destruição dos laços de mãe e filhos.

Esse tipo de ética desumana criou hábitos e práticas que, de uma forma ou de outra, continuam,no inconsciente coletivo de nossa sociedade.

A abolição da escravatura ocasionou uma maldade ética imperdoável: alforiaram-se os escravos, mas sem fornecer-lhes um pedacinho de terra, uma casinha e um instrumento de trabalho. Foram lançados diretamente na favela. E hoje por causa de sua cor e pobreza são discriminados, humilhados e as primeiras vítimas da violência policial e social.

A situação, em sua estrutura, não mudou com a República. Os antigos senhores coloniais foram substituídos pelos coronéis e senhores de grandes fazendas e capitães da indústria. Aí as pessoas eram ultra-exploradas e feitas totalmente dependentes. Os comportamentos não eram éticos no sentido do respeito mínimo às pessoas e à garantia de seus direitos básicos. A relação era de medo e de uso de violência ou repressão. Foram feitos carvão para a produção como costumava dizer Darcy Ribeiro.

As relações de produção capitalista (em si altamente questionáveis eticamente pela relação desigual entre capital e trabalho) que se introduziram no Brasil pelo processo de industrializção e modernização foram selvagens. Nosso capitalismo nunca foi civilizado pois nunca foi possível uma verdadeira luta de classes (que tem suas regras), no sentido de equilibrar os interesses antagônicos. Ele guardou sua voracidade de acumulação como nas origens no século XVIII e XIX o que se vê claramente no sistema bancário atual, cujas taxas de juros são das mais altas do mundo e os lucros exorbitantes.

A exploração impiedosa da força de trabalho, os baixos salarios são situações eticamente malévolas pelo grau de desumanidade e de injustiça que encerram impondo privações e muito sofrimento às famílias.

Como superar essa situação que nos envergonha? Ela dura séculos e foi praticamente naturalizada. Como ouvi de uma pessoa ilustrada que acusava como corrupto um politico honrado que eu defendia. Sua resposta foi típica: se roubou foi esperto e se não roubou foi um bobo. Assim não dá…

Antes de fazer qualquer sugestão minima, importa fazer uma auto-crítica. Que educação deram as centenas de escolas católicas e cristas e as 16 universidades católicas (pontifícias ou não) a seus estudantes? Bastava terem-lhe ensinado o mínimo da mensagem de Jesus de amor aos pobres contra sua pobreza e comprometê-los em mudanças necessárias para que sua situação hoje fosse menos malvada.

Elas se transformaram, em boa parte, nem todas, em chocadeiras dos opressores. De lá sairam diretores de empresas exploradores, economistas de um liberalism feroz e funcionários públicos sem senso do bem comum, Segundo o motto estabelecido: “o que é de todos não é de ninguém, portanto, posso me apropriar dele tranquilamente”.

A catequese foi doutrinalesca, interessada mais na reta doutrina e menos no reto comportamento. Criou-se um cristianismo cultural que até prescinde da fé. Não foi um cristianismo de fé comprometida com a justiça social e com o destino das grandes maiorias pobres e discriminadas.

Como é possível que num país majoritariamente cristão vigore tanta injustiça, insensibilidade, discriminação social e humilhação de negros e pobres? Alguma coisa errada ocorreu em nossos processos de transmissão da mensagem libertadora e humanizadora de Jesus a ponto de os corruptos e corruptores cristãos, quase todos cristãos, sequer terem a má consciência do que fazem. É a resposta que o deputado Severino Cavalcanti, cassado de seu mandato por corrupção, deu a alguém que lhe perguntou se ia se suicidar: “não me suicido porque sou cristão”. Que signfificou para ele o fato de ser cristão? Nada.

Por isso, os que sairam das escolas cristãs não se distinguiramk pela incidência social numa perspectiva de transformação. São antes pela manutenção do status quo do que por mudanças.

Nem por isso queremos olvidar nomes notáveis em vários estratos sociais para os quas o cristianismo foi uma escola de humanização e de compromisso com a sorte dos mais vulneráveis. Infelizmente não foram eles que definiram o rumo de nossa história de corrupção.

Para superarmos a crise da ética não bastam apelos moralizantes, sempre tão fáceis, mas uma transformação da sociedade. Antes de ser ética, a questão é política, pois esta, a política, é estruturada em relações profundamente anti-éticas.

Já faríamos muito se assumíssemos a pregação do primo de Jesus, seu precursos, São João Batista. Aos que lhe perguntavam o que deviam fazer, respondia:”Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem nenhuma, e o mesmo faça a quem não tem alimentos”. Traduzindo para a nossa situação seria: “seja solidário e não deixe de ajudar os mais necessitados”. Aos cobradores de impostos lhes dizia:” Não exija mais do que a taxa definida”. À polícia respondia:”não pratiques torturas nem chantagens contra ninguém (delação premiada?) e contente-se com seu salário.”

Deixando para trás o permanente valor da mensagem ética de João Batista,diria para ser brevíssimo: tudo deve começar pela família. Criar caráter (um dos sentidos de ética) nos filhos e filhas, formá-los na busca do bem e da verdade para não se deixarem seduzir pela lei de Gerson e evitar, sistematicamente, o jeitinho. Princípio básico de toda e qualquer ética: tratar sempre humanamente a cada ser humano.

Tomar absolutamente sério a lei áurea que é testemunhada em todas as tradições culturais e religiosas: “não faça ao outro o que não quer que te façam a ti”. Ou “ame o próximo como a ti mesmo” que na versão do evangelho de São Jão e de São Francisco é assim traduzida:”ame o outro mais que a ti mesmo”; “que eu procure mais consolar que ser consolado, mais compreender do que ser comprendido, mais amar do que ser amado.”

Siga o preceito de Kant: que o princípio que te leva fazer o bem, seja válido também para os outros.    Oriente-se pelos dez mandamentos, escritos na Bíblia como forma de ordenar a vida social do Povo de Deus e, que no fundo, são universalmente válidos. Traduzidos para hoje: o “não matar” significa, venere a vida, cultive uma cultura da não violência. O “não roubar”: aja com justiça e correção e lute por uma ordem econômica justa. O “não cometer adultério”: amem-se e respeitem-se mutuamene, e obriguem-se a uma cultura da igualdade e pareceria entre o homem e a mulher.

Isso é o mínimo que poderíamos fazer para arejar um pouco a atmosfera ética de nosso país.

Repetindo o grande Aristóteles, o mestre da ética ocidental: ”não refletimos para saber o que seja a ética, mas para tornarmo-nos pessoas éticas”.

Leonardo Boff foi professor de ética na UERJ e em Heidelberg.