Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

terça-feira, 5 de abril de 2016

NOVOS ATENIENSES

Mas quando ouviram falar de ressurreição dos mortos, uns escarneciam e outros diziam: Acerca disso te ouviremos outra vez. - (Atos, 17:32)

O contacto de Paulo com os atenienses, no Areópago, apresenta lição interessante aos discípulos novos.

Enquanto o apóstolo comentava as suas impressões da cidade célebre, aguçando talvez a vaidade dos circunstantes, pelas referências aos santuários e pelo jogo sutil dos raciocínios, foi atentamente ouvido. É possível que a assembléia o aclamasse com fervor, se sua palavra se detivesse no quadro filosófico das primeiras exposições. Atenas reverenciá-lo-ia, então, por sábio, apresentando-o, ao mundo, na moldura especial de seus nomes inesquecíveis. 

Paulo, todavia, refere-se à ressurreição dos mortos, deixando entrever a gloriosa continuação da vida, além das ninharias terrestres. Desde esse instante, os ouvintes sentiram-se menos bem e chegaram a escarnecer-lhe a palavra amorosa e sincera, deixando-o quase só. 

O ensinamento enquadra-se perfeitamente nos dias que correm. Numerosos trabalhadores do Cristo, nos diversos setores da cultura moderna, são atenciosamente ouvidos e respeitados por autoridades nos assuntos em que se especializaram; contudo, ao declararem sua crença na vida além do corpo, em afirmando a lei de responsabilidade, para lá do sepulcro, recebem, de imediato, o riso escarninho dos admiradores de minutos antes, que os deixam sozinhos, proporcionando-lhes a impressão de verdadeiro deserto. 

Por Emmanuel (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier, no livro "Pão Nosso", capítulo 114. 

ABRIR MÃO DE DESEJOS E APEGOS


Por Srim Prem Baba, publicado originalmente AQUI  e indicado pela amiga e leitora Margareth.

O ser humano, identificado com o ‘eu’ idealizado, quer isto ou aquilo, cobiçando o que está fora do alcance, e se frustra por não conseguir. Assim, ele fica com raiva e age estupidamente. Essa é uma das raízes da miséria. Esse processo venda os olhos, e assim perdemos a visão objetiva da realidade. Tudo que olhamos através desse véu, chega a nós de uma forma subjetiva, sempre a serviço de conseguir atingir a meta, que é obter isto ou aquilo. Nós nos colocamos dependentes do outro, e essa dependência nega o Divino dentro de nós mesmos. Então, nos sentimos impotentes e carentes, e assim o ciclo vicioso vai se fortalecendo.

O nosso trabalho é para retirar essas vendas que encobrem os olhos. Isso implica em nos libertarmos das dependências. Implica em abrir mão desse jogo criado pelo desejo; o desejo que nasce da identificação com o ‘eu’ idealizado.

Tudo o que o ‘eu’ idealizado quer através disso ou daquilo, é ser amado. Muitas vezes, ele sente vergonha de admitir que deseja ser amado, então ele distorce essa necessidade e ela se torna  uma necessidade de ser reconhecido e respeitado. Para cada um, o reconhecimento é diferente. Para alguns, é ter caprichos atendidos; para outros, é ter expectativas atendidas. Por trás da necessidade de ser atendido nas suas expectativas, está o desejo de ser amado.

É incrível como o ser humano faz qualquer coisa para obter reconhecimento. Ele tenta agradar ao outro, sem perceber que através dos jogos que ele faz para obter isso, ele está “vendendo a alma para o diabo”, pois desta forma ele está vendendo a liberdade de ser o que ele é. Assim, ele fica na mão do outro. Isso cria raiva e culpa por estar nesta situação. A partir daí, os desdobramentos são infinitos, a ponto de se tornar tão complexo que, para não sentir, ele amortece e congela. Com isso, ele passa a acreditar que está tudo bem na vida. Essa é uma camada mais externa encobrindo a visão real.

O que realmente ajuda no processo de libertação, é a ampliação da percepção, que está intimamente conectada com o testemunhar. Você se perde nos labirintos da mente, quando você segue os pensamentos; pensamentos gerados pela identificação com o ‘eu’ idealizado. Os pensamentos são sempre vozes do ‘eu’ ilusório. São pensamentos que tentam reafirmar a sua fantasia de onipotência. Ou você se coloca abaixo ou acima; ou você está atacando ou se defendendo. Então, você segue a trilha do pensamento, e assim cria uma história. Essa história é como um sonho: o seu corpo está acordado e seus olhos estão abertos, mas a sua mente está sonhando. O enredo desse sonho é baseado nos pensamentos. É nesse sonho mental que você sofre.

O que sustenta a identificação são as feridas que você carrega no seu corpo emocional, e esse sonho te impede de entrar em contato com essas feridas emocionais que continuam abertas, assim, você continua identificado com a mente e com o corpo.

Eu tenho dito que a iluminação começa quando você começa a parar de sonhar; quando você larga a identificação com o corpo e com a mente. Então, você se torna somente uma testemunha. Até mesmo o desejo pela iluminação precisa cair. Todas as crenças precisam cair. Até porque, muitas vezes, o desejo pela iluminação está baseado em uma crença – a crença de que se você se iluminar você será amado exclusivamente, e terá todas as suas expectativas atendidas. Quem quer se iluminar? Perceba que é o ‘eu’ idealizado que continua desejando, mas apenas muda o foco. Quando a entidade ainda não conhece nada sobre espiritualidade, ela deseja ser importante, deseja fama, deseja ter seu nome nos outdoors; ela quer um tapete vermelho para passar, mas depois que ela conhece um pouco sobre espiritualidade, muda o foco do desejo, porque ela acredita que, se ela se iluminar, terá todas as suas expectativas atendidas. Você cria uma fantasia de iluminação, que se torna um grande obstáculo, para que isso ocorra de fato.

A iluminação é infinita, mas ela começa pelo testemunhar, quando você pode estar desidentificado da mente e do corpo, sem se distrair com o pensamento. Você reconhece as vozes oriundas do ‘eu’ inferior e apenas deixa passar, sem dar atenção a elas.

Junto com esse testemunhar, o que você pode fazer é focalizar a sua mente no Divino; na beleza da vida, da natureza e até mesmo da beleza criada pelo homem. Porque a beleza é sempre uma manifestação divina. Respire a beleza e você vai ampliar a sua energia.

Outra forma de se conectar com o Divino, é através de um dos nomes dele. Todos que receberam diksha (iniciação), receberam um mantra, que é como uma corda que foi jogada para te retirar da areia movediça. Quem jogou a corda foi o seu guru que te deu esse mantra, que acorda a frequência do Divino dentro de você.

Observação ou testemunhar, focalização na beleza e seu gurumantra – esses são os principais instrumentos. Você pode fazer uso da oração de uma forma muito espontânea. Você pode conversar com a Divindade, como se você fosse uma criança que está conversando com os seus pais. De uma forma honesta e pura, peça para se tornar livre desse sonho, para que o véu seja removido da sua visão.

Tudo isso que estamos fazendo, é para preparar o campo para receber o darshan definitivo - aquele que te liberta da identificação com o ‘eu’ idealizado. Ele te liberta da ideia de que você é um corpo, ou a mente. Em outras palavras, isso significa o fim da dependência; o fim dessa necessidade tão absurda de querer arrancar do outro, algo para te preencher, mas que nunca preenche.  

A mente somente pode silenciar estando desidentificada do ‘eu’ idealizado. Estando identificada, ela não pode parar. A natureza do ‘eu’ idealizado é desejar. Isso porque ele é falso, e sempre se sente incompleto. Assim, ele está sempre desejando.

É verdade que o Eu real mora dentro de você. É verdade que a fragrância do Ser é alegria sem causa, amor e bem aventurança. Mas eu nunca te enganei, eu nunca disse que seria fácil chegar nesse lugar. Há que se ter disposição para remover as capas que encobrem o Ser; para abrir mão das dependências e do desejo. Há que se ter disposição para abrir mão do jogo do sofrimento, que consiste basicamente em forçar o outro a dar algo que ele não tem para te dar. Essa é a insanidade do ‘eu’ idealizado: ele cobiça algo que está fora do alcance. Esse jogo somente é interrompido, quando você se cansa dele, para poder abrir uma clareira; para receber a Graça que te liberta. Quando você está realmente cansado desse jogo, você consegue ser sincero no seu pedido por libertação. Assim, você abre um espaço para a Graça te pegar.

Mas, esse passo fundamental não pode ser dado, se você não estiver consigo mesmo. Você precisa aprender a ficar consigo mesmo. Muitos passam um tremendo aperto para chegar nesse lugar.

Quando você se move em direção ao Supremo, o Supremo se move na sua direção; e esse movimento em direção a você é como uma tesoura que vai cortando as suas dependências. Dependendo do grau dessa identificação, fica árido e apertado, mas não existe outro jeito, você precisa passar por esse funil.

Estando desidentificado da mente e do corpo, você está pronto para morrer. E estando pronto para morrer, você está pronto para viver - viver plenamente. Não importa a forma que você vive no mundo, se você quer realmente se libertar do sofrimento; se quer realmente experienciar o yoga, você vai precisar se libertar dos apegos a essa forma; a forma que é o jeito que você escolheu para viver. Um é casado, outro é solteiro; um trabalha no mundo, outro vive no ashram... Mas, isso não é o mais importante. O que importa, é como você se relaciona com o mundo. Você está livre das paixões ou dependente delas?

Esse é o caminho para você se tornar senhor de si mesmo; para você se tornar um swami (senhor de si mesmo). Muitos recebem esse título, mas poucos são realmente swamis. Cansei de ver isso durante o Kumbh Mela. Sanyasin não significa colocar uma roupa diferente. Eu me tornaria famoso rapidamente, se pedisse para alguns de vocês usarem roupas diferentes. Mas, isso não faz de você um sanyasin ou um swami, pois isso vem de dentro. É quando você já não depende, ou é tentado pelo mundo. É quando você cansou do brinquedo... Você não julga ou condena o brinquedo (e até acha graça de quem está brincando), mas simplesmente compreende que faz parte da vida e da evolução.

O principal vício é o vício no outro. Ao mesmo tempo é uma grande oportunidade para você se tornar livre. Esse é o grande paradoxo, é uma chance, porque você pode perceber a sua identificação com o falso ‘eu’. Enquanto você está identificado com o ‘eu’ idealizado, você não ama - você só quer ser amado. Ninguém está identificado com o ‘eu’ idealizado o tempo todo, há momentos que o Ser real se manifesta, e você tem vislumbres do amor. Mas você não sustenta, porque a conexão com o ‘eu’ idealizado continua. Mesmo que ela não exista o tempo todo, mas se você não chegou ao estado final de liberação, a identificação vai continuar voltando. Esse momento é ainda mais difícil para o buscador. Porque, no primeiro estágio, ele só quer receber, e não tem consciência de nada. Ele sofre, mas nem sabe que está sofrendo. Mas, quando ele começa a ter consciência do quanto ele abre e fecha tão rápido, torna-se muito difícil. Mas, essa é uma passagem absolutamente necessária, até que você se canse de estar fechado; até que se canse do jogo do sofrimento, e possa pedir, com toda a pureza da sua alma, para realmente se libertar disso. Então, inevitavelmente, você começa a receber essa cura, pois ela é um processo. Muitos estão dentro desse processo; muitos estão com essa cura aberta.

Alguns já estão podendo relaxar e celebrar, e outros estão ainda no meio da cirurgia. No meio da cirurgia, os sentimentos são diversos e contraditórios. Às vezes, você confia e se entrega para o médico; às vezes, você desconfia e acha que entrou em uma roubada - o que aumenta as suas resistências. Mas, o fato é que você está na mesa de cirurgia, sendo aberto. O que pode acontecer, é adiar o seu processo, até que a anestesia acabe. Mas, é assim mesmo. Está tudo certo. Até mesmo se você estiver resistindo, está tudo bem. Cada um dá o que tem para dar. Eu somente estou ilustrando o processo, para ajudar a compreensão de alguns.

Muitos já tiveram a experiência de que, quando Deus te pega, toda a resistência e todo medo vai embora. A questão é que, no nível consciente, você quer se libertar e ser pego por Deus, mas, no nível inconsciente, você quer continuar nessa guerra, tentando ter seus desejos realizados. Nessa área, onde os desejos não foram realizados, você não confia em Deus, e tem que fazer do seu jeito: “Eu controlo, eu mando”. Mas, é assim mesmo, até que você possa se render, o que significa entregar as armas.

“Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no céu”. Esse é o jogo da evolução. Dependendo da sua entrega, milagres podem acontecer. Mas, eu não estou dizendo para você forçar a sua entrega (eu sei que isso não se força); eu só quero te explicar que isso existe. Esse lugar é mágico, e muitos milagres acontecem aqui.

Até a título de conhecimento, eu estou combinando com Swami Ashu Brahmachari, para ele nos contar algumas histórias sobre este lugar. Assim como, no futuro, eu quero organizar um livro sobre esses milagres. Eu estou coletando histórias, pois sei que existem muitas. Então, eu o convidei para vir até aqui todos os dias, por alguns minutos, para nos contar uma história. Existem outros swamis, que também têm contado muitas histórias, que eu tenho chamado de “tesouros de Sachcha”. Então, vamos aproveitar essa oportunidade para saber mais sobre a linhagem, o que vai ajudá-lo a iluminar a confiança.

Abençoado seja cada um de vocês. Que tenhamos a firme disposição de abrir mão de toda a ilusão. Até o nosso próximo encontro.

NAMASTE

domingo, 3 de abril de 2016

POLÊMICA: PARA QUALIFICAR AS JORNADAS CONTRA O GOLPE


Por Carla Ferreira e Mathias Luce no site OUTRAS PALAVRAS.

Evitar impeachment e retrocesso é crucial. Mas os limites do governo Dilma estão claríssimos. É hora de um novo projeto de país.

O tema do impeachment é um divisor de águas que abrirá uma nova conjuntura no Brasil. Se vencer a oposição de direita, liderada pelo réu por corrupção Eduardo Cunha (PMDB), com o apoio da Rede Globo e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), mediante uma pressão das ruas sob a direção do protofascista Movimento Brasil Livre (MBL), as condições para as lutas da classe trabalhadora serão ainda mais adversas que as atuais. Se vencer a coalizão liderada por Dilma Rousseff, permanecendo as coisas como estão, sem uma saída alternativa pela esquerda, tampouco essas condições poderão melhorar. Ao contrário, vão piorar pois a manutenção do atual governo ou qualquer outro que nasça deste impeachment ilegítimo têm como condição a aceleração de acordos de mais ajuste fiscal, retirada de direitos e estará comprometido com o fim das investigações por corrupção.

Por isso, a luta para deter o avanço de uma direita orgânica e a instauração de um Estado de exceção permanente, controlado pela corrupção dos grupos dominantes atuando enquanto crime organizado por dentro do Estado, não pode dissociar as bandeiras da democracia e contra a corrupção. Neste momento histórico do país, trata-se de encontrar o caminho que nos leve a condições mais favoráveis para os trabalhadores no contexto da luta de classes. A integração de ambas as lutas cria o substrato para a constituição de um novo bloco histórico que ofereça uma via alternativa positiva para os trabalhadores e o povo brasileiros, para além dos limites do PT.

Justiça seletiva afeta a democracia e tem por objetivo imediato encerrar combate à corrupção

O acirramento da crise brasileira se deu por conta de uma manobra orquestrada pelo núcleo duro do Estado. Setores da magistratura (juízes) e do Ministério Público (promotores) e a da cúpula corporativa da Polícia Federal (delegados) trabalham combinadamente com a burguesia liderada pela FIESP e pela intelectual orgânica do conjunto da burguesia brasileira, a Rede Globo, para usar a luta anticorrupção a seu favor, reduzindo o foco das investigações primeiro à Operação Lava Jato, para, em seguida, restringi-la aos crimes cometidos pelo PT.

Como subproduto, criam uma cortina de fumaça para a investigação de corrupção por sonegação fiscal que se estima ser dez vezes maior que a Lava Jato — a Operação Zelotes—, mas que afeta diretamente a burguesia de maior prestígio nacional, como a siderúrgica Gerdau e as Organizações Globo (e suas subsidiárias). Daí o ativismo da Globo pelo impeachment.

Essa manobra implicou passar por cima de garantias constitucionais conquistadas a duras penas na luta pela redemocratização – como a presunção de inocência, o direito à ampla defesa e à privacidade. Essas práticas restritivas de direitos, longe de passageiras, chegam com a disposição de permanecer. Seguem uma tendência internacional verificada após o 11 de setembro, funcionais à fase da crise estrutural do capital, mesmo nos países do capitalismo central, e cujos métodos coercitivos generalizados, sob o pretexto do medo social ao terrorismo, foram denunciados pelo ex-agente da NSA, Edward Snowden, e pelo líder da Wikileaks, Julian Assange.

No Brasil, esses métodos tendem a adquirir a forma de um Estado de exceção permanente, um novo regime diferente tanto da forma da ditadura empresarial-militar quando da forma democracia parlamentar liberal pura. Este novo regime tende a se conformar como uma participação orgânica do crime organizado diretamente no aparato de Estado, controlando partidos e certas funções estatais.

O veículo de ocasião para essa ampla operação é o uso político da Operação Lava Jato, da Polícia Federal do estado do Paraná, e está sob a alçada do juiz de primeira instância, Sérgio Moro. Como é de conhecimento, a Lava Jato investiga a corrupção na estatal Petrobrás, maior demandante de contratos de obras públicas e de infraestrutura no Brasil. Uma empresa fundamental na formação bruta de capital fixo (indicador da taxa de investimento produtivo interna) no país. Ou seja, uma das empresas responsáveis por parte considerável da taxa de acumulação de capital (a parte alíquota da mais-valia extraída dos trabalhadores que se converte em novo capital) no âmbito da economia brasileira. Sua saúde financeira afeta, portanto, importantes frações da burguesia.

Essas manobras, ensejadas com base em investigações e vazamentos seletivos na Lava Jato, têm servido de aliciente para alimentar a roda do impeachment ilegítimo, embora o objeto do impedimento seja outro. A Presidenta Dilma Rousseff é alvo de um processo de impedimento pelo Congresso Nacional por haver descumprido a Lei de “Responsabilidade” Fiscal, máxima regra do neoliberalismo no Brasil. O “crime” está sendo chamado de “pedaladas fiscais” – os decretos de execução orçamentária do governo que alongaram por alguns meses o prazo para cumprir o famigerado superávit primário, que vem sendo aplicado religiosamente pela Presidenta Rousseff. A fração financeira da burguesia se expressa pela derrubada do governo por aí, pois a crise capitalista afeta a fórmula de extração de excedentes produzidos socialmente em benefício do sistema financeiro que é a dívida pública. Apesar dos sistema bancário privado e do agronegócio, expressões máximas do capital financeiro no Brasil, terem escolhido atuar pelo impeachment via Congresso – para aparecerem como “coadjuvantes”, influenciando agências de risco e fazendo oscilar as bolsas de valores–, não se pode deduzir que o coração do capitalismo brasileiro esteja posto mesmo em questão, seja pelas políticas do governo Dilma, seja pelas manobras da oposição de direita.

Aliás, a ironia é que a aprovação do impeachment, possível nas próximas três semanas, está sob a coordenação do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB), réu por corrupção e um dos maiores interessados em encerrar a Lava Jato. Assim, a derrota de Rousseff deverá ser, também e ao mesmo tempo, o fim do ciclo anticorrupção. Espera-se, a partir daí, uma reviravolta na orientação da Rede Globo que falará, a partir de então, da “normalização da política” e da “melhora de certos indicadores econômicos” do Brasil, diante da recuperação da “confiança dos mercados”. A continuidade da crise, também esperada, será explicada como “herança maldita”.

Ao mesmo tempo, o que Lula tenta articular para preservar o governo do impeachment não exclui ao menos o controle do governo sobre as ações da Polícia Federal, como já insinuou o novo Ministro da Justiça. Os atores do regime, Lula incluído, travam, portanto, uma corrida para ver quem encerra primeiro a Lava Jato, a fim de se postular como solução política perante a burguesia.

A crise política como oportunidade aberta para uma alternativa das esquerdas

A crise política do Brasil tem dividido não somente o país, mas também as análises no interior da esquerda brasileira sobre seu significado e sobre as saídas ao horizonte. O momento é decisivo e os acontecimentos políticos das próximas semanas abrirão uma nova conjuntura. Esta é a questão posta à sociedade brasileira e para a qual a esquerda do país tem oferecido duas respostas insuficientes. Dois caminhos que podem levar a classe trabalhadora a novas derrotas.

De uma parte, setores das bases petistas – diante da ofensiva desatada pelo núcleo das classes dominantes –, argumentam estar em curso um golpe de Estado contra um governo popular. Que um impeachment sem crime de responsabilidade seja certamente um golpe branco consiste em um elemento inegável para todos que tenham algo de realismo e sensatez na avaliação do momento. Mas isso não nos permite concluir que o governo ameaçado seja um governo popular. Este estiramento da realidade tem um objetivo: criar um atalho para salvar o lulismo-petismo. Trata-se de tentar o impossível: fazer crer que Lula poderia ser o líder de um projeto nacional de interesse da maioria do povo brasileiro, após todas as escolhas políticas de alianças com setores dominantes que fez ao longo desses anos. O resultado é que a única alternativa oferecida por esse setor induz ao equívoco de que a saída para deter o avanço da direita orgânica que cresce, para os anseios por mais democracia, para frear os retrocessos em curso e manter a luta contra a corrupção que sangra o país é uma candidatura de Lula à Presidência da República em 2018!

Nesses anos dos governos Lula e Dilma, o argumento oferecido entre a intelectualidade petista para as mudanças tímidas realizadas e para as contrarreformas (agenda do capital) aplicadas seguiu quatro teses: (1) a tese da herança maldita – “há uma herança maldita do neoliberalismo, recebida de Collor e FHC e custa tempo livrar-se dela…”; (2) a tese do governo em disputa: “há setores progressistas e setores conservadores no governo. Precisamos fazer a queda de braço…”; (3) a tese da governabilidade – “é difícil fazer reformas beneficiando o povo sem maioria no Congresso e não se pode governar sem fazer alianças com tais partidos…”; (4) a tese do mal-menor – “diante da possibilidade de volta do PSDB e do avanço de setores ultraconservadores, precisamos apoiar o governo”.

Ora, a herança maldita foi aprofundada. O governo demonstrou não estar em disputa. A governabilidade esteve a serviço de interesses dominantes. Restou o mal menor. O problema é que o mal menor está conduzindo o país a um mal maior: o fortalecimento da classe dominante, da Rede Globo, e de uma direita orgânica.

Por outro lado, uma outra resposta de esquerda à crise atual é aquela que minimiza os efeitos desse impeachment ilegítimo tendo por base o fato de que não se trata de um governo popular. Esse elemento objetivo explica, em parte, a indiferença desses setores com o tema do impeachment, mas não a pode justificar. Erguer bem alto a bandeira anticorrupção sob o argumento de que ela é a melhor expressão das jornadas populares de junho de 2013 é distorcer a realidade. Ora, Junho foi expressão de uma vontade popular por mais direitos (“saúde e educação padrão Fifa”, diziam os cartazes do movimento espontâneo), frente aos atropelos das remoções forçadas de comunidades para realizar obras da Copa do Mundo ensejando uma luta pelo direito à cidade (que deram impulso novo que nacionalizou o combativo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST) e como manifestação dos primeiros sintomas da recessão (por isso também o peso social da luta pelo Passe Livre no transporte público). Tentar extrair de Junho a conclusão de que a Lava Jato é sua melhor expressão é forçar a realidade com o objetivo de fazer outro atalho: acelerar artificialmente o encerramento do ciclo do PT. Mas essa tática tem um custo alto demais para o conjunto do povo.

Neste momento, fazer-se de desentendido em relação ao tema do impeachment ilegítimo, enrolar-se na bandeira anticorrupção para saltar direto na convocatória de “eleições gerais já” implica abrir mão de uma luta política fundamental para a definição dos parâmetros da luta de classes no Brasil no próximo período. A imposição do impeachment sob a liderança da direita corrupta, do crescimento da influência do Movimento Brasil Livre nas ruas, ao arrepio de direitos duramente conquistados, representará um impulso ao fortalecimento de uma direita orgânica.

O impeachment nestas condições abre alas para o encerramento festivo das investigações contra a corrupção, para uma ofensiva de maior fôlego do conservadorismo, então unificado em suas frações pela conquista de maiores parcelas de poder dentro e fora do aparato de Estado. Ainda que esse processo venha a ser repleto de contradições, tem um sentido negativo geral para os interesses dos trabalhadores do campo e da cidade.

Frente à falência das direções políticas tradicionais, amplos setores da massa do povo buscam desesperadamente uma via política alternativa e engordam, inclusive, as manifestações convocadas pelo MBL, a FIESP e a Globo. Por isso a luta contra a corrupção não pode ser abandonada pela esquerda. A via alternativa necessária somente será possível no Brasil continental e heterogêneo, tal como é, com uma ampla coalizão dos setores democráticos do povo e da esquerda socialista, comunista e anticapitalista.

O ato de 18 de março, convocado pela Frente Brasil Popular, cumpriu um papel no intuito de buscar contra-arrestar a ofensiva conservadora e sua presença nas ruas no domingo anterior, 13, dia do ato convocado pelo MBL, com apoio da Rede Globo e da burguesia paulista articulada pela FIESP. Porém, as manifestações de rua somente cumprirão o objetivo de frear a ofensiva conservadora se não assumirem o matiz retrógrado que as restringe a uma defesa cega dos governos do PT.

Enquanto as mobilizações contra o impeachment forem desprovidas de um programa mínimo de demandas populares somente produziremos um prolongamento da crise e não reuniremos força para barrar o movimento golpista. Por isso, a frente Povo Sem Medo, que convocou o simbólico ato do dia 24 de março, liderada pelo MTST, que incorpora demandas sociais imediatas fundamentais à luta contra o impeachment ilegítimo, aponta mais claramente o caminho a seguir daqui para frente. É neste mesmo sentido, que a unificação das duas frentes, Brasil Popular e Povo Sem Medo, no próximo dia 31 de março, reveste-se do maior significado histórico na atual conjuntura política do Brasil, apresentando as bandeiras não ao golpe branco do impeachment, abaixo o ajuste fiscal, nenhum direito a menos, contra a reforma da previdência.

É preciso construir uma alternativa política pela esquerda, um terceiro campo, sem atalhos, com chance de vitória contra o impeachment ilegítimo e suas consequências sobre a luta de classes e que coloque na pauta também a luta contra a corrupção. Para isso, se faz necessário superar as direções burocráticas e unificar as bases sociais de influência da esquerda petista (que não deve ser confundida com as cúpulas rendidas ao transformismo). É necessária a unidade dos partidos da esquerda que lutam pela superação do capitalismo, dos movimentos sociais em geral, em especial do MST e MTST, intelectuais e artistas na luta de todo o povo contra o impeachment ilegítimo dirigido por Cunha, pela investigação de todos os corruptos e contra a justiça seletiva, pelo fim imediato das políticas de ajuste do governo Dilma Rousseff, em defesa das liberdades democráticas. Diante da crise, a única saída para os trabalhadores, o povo e as minorias e maiorias oprimidas é, sim, pela esquerda. Somente uma pressão vinda de baixo poderá ampliar os limites restritos de direções que se demonstram aquém dos desafios políticos desta complexa conjuntura.

A esquerda precisa apontar para a superação de múltiplas crises

Quando afirmamos, nos somando a outras vozes que dizem que a saída é pela esquerda, não se trata de retórica vazia. Nem se resume a um problema exclusivamente político. A crise política somente se resolve com saldo positivo para o povo com a formulação de um novo projeto para o Brasil, que enfrente corretamente os problemas nacionais específicos desta quadratura histórica. Estamos diante da confluência de uma crise econômica com elementos estruturais e conjunturais atuando simultaneamente e trazendo consigo uma crise política, social e institucional de largo espectro. Mas essa crise somente encalçará uma solução para o conjunto dos trabalhadores e do povo se ao mesmo tempo for forjada uma ampla aliança social daqueles que vivem do trabalho, em uma alternativa política concreta.

O Brasil pós ditadura militar e redemocratização conservadora encontrou no presidencialismo de coalizão sua forma política de estabilização. Esse regime consiste em um presidencialismo funcional às classes dominantes e impotente para o conjunto do povo trabalhador. Trata-se de uma espécie de parlamentarismo clientelista, onde quem faz as vezes de “primeiro-ministro” é uma maioria no Congresso Nacional conquistada mediante a compra de parlamentares pelo Executivo. Compra-se apoio para os projetos do governo em troca de privilégios, cargos, emendas orçamentárias, apoio à impunidade para deputados e senadores corruptos. Esse regime se reproduz eleitoralmente mediante o financiamento privado das campanhas eleitorais por empresas que são fornecedoras do Estado. Assim elas garantem contratos superfaturados que somam altos lucros e excedentes para retroalimentar os partidos que sustentam esse sistema. Esse é o regime político corrupto que está derretendo no Brasil e fazendo ruir o governo Rousseff, que acreditou nele piamente.

O governo atual é uma coalizão composta pela direita (Partido Progressista, antigo PDS, que deu sustentação à ditadura), passando pelo PMDB (e uma série de pequenos partidos) até o PT. Essa coalizão ensejou e foi possível graças ao transformismo do PT de forma decidida a partir de 2003, quando se distanciou das bandeiras históricas da esquerda. Os governos Lula e Dilma Rousseff são burgueses com matiz social liberal. Isso consiste na seguinte fórmula: fazer o máximo possível pelos pobres, sem tocar nos privilégios dos ricos e do capital. Nestes anos, os governos de coalizão liderados pelo PT aprofundaram a retirada de direitos dos trabalhadores e da juventude e promoveram contrarreformas neoliberais. Fizeram isso tutelando suas organizações históricas, como a Central Única dos Trabalhadores – CUT e a União Nacional dos Estudantes- UNE. Por isso, essa crise do presidencialismo de coalizão é também o início da crise final do Partido dos Trabalhadores para amplos setores sociais. Para superação positiva do ciclo do PT, porém, não há atalhos. Será preciso construir uma alternativa enraizada nos trabalhadores e no povo. Enquanto isso, a crise política tende a se prolongar.

Paralelamente e como causa profunda da crise política está a crise econômica. O elemento estrutural da crise econômica tem suas raízes na integração dependente do Brasil no mercado mundial. Com o encerramento da “revolução industrial” chinesa que demandou conjunturalmente do Brasil minério de ferro, petróleo, soja e alimentos em escala inaudita e a preços conjunturalmente em um patamar que já não existe mais, encerra-se também a fase em que era possível distribuir uma parte desses excedentes para políticas sociais que combatiam os efeitos da pobreza (sem, contudo, resolver suas causas), mantendo um governo de aliança de classes. Durante a alta, foi reforçada a hegemonia do agronegócio e os recursos irrigaram o sistema financeiro. Esse ciclo possibilitou a implantação de programas sociais e a ampliação de direitos restritos, ao mesmo tempo que fortaleceu o conservadorismo do agro e o rentismo dos bancos. Isso explica, também, o impulso protofascista. Seu encerramento implica na escassez de excedentes, restrição às políticas sociais, crescimento do desemprego e um acirramento de disputas intra burguesas.

O fator conjuntural da crise econômica, por sua vez, tem a ver com o projeto político petista de gestão daqueles excedentes obtidos no período da alta dos preços dos bens primários e semielaborados. Em sua aliança prioritária com o capital financeiro, os governos de coalizão liderados pelo PT usaram aqueles excedentes para, ao mesmo tempo, alimentar o sistema financeiro e ampliar o consumo da classe que vive do trabalho, mediante o endividamento das famílias com os bancos e no cartão de crédito, comprometendo seu fundo de consumo futuro. Com os salários consumidos pelas dívidas, no país que permite praticar contra o povo os mais elevados juros do mundo, também o consumo via endividamento atingiu rapidamente seu limite. O padrão de consumo do conjunto dos trabalhadores e do povo vem caindo aceleradamente e já afeta o fundo de consumo presente, o que é agravado pela inflação dos bens de consumo necessários. A combinação dessas duas faces da crise econômica tem um alto potencial disruptivo e explica também a passividade com que amplas parcelas do povo assistem à direita golpear o governo Rousseff.

Enquanto isso, para agravar a situação do governo e do regime, a Operação Lava Jato vem afetando a taxa de acumulação que antes era mais ou menos garantida pela Petrobrás como empresa pública altamente demandante de produtos e serviços. Se a Petrobrás encontra entraves para executar seu plano de investimentos, dada a redução de sua capacidade de licitar, afeta não somente o lucro das grandes construtoras, mas de vários setores da burguesia produtoras de bens intermediários. O sinal de alerta para a burguesia foi dado quando Marcelo Odebrecht anunciou sua adesão decidida à delação premiada na Lava Jato e a Operação Zelotes intimou o herdeiro da Gerdau (que escapou não se sabe como de uma condução coercitiva anunciada pela Rede Globo, na manhã seguinte à condução de Lula ao nebuloso episódio do interrogatório no aeroporto de Congonhas).

Ao prosseguirem as duas operações, os grandes e pequenos partidos da política tradicional e um conjunto ainda maior de empresas deverão ser engolfadas nos escândalos de corrupção, ameaçando todo o regime moribundo. É por isso que setores da esquerda radical já levantam a bandeira do “que se vayan todos!”, não sem fundamento objetivo. Neste caso, o erro reside em acreditar que o impeachment favorece essa luta e que o proto fascismo fortalecido é inofensivo para as condições da luta de classes. Somente a crença messiânica em uma solução caída dos céus e/ou uma leitura distorcida com balanço equivocado das condições sobre as quais se deram transformações de caráter socialista na história pode animar uma convicção dessa natureza.

Então, com Marcelo Odebrecht, o herdeiro da Gerdau e a Rede Globo na mira, a partir deste momento foi desencadeada a manobra que tenta restringir a corrupção ao PT e, se possível, em seguida, colar o PT ao conjunto da esquerda, para selar, sobre a derrota política do PT, uma derrota ideológica do conjunto da esquerda brasileira. Foi quando a FIESP, como representante de frações importantes da burguesia industrial e de serviços que tem sua taxa de acumulação afetada com o impacto da Lava Jato na economia, resolveu atuar. A Rede Globo, há mais tempo, temendo o avanço da Zelotes, já vinha em busca de como “sair do PT”, uma vez que o governo poderia acelerar as investigações do esquema de corrupção no âmbito do Conselho de Administração da Receita Federal (CARF). Mas, como todos puderam ver, o governo Dilma Roussef não o fez. FIESP, Gerdau e Globo querem que as investigações sejam seletivas e que as duas operações, Lava Jato e Zelotes, terminem imediatamente para tudo retornar à “normalidade” anterior. Quer dizer, para que todos voltem a roubar sem ser importunados.

É por isso que a luta contra a corrupção é tão importante para os socialistas consequentes, para os trabalhadores e para o povo e não pode ser relegada a segunda plano. Ela tem a capacidade de, se levada corretamente, desmascarar o sistema político corrupto, representando um salto na consciência social sobre a natureza do regime. É por isso que esse momento é crucial para começar a construir um novo bloco social capaz de forjar uma alternativa política real. Uma alternativa que apresente um novo projeto nacional, radicalmente democrático, com um programa econômico voltado aos interesses dos trabalhadores e do povo e capaz de levar a luta contra a corrupção até o fim para virar a página do sistema político apodrecido tal como ele é hoje, criando as condições para uma perspectiva transicional.

Se, para setores da esquerda socialista, a luta contra esse impeachment é defensiva e contraditória, ela expressa porém, de fato, a necessidade histórica de dar um passo atrás para dar dois passos à frente. A constituição de um novo bloco histórico democrático sob a hegemonia dos trabalhadores é a única via para deter maiores ataques aos salários, aos direitos trabalhistas como a nova reforma da previdência e à retirada de conquistas recentes no âmbito dos direitos civis (das mulheres, de LGBTs e negros), políticos (lei antiterror), individuais (ampla defesa, privacidade, presunção de inocência) e humanos (à vida, frente o avanço do crime organizado por dentro do Estado). Para isso, não há atalhos.

Se vivemos, é verdade, em uma democracia precária, a vitória desse impeachment tal como se apresenta implicará a imposição de uma lógica de exceção permanente – se não como deter a crescente insatisfação do povo sem que este conte sequer com uma alternativa política real? É bom recordar, para efeitos desse debate, que a consciência dos limites à isonomia e à justiça por parte da sociedade capitalista não podem nos levar a uma atitude cínica de aceitação destes limites. Nos últimos duzentos anos, desde a consolidação da revolução francesa e a consequente decadência ideológica da burguesia, os direitos são conquistas históricas dos trabalhadores contra os interesses das classes dominantes. Nada pode ser mais grotesco do que entregar essas vitórias na luta de classes a uma leitura pejorativa e restritiva que as englobe em um “Estado Democrático de Direito”, exclusivamente burguês, como setores desinformados da esquerda têm preferido fazer para desmerecer a luta por mais direitos e pela democracia. E, por tudo o que foi exposto, nada pode ser mais equivocado que acreditar que essa luta por mais direitos democráticos, hoje, no Brasil, possa prescindir da luta contra a corrupção e pela fundação de outra República.


Carla Ferreira e Mathias Luce
Pesquisadora e docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
carlacc.ferreira@hotmail.com e mathiasluce@hotmail.com

A DISPUTA É NAS RUAS

Claudius
Por Silvio Caccia Brava no site e na revista LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASILDiretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil. 

As razões

O núcleo da crise atual está na consolidação de um bloco das elites brasileiras a partir do final de 2012 – grandes corporações e sistema financeiro – que não quer mais nem o PT nem Dilma no governo. Essa oposição envolve também afastar, por todos os meios, a possibilidade da candidatura de Lula em 2018.

As razões desse enfrentamento sem negociações não passam pela questão da corrupção, que abarca todos os partidos, vem de longa data e é uma forma tradicional de as empresas buscarem vantagens ilegais junto aos governos. O que está em disputa é o controle da política econômica.

A consolidação do bloco das elites se deu em reação às medidas do governo Dilma para enfrentar a crise internacional, que contrariaram profundamente seus interesses. A redução da Selic, em 2012, baixou a remuneração dos rentistas. Na mesma época, a redução das taxas de juros ao consumidor fez os bancos públicos ganharem o espaço de um Bradesco no mercado; em poucos anos, esses bancos passaram de 35% para mais de 55% desse mercado. O congelamento dos preços da eletricidade, por exemplo, gerou perdas significativas para fundos internacionais que compraram ações das elétricas no Brasil. Para esse grande empresariado, acostumado a comandar o Banco Central e a política econômica, tais iniciativas afrontaram seus interesses diretos. Vem daí toda a razão de ser da campanha em favor do impeachment.

A campanha “Fora, Dilma”

As denúncias de corrupção, todas elas seletivas, pois ignoram o PSDB e os demais partidos de oposição ao governo, servem para mobilizar a população contra o governo e manipular a opinião pública, especialmente as classes médias que não compreendem por que os bons tempos acabaram.

A crise política se radicaliza; as ofensas pessoais e os panelaços mostram a intransigência dessas classes médias e sua revolta com a crise econômica; abre-se campo para o imprevisível. Nesse cenário, novas ONGs de direita e partidos que tradicionalmente defendem as elites buscam mobilizar a opinião pública em manifestações contra o governo e o PT.

Sem a mobilização da sociedade, avaliam que “não há clima” para a promoção do impedimento da presidenta. Caso passem a contar com um respaldo maior das ruas, darão continuidade ao processo de articular o golpe branco, isto é, a condenação do governo e do PT por atos ilícitos que, na verdade, todos praticam. Amplos setores do Congresso, do Judiciário, da Polícia Federal, tradicionalmente ligados aos interesses das elites, promovem uma ofensiva para derrubar o governo, criminalizar o PT (apenas o PT) e impedir a candidatura de Lula em 2018.

Neste momento, as forças neoliberais formaram um comitê dos partidos que são contra o PT e o governo e pretendem, coordenadamente, convocar seguidas manifestações populares em várias capitais do país. Eles têm à disposição o monopólio da mídia e agora investem na mobilização social para criar as condições para o golpe branco.

A rua passou a ser o centro das disputas. “Ou você vai pra rua ou ela (Dilma) fica”, diz a convocatória. Com quase um mês de antecedência, nos principais pontos de circulação em São Paulo, começam a ser distribuídos fartamente volantes de convocação para a manifestação “Fora, Dilma” de 13 de março.


ALLAN KARDEC - MODELO DE CIRCUNSPECÇÃO E RECOLHIMENTO


Recebido por email do IPEAK.

Poderíamos imaginar, nos dias de hoje, um jovem naturalmente calmo, recolhido, circunspecto?

Essas qualidades naturais em um jovem são raras e indicam um Espírito elevado aí encarnado. Em se tratando de um Espírito superior, essas qualidades lhe são inerentes desde a infância. Pois Kardec deve ter sido uma tal criança, um tal jovem.

Nós o surpreendemos, num artigo publicado na Revista Espírita, falando um pouco sobre si mesmo; trata-se da visita que fez em espírito, quando emancipado pelo sono, a um amigo, para trabalhar. 

Reproduzimos aqui uma parte de sua fala:

“Enquanto eu estava calmamente na cama, um de nossos amigos me viu várias vezes em sua casa, posto que sob uma aparência não tangível, sentando-me a seu lado e conversando com ele, como de hábito. Uma vez ele me viu de roupão, outras vezes de paletó. Transcreveu nossa conversa e no-la remeteu no dia seguinte. Percebe-se bem que era relativa a nossos trabalhos prediletos. Querendo fazer uma experiência, ofereceu-me refresco. Eis a minha resposta: ‘Não tenho necessidade disto, porque não é o meu corpo que está aqui, vós o sabeis. Não há a menor necessidade, portanto, de criar para vós uma ilusão.' Uma circunstância muito estranha apresentou-se naquela ocasião. Seja por disposição natural, ou seja resultado de nossos trabalhos intelectuais, sérios desde a minha juventude, poderíamos dizer, desde a infância, o fundo de meu caráter foi sempre de extrema gravidade, mesmo na idade em que não se pensa senão no prazer. Esta preocupação constante me dá uma aparência de frieza, mesmo de muita frieza. É isto, pelo menos, o que muitas vezes me tem sido censurado. Mas sob esse envoltório aparentemente glacial, talvez o Espírito sinta mais vivamente do que se tivesse uma maior expansão exterior. Ora, em minhas visitas noturnas ao nosso amigo, ele ficou muito surpreso por me ver completamente diferente; estava mais aberto, mais comunicativo, quase alegre. Tudo respirava em mim a satisfação e a calma do bem-estar. Não estará aí um efeito do Espírito desprendido da matéria?"[1]
        
Em suas obras Kardec chama a nossa atenção para a necessidade da seriedade, do recolhimento, da pureza de intenções como condição indispensável para a assistência dos bons Espíritos e das boas comunicações. Vamos reproduzir, nestas reflexões sobre o recolhimento, alguns trechos das recomendações dadas pelo nosso Mestre, e que poderão servir ao espírita, individualmente, e aos grupos espíritas que desejam bem se conduzir.

Disse ele: “O concurso dos bons Espíritos, tal é, com efeito, a condição sem a qual não se pode esperar a Verdade. Ora, depende de nós obter esse concurso. A primeira de todas as condições para merecermos a sua simpatia é o recolhimento e a pureza das intenções. Os Espíritos sérios vão aonde são chamados seriamente, com fé, fervor e confiança. Eles não gostam de ser usados em experiências, nem de dar espetáculo. Ao contrário, gostam de instruir aqueles que os interrogam sem ideias preconcebidas. Os Espíritos levianos, que se divertem de todos os modos, vão a toda parte e de preferência aos lugares onde encontram ocasião para mistificar. Os maus são atraídos pelos maus pensamentos, e por maus pensamentos devemos compreender todos aqueles que não se conformam com os princípios da caridade evangélica. Assim, pois, quem quer que traga a uma reunião sentimentos contrários a esses preceitos, traz consigo Espíritos desejosos de semear a perturbação, a discórdia e os desafetos.

A comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem é, assim, uma condição primordial e não é possível encontrar essa comunhão num meio heterogêneo, onde têm acesso paixões inferiores como o orgulho, a inveja e o ciúme, paixões que sempre se revelam pela malevolência e pela acrimônia da linguagem, por mais espesso que seja o véu com que se procure encobri-las. Eis o abc da Ciência Espírita. Se quisermos fechar a porta desse recinto aos maus Espíritos, comecemos por fechar-lhes a porta de nossos corações e evitemos tudo quanto lhes possa conferir poder sobre nós. Se algum dia a Sociedade se tornasse joguete dos Espíritos enganadores, é que a ela teriam sido atraídos. Por quem? Por aqueles nos quais eles encontram eco, pois eles vão apenas aonde sabem que são escutados. É conhecido o provérbio: Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Podemos parodiá-lo em relação aos nossos Espíritos simpáticos, dizendo: Dize-me o que pensas e dir-te-ei com quem andas.

Ora, os pensamentos se traduzem por atos. Se admitirmos que a discórdia, o orgulho, a inveja e o ciúme não podem ser inspirados senão por maus Espíritos, aqueles que aqui trouxessem elementos de desunião suscitariam entraves, com o que indicariam a natureza de seus satélites ocultos. Então só poderíamos lamentar sua presença no seio da Sociedade. Queira Deus - e assim o espero - que isto nunca aconteça, e que, auxiliados pelos bons Espíritos, se a estes nos tornarmos favoráveis, a Sociedade se consolide, tanto pela consideração que tiver merecido, quanto pela utilidade de seus trabalhos.

(…) Se tivéssemos em mira apenas experiências para satisfação de nossa curiosidade, a natureza das comunicações seria mais ou menos indiferente, pois nelas veríamos somente o que elas são. Como, porém, em nossos estudos não buscamos uma diversão para nós, nem para o público, mas o que queremos são comunicações verdadeiras, para isso necessitamos da simpatia dos bons Espíritos, e essa simpatia só é conseguida pelos que afastam os maus com a sinceridade de seu coração.[2]

"O perigo está no império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas”.

“Dizer que Espíritos levianos jamais se introduziram em nosso meio, para encobrirmos qualquer ponto vulnerável de nossa parte, seria muita presunção de perfeição. Os Espíritos superiores podem até mesmo permiti-lo, a fim de experimentar a nossa perspicácia e o nosso zelo na busca da verdade. Entretanto, o nosso raciocínio deve pôr-nos em guarda contra as ciladas que nos podem ser armadas e em todos os casos dá-nos os meios de evitá-las.

O objetivo da Sociedade não é apenas a pesquisa dos princípios da Ciência Espírita. Ela vai mais longe. Estuda também as suas consequências morais, pois é principalmente nestas que está a sua verdadeira utilidade.

Ensinam os nossos estudos que o mundo invisível que nos circunda reage constantemente sobre o mundo visível e no-lo mostram como uma das forças da Natureza. Conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina e nos subjuga malgrado nosso, não será ter a chave de muitos problemas, as explicações de uma porção de fatos que passam despercebidos? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do mal não é ter um meio de preservar-se contra ele, assim como o conhecimento das propriedades da eletricidade nos deu o meio de atenuar os desastrosos efeitos do raio? Se então sucumbirmos, não nos poderemos queixar senão de nós mesmos, porque a ignorância não nos servirá de desculpa. O perigo está no império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas, o que não é apenas uma coisa funesta do ponto de vista dos erros de princípios que eles podem propagar, como ainda do ponto de vista dos interesses da vida material.

Uma das táticas do maus Espíritos para alcançar os seus fins é semear a desunião

“Ensina a experiência que jamais nos abandonamos impunemente ao domínio dos maus Espíritos, porque suas intenções jamais podem ser boas. Uma de suas táticas para alcançar os seus fins é a desunião, pois sabem muito bem que podem facilmente dominar quem estiver sem apoio. Assim, o seu primeiro cuidado, quando querem apoderar-se de alguém, é sempre inspirar-lhe a desconfiança e o isolamento, a fim de que ninguém possa desmascará-los esclarecendo-o com conselhos salutares. Uma vez senhores do terreno, podem à vontade fascinar a pessoa com promessas sedutoras; subjugá-la por meio da lisonja às suas inclinações, para o que aproveitam o lado fraco que descobrem a fim de melhor fazê-la sentir, depois, a amargura das decepções; feri-la nas suas afeições; humilhá-la no seu orgulho e, muitas vezes, elevá-la por um instante apenas para precipitá-la de mais alto.

Eis, senhores, o que nos mostram os exemplos que a cada momento se desdobram aos nossos olhos, tanto no mundo dos Espíritos quanto no mundo corpóreo, circunstância que podemos aproveitar para nós próprios, ao mesmo tempo que procuramos torná-la proveitosa aos outros.

(…) Uma sociedade espírita requer outra condição - a assistência dos bons Espíritos - se quisermos obter comunicações sérias, porque dos maus, caso lhes permitamos tomarem pé, nada obteremos senão mentiras, decepções e mistificação. Este é o preço de sua própria existência, pois os maus serão os primeiros agentes de sua destruição. Eles a minarão pouco a pouco, caso não a derrubem logo de início.

Sem homogeneidade não haverá comunhão de pensamentos e, portanto, não serão possíveis nem calma nem recolhimento. Ora, os bons só se apresentam onde encontram tais condições. Como encontrá-las numa reunião onde as crenças são divergentes, onde alguns nem mesmo creem e, por conseguinte, onde domina incessantemente o espírito de oposição e de controvérsia? Eles só assistem aos que desejam ardentemente esclarecer-se para o bem, sem segundas intenções, e não para satisfazer uma vã curiosidade.

Querer formar uma sociedade espírita fora destas condições seria dar provas da mais absoluta ignorância dos princípios mais elementares do Espiritismo.

(…) Aliás, nós possuímos um meio infalível para não temer nenhuma rivalidade. É o que nos dá São Luís: Que haja entre vós compreensão e amor, disse-nos ele. Trabalhemos, pois, para nos compreendermos. Lutemos com os outros, mas lutemos com caridade e com abnegação. Que o amor ao próximo esteja inscrito em nossa bandeira e seja a nossa divisa. Com isto desafiaremos a zombaria e a influência dos maus Espíritos.(…)[3]
        
(…) "A tática ora em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha, e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções. Eis por que vos advirto para que tenhais a maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos.

A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, isto não é possível se somos distraídos pelas discussões e pela expressão de sentimentos malévolos. Se houver fraternidade, não haverá sentimentos malévolos, mas não pode haver fraternidade com egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos que se chocam e se ferem por tudo; com ambiciosos que se desiludem quando não têm a supremacia; com egoístas que só pensam em si mesmos, a cizânia não tardará a ser introduzida. Daí, vem a dissolução. É o que queriam nossos inimigos e é o que tentarão fazer.

Se um grupo quiser estar em condições de ordem, de tranquilidade, de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraterno. Todo grupo ou sociedade que se formar sem ter por base a caridade efetiva não terá vitalidade, enquanto os que se formarem segundo o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não podendo viver todos sob o mesmo teto, moram em lugares diversos. Entre eles, a rivalidade seria uma insensatez, pois ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não pode ser entendida de duas maneiras. Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita pela prática da caridade em pensamentos, palavras e atos, e dizei a vós mesmos que aquele que em sua alma nutre sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja e de ciúme mente para si mesmo se deseja compreender e praticar o Espiritismo.

O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e as sociedades em geral. Lede a história e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos da felicidade humana. Quando se apoiarem nas bases da caridade, serão indissolúveis, porque estarão em paz entre si e consigo mesmos, cada um respeitando os bens e os direitos dos vizinhos. Essa será a nova era predita, da qual o Espiritismo é o precursor, e para a qual todo espírita deve trabalhar, cada um na sua esfera de atividade. É uma tarefa que lhes incumbe, e da qual serão recompensados conforme a maneira pela qual a tenham realizado, pois Deus saberá distinguir os que no Espiritismo só procuraram a sua satisfação pessoal daqueles que ao mesmo tempo trabalharam pela felicidade de seus irmãos.[4]

Encerramos aqui essas breves reflexões sobre o que Allan Kardec considera importante para o bom andamento dos grupos sérios, e de que ele mesmo deu o exemplo. Aos final de cada trecho extraído de suas orientações nós incluímos a referência ao texto integral, a fim de que cada um que queira lê-lo na íntegra saiba onde encontrá-lo.

Incluímos aqui as definições de termos que foram utilizados por Kardec nos textos acima, encontrados em dicionários franceses do século XIX.

Circunspecção: Vigilância prudente que se exerce sobre suas palavras e suas ações, atento a todas as circunstâncias. Discrição, reflexão, reserva, moderação, sabedoria. Agir, falar com circunspecção. Atenção, discernimento, precaução, critério. Contrários: imprudência, leviandade, temeridade.

Circunspecto: que presta muita atenção ao que diz e faz; atento, ajuizado, discreto, prudente, refletido, reservado, sábio. Contrários: aventureiro, imprudente, leviano, temerário.

Recolhimento: ação de se recolher. Buscar o recolhimento na solitude. Estado de uma pessoa que se recolhe.

Recolher-se: reunir em si mesmo toda sua atenção, para ocupar-se somente de uma coisa. Recolher-se antes de falar. Reunir, recolher suas forças. Inferir, tirar alguma dedução. (Nouveau Dictionnaire Universel, de Lachâtre. Paris 1865)


[1]Revista Espírita, fevereiro de 1859 - Os agêneres
[2]Revista Espírita, julho de 1859 - Sociedade Parisiense - Discurso de encerramento do ano social 1858-1859.
[3]Revista Espírita, julho de 1859 - Sociedade Parisiense - Discurso de encerramento do ano social 1858-1859.
[4]Revista Espírita, fevereiro de 1862 - Cumprimentos de ano-novo.

MOMENTO DECISIVO


Publicado originalmente no site da FEB.

Filhas e filhos da alma!

Abençoe-nos o Senhor com a sua paz.

Estes são dias de turbulência.

A sociedade terrestre, com a inteligência iluminada, traz o coração despedaçado pela angústia do ser existencial. Momento grave na historiografia do processo evolutivo, quando se operam as grandes mudanças para que se alcance a plenitude na Terra, anunciada pelos Espíritos nobres e prometida por Jesus. Nosso amado planeta, ainda envolto em sombras, permanece na sua categoria de inferioridade, porque nós, aqueles que a ele nos vinculamos, ainda somos inferiores, e à medida que se opera nossa transformação moral para melhor, sob a égide de Jesus, nosso modelo e guia, as sombras densas vão sendo desbastadas para que as alvíssaras de luz e de paz atinjam o clímax em período não muito distante.

Quando Jesus veio ter conosco, a humanidade experimentava a grande crise de sujeição ao Império Romano, às suas paixões totalitárias e aos interesses mesquinhos de governantes arbitrários. O Espiritismo, a seu turno, instalando-se no planeta, enfrenta clima equivalente em que o totalitarismo do poder arbitrário de políticas perversas esmaga as aspirações de enobrecimento das criaturas humanas e, por consequência, o ser, que se agita na busca da plenitude, aturde-se e, confundindo-se, não sabe como vivenciar as claridades libertadoras do Evangelho.

Com a conquista do conhecimento científico e o vazio existencial, surgem as distrações de vário porte para poder diminuir a ansiedade e o desespero. Naturalmente, essa manifestação de fuga da realidade interfere no comportamento geral dos seareiros da Verdade que, nada obstante, considerando serem servidores da última hora, permitem-se os desvios que lhes diminuem a carga aflitiva.

Tende, porém, bom ânimo, filhas e filhos do coração!
É um momento de siso, de decisões, para a paz no período do porvir.

Recordai-vos de que o Cristianismo nascente experimentou também inúmeras dificuldades. A palavra revolucionária do apóstolo Paulo, a ruptura com as tradições judaicas ainda vigentes na igreja de Jerusalém geraram a necessidade do grande encontro, que seria o primeiro debate entre os trabalhadores de Jesus que se espalhavam pelo mundo conhecido de então.

No momento grave, quando uma ruptura se desenhava a prejuízo do Bem, a humildade de Simão Pedro, ajoelhando-se diante da voz que clamava em toda parte a Verdade, pacificou os corações e o posteriormente denominado Concílio de Jerusalém se tornou um marco histórico da união dos discípulos do Evangelho.

Neste momento de desafio e de conflitos de todo porte, é natural que surjam divergências, opiniões variadas, procurando a melhor metodologia para o serviço da Luz. O direito de discordar, de discrepar, é inerente a toda consciência livre. Mas, que tenhamos cuidado para não dissentir, para não dividir, para não gerar fossos profundos ou abismos aparentemente intransponíveis.

Que o espírito de união, de fraternidade, leve-nos todos, desencarnados e encarnados, à pacificação, trabalhando essas anfractuosidades para que haja ordem em nome do progresso.

O amor é o instrumento hábil para todas as decisões. 

Desarmados os corações, formaremos o grupo dos seres amados do ideal da Era Nova.

Nunca olvideis que o mundo espiritual inferior vigia as nascentes do coração dos trabalhadores do Bem e, ante a impossibilidade de os levar a derrocadas morais, porque vigilantes na oração e no trabalho, pode infiltrar-se, gerando desequilíbrio e inarmonias a benefício das suas sutilezas perversas e a prejuízo da implantação da Era Nova sob o comando do Senhor.

Nunca olvidemos, em nossas preocupações, que a Barca terrestre tem um Nauta que a conduz com segurança ao porto da paz.

Prossegui, lidadores do Bem, com o devotamento que se vos exige de fazerdes o melhor que esteja ao vosso alcance, em perfeita identificação com os benfeitores da humanidade, especialmente no Brasil, sob a égide de Ismael, representando o Mestre inolvidável.

Venceremos lutando juntos, esquecendo caprichos pessoais, de imposições egotistas, pensando em todos aqueles que sofrem e que choram, que confiam em nossa fragilidade e aguardam o melhor exemplo da nossa renúncia em favor do Bem, do nosso devotamento em favor da caridade, da nossa entrega em novo holocausto.

Já não existem as fogueiras, nem os empalamentos. Os circos derrubaram as suas muralhas e agora expandem as suas fronteiras por toda a Terra, mas o holocausto ainda se faz necessário.

Sacrificai as próprias imperfeições, particularmente neste sesquicentenário de evocação da chegada do Evangelho à Terra, decodificado pelos Imortais.

Recordai também, almas queridas, que o Espiritismo é, sem qualquer contradita, o Cristianismo que não pôde ser consolidado e que esteve na sua mais bela floração nos trezentos primeiros anos, antes das adulterações nefastas, e que foi Jesus quem o denominou Consolador.

Este Consolador sobreviverá a todas as crises e quando, por alguma circunstância, não formos capazes de dignificá-lo, a irmã morte arrebatará aqueles que não correspondem à expectativa do Senhor da Vinha, substituindo-os por outros melhormente habilitados, mais instrumentalizados para os grandes enfrentamentos que já ocorrem na face do planeta.

Todos sabemos que a transformação moral de cada indivíduo é penosa, de longo curso, por efeito do atavismo ancestral, e que a Lei dispõe do recurso dos exílios coletivos para apressar a chegada da Era Nova.

Abençoados servidores! Abençoadas servidoras da Causa! Amai! Amai com abnegação e espírito de serviço a Doutrina de santificação, para que os vossos nomes sejam escritos no livro do reino dos Céus e possais fruir de alegrias, concluindo a etapa como o apóstolo das gentes, após haverdes lutado no bom combate.

Os mentores da brasilidade, neste momento grave por que também passa o nosso país, assim como o planeta, estão vigilantes.

Permiti-vos ser por eles inspirados e saí entoando o hino do otimismo e da esperança, diluindo a treva, não fixando o medo nem a sombra, que por momento domina muitas consciências. Não divulgando o mal, somente expondo o bem, para que a vitória não seja postergada.

E ide de volta, seareiros da luz! O mundo necessita de Jesus, hoje mais do que ontem, muito mais do que no passado, porque estamos a caminho da intuição, após a conquista da razão, para mantermos sintonia plena com aquele que é o nosso guia de todos os dias e de todas as horas.

Muita paz, filhas e filhos do coração!

São os votos do servidor humílimo e paternal, em nome dos obreiros da seara de todos os tempos, alguns dos quais aqui conosco nesta hora.

Muita paz!…

Bezerra

(Mensagem psicofônica recebida pelo médium Divaldo Pereira Franco, no encerramento da Reunião Ordinária do Conselho Federativo Nacional, em Brasília, DF, na manhã de domingo, em 9 de novembro de 2014.) Revisão do Autor Espiritual.