Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

DEZ LIÇÕES DA MÚLTIPLA CRISE BRASILEIRA


Por Leonardo Boff, publicada originalmente AQUI.

Toda crise acrisola, purifica e faz madurar. Que lições podemos tirar dela? Elenco algumas.

Primeira lição: o tipo de sociedade que temos não pode mais continuar assim com é. As manifestações de 2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente, justo e sustentável.

Segunda lição: superar a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iníqua do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto  não se taxarem as grandes fortunas e não submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual, injusto e pobre.

Terceira lição: prevalência do capital social  sobre o capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe simplesmente a fome e faze-lo um consumidor mas fortalecer-lhe o capital social feito pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver, pré-condições de uma cidadania plena.

Quarta lição: cobrar uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a democracia representativa que, por causa de sua histórica corrupção, o povo sente que ela não mais o representa.

Quinta lição: a reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente, atendia as classes que detém o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está aí  mais para  garantir privilégios do que para realizar o bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas partidária.

Sexta lição: o dever ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da constituição  de nossa nacionalidade e que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos, carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas políticas públicas e desprezados  e humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e pro-ativas para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos benefícios da sociedade moderna.

Sétima lição: fim do presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo, precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão mas uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da intelectualidade, das artes, das mulheres,  das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita por todos.

Oitava lição: O caráter claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e privatista. Em outras palavras, o bem comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso se concretiza por política sociais que atendam as demandas mais gerais  da população  a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem  redistributivas (diminuir de quem tem de mais para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade social.

Nona lição: a dimensão geopolítica da crise brasileira. Não se pode pensar o Brasil apenas a partir do Brasil mas sempre dentro do contexto geopolítico global. Há grandes interesses dos USA, da China, da Rússia, da Arábia Saudita pela segunda maior jazida de petróleo do mundo, o pré-sal, e também como alinhar a sétima economia mundial dentro da linha geral definida pelos países centrais que controlam a macroeconomia neoliberal e capitalista. Não querem que no Atlântico Sul surja uma potência que siga um caminho próprio, especialmente articulada com os BRICS que fazem um contraponto ao sistema mundial imperante.

Décima lição: inclusão da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa civilização.

ESPERO QUE AS PRÓXIMAS GERAÇÕES NOS PERDOEM


Por Leonardo Sakamoto originalmente publicado AQUI.

Você pode ser a favor ou contra o impeachment de Dilma Rousseff. É um direito seu. E você tem direito a ter suas razões.

Alguns consideram que há provas suficientes para dizer que ela cometeu crime de responsabilidade nos decretos orçamentários e que um presidente só pode fazer aquilo que lhe foi previamente autorizado por lei, nem mais, nem menos.

Outros dizem que isso não é suficiente e que o argumento é apenas uma justificativa encontrada por partidos políticos e grupos econômicos que não conseguem votos nas urnas executarem um golpe e chegarem pela via fácil ao poder.

Acho uma leviandade dizer que todos os que defendem o impeachment são canalhas, do mesmo nível de dizer que todos que denunciam-no como golpe são vendidos.

Feita essa explicação, tenho algumas perguntas:

A gente bebeu, foi? Chapamos o cabeção? Fumigamos as ruas com cogumelos alucinógenos? Tem ácido na água da torneira?

Porque só numa republiqueta mequetrefe, um vice-presidente – que se diz um jurista especializado na Constituição Federal – age à luz do dia para articular a destituição da presidente do cargo, assumir no seu lugar e ninguém acha isso estranho. Independentemente de haver elementos para destituição ou não. Pior, sou obrigado a ouvir que isso faz parte do jogo democrático. Sem contar os elogios a ele em público pela ação.

O vice deveria ser o primeiro a ficar no seu canto e aguardar o processo ser decidido. Até para não ser atribuído a ele a pecha de golpista, uma vez que será o principal beneficiado.

Mas Michel não se importa.

Em tempos normais, a imprensa seria mais crítica às presepadas de Temer, como os “vazamentos'' (nota mental: vazamento é tudo aquilo que soltamos como balão de ensaio, mas não pegou bem) da “cartinha'' à Dilma e do áudio do “discurso'' como novo presidente. Isso sem contar as histórias das pedras do porto de Santos.

Mas dada a ânsia para ver troca de comando no governo federal, estamos nos esquecendo do básico.

Não importa se você ache este um bom governo ou não (eu acho péssimo, terrível, uma calamidade na maioria das áreas) ou defenda que ele deva sair, ser saído ou ficar. A discussão deste post não é essa, mas sim se é válido um vice estar usando o cargo para conspirar e banalizarmos isso a ponto de não falarmos nada em público.

Criticar Temer não significa necessariamente defender Dilma. Até uma morsa em coma entende isso. É possível e, aliás, desejável criticar ambos. Mas considerando que um exército de pessoas desistiu de raciocinar neste momento da política nacional, sinto pela falta de morsas.

AMBOS OS LADOS aprofundaram a Câmara dos Deputados como um bizarro balcão de negócios pró e contra o impeachment, com promessas de cargos para pagar a votação de domingo. Isso sem contar as denúncias de compras de votos que correm pelo Salão Verde da Câmara, com milhões prometidos em dinheiro público ou pelo caixa de empresas e associações empresariais.

Sob a justificativa de limpar o país da corrupção e da incompetência na gestão pública, estamos vendo as coisas sendo lavadas com merda no Congresso. E sorrimos o pragmatismo. Não há como uma jovem democracia sair impune disso.

Espero que as próximas gerações nos perdoem.