Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sexta-feira, 18 de março de 2016

O ESPIRITISMO E A MAGISTRATURA - A LEI HUMANA


Revista Espírita - Março de 1866

Instrução do Espírito do Sr. Bonnamy, pai.

A lei humana, como todas as coisas, está submetida ao progresso; progresso lento, insensível, mas constante.

Por mais admiráveis que sejam, para certas pessoas, as legislações antigas dos gregos e dos romanos, elas são muito inferiores às que governam as populações adiantadas de vossa época! ─ Com efeito, o que vemos na origem de cada povo? ─ Um código de costumes e usos tirando a sua sanção da força e tendo como motor o mais absoluto egoísmo. Qual o objetivo de todos os legisladores primitivos? ─ Destruir o egoísmo para a maior paz da Sociedade. Suspeita-se do criminoso? ─ Não. Bate-se nele para corrigi-lo e lhe mostrar a necessidade de uma conduta mais moderada em relação aos seus concidadãos mal e seus instrumentos? É visando o seu melhoramento? ─ Absolutamente. É exclusivamente para preservar a Sociedade contra as suas ações, Sociedade egoísta que rejeita impiedosamente de seu seio tudo quanto lhe pode perturbar a tranquilidade. Assim, todas as repressões são excessivas e a pena de morte é mais geralmente aplicada.

Isto é concebível quando se considera a ligação íntima que existe entre a lei e o princípio religioso. Ambos avançam concordes, para um objetivo único, amparando-se mutuamente.

A religião sanciona todos os prazeres materiais e todas as satisfações dos sentidos? A lei dura e excessiva fere o criminoso para desembaraçar a Sociedade de um hóspede importuno. A religião se transforma, sanciona a vida da alma e sua independência da matéria? Ela reage também sobre a legislação, demonstra-lhe a responsabilidade que lhe incumbe, no futuro do violador da lei. Daí, a assistência do ministro, seja qual for, nos últimos momentos do condenado. Ainda o agridem, mas já têm a preocupação com esse ser que não morre inteiramente com o seu corpo, e cuja parte espiritual vai receber o castigo que os homens infligiram ao elemento material.

Na Idade Média e desde a era cristã, a legislação recebe do princípio religioso uma influência cada vez mais notável. Ela perde pouco de sua crueldade, mas seus móveis ainda absolutos e cruéis mudaram completamente de direção.

Assim como a Ciência, a Filosofia e a Política, a jurisprudência tem as suas revoluções, que não se devem operar senão lentamente, para serem aceitas pela generalidade dos seres a quem interessam. Uma nova instituição, para dar frutos, não deve ser imposta. A arte do legislador é preparar os espíritos de maneira a fazer com que a desejem e a considerem como um benefício... Todo inovador, por melhores que sejam as intenções que o animem, por mais louváveis que sejam os seus desígnios, será considerado como um déspota, cujo jugo é preciso sacudir, se ele quiser se impor, ainda mesmo que por benefícios. ─ Por seu princípio, o homem é essencialmente livre, e quer aceitar sem constrangimento. Daí as dificuldades que encontram os homens muito avançados para o seu tempo; daí as perseguições com que são abatidos. Eles vivem no futuro! Com um ou dois séculos de avanço sobre a massa de seus contemporâneos, eles não podem senão fracassar e quebrar-se contra a rotina refratária.

Assim, na Idade Média, preocupavam-se com o futuro do criminoso. Pensavam em sua alma, e para a levá-la ao arrependimento, apavoravam-na com os castigos do inferno, as chamas eternas que, por um arrastamento culposo, lhe infligiria um Deus infinitamente justo e infinitamente bom!

Não podendo elevar-se à altura de Deus, os homens, para se engrandecer, o reduziam às suas mesquinhas proporções! Inquietavam-se com o futuro do criminoso; pensavam em sua alma, não por ela pró­pria, mas em razão de uma nova transformação do egoísmo, que consistia em pôr a consciência em repouso, reconciliando o pecador com o seu Deus.

Pouco a pouco, no coração e no pensamento de um pequeno número, a iniquidade de semelhante sistema pareceu evidente. Eminentes espíritos tentaram modificações prematuras, mas que, nada obstante, deram frutos, estabelecendo precedentes sobre os quais se baseia a transformação que hoje se realiza em todas as coisas.

Sem dúvida, ainda por muito tempo a lei será repressiva e castigará os culpados. Ainda não chegamos ao momento em que só a consciência da falta será o mais cruel castigo daquele que a cometeu. Mas, como vedes todos os dias, as penas se abrandam; tem-se em vista a moralização do ser; criam-se instituições para preparar a sua renovação moral; torna-se o seu abatimento útil a ele próprio e à Sociedade. O criminoso não será mais a fera a ser expurgada do mundo a qualquer preço. Será a criança extraviada na qual deve ser corrigido o raciocínio falseado pelas más paixões e pela influência do meio perverso!

Ah! O magistrado e o juiz não são os únicos responsáveis e os únicos a agirem neste mister. Todo homem de coração, príncipe, senador, jornalista, romancista, legislador, professor e artesão, todos devem pôr mãos à obra e trazer o seu óbolo à regeneração da Humanidade.

A pena de morte, vestígio infamante da crueldade antiga, desaparecerá pela força das coisas. A repressão, necessária no estado atual, abrandar-se-á dia a dia; e, em algumas gerações, a única condenação, a colocação fora da lei de um ser inteligente será o último degrau da infâmia, até que, de transformação em transformação, a consciência de cada um fique como único juiz e carrasco do criminoso.

E a quem deveremos todo esse trabalho? Ao Espiritismo, que desde o começo do mundo age por suas revelações sucessivas, como Mosaísmo, Cristianismo e Espiritismo propriamente dito! Por toda parte, em cada período, sua influência benfazeja salta aos os olhos, e ainda há seres bastante cegos para não reconhecê-lo, bastante interessados para derrubá-lo e negar a sua existência. Ah! Esses devem ser lamentados, porque lutam contra uma força invencível: contra o dedo de Deus!

BONNAMY pai. (Médium: Sr. Desliens).

AO FINAL, A DEMOCRACIA PRECISA VENCER A BARBÁRIE

Por Leonardo Sakamoto publicado originalmente no BLOG DO SAKAMOTO.

Quem critica Sérgio Moro é porque defende Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva? Não, você pode achar Dilma a pior presidente do mundo e Lula um bandido enganador e, ao mesmo tempo, considerar que um juiz federal deve seguir regras e não pode agir de forma política em seus casos. Porque as instituições da República, como as leis e o devido processo legal, devem sobreviver aos governantes e magistrados.

Em outras palavras, o combate à corrupção é fundamental e operações como a Lava Jato e a Zelotes desempenham um papel importante para o país. Mas sob a justificativa de limpar a sociedade, o Estado não pode se utilizar de métodos questionáveis sob o risco de não ser diferente daqueles que querem investigar. Porque, acima de tudo, está a proteção de nossa democracia.

Saindo do ar rarefeito dos palácios e cortes e indo para o nível de nosso cotidiano, a sociedade não pode e não deve substituir as instituições democráticas em momentos de intensa comoção popular sob o risco de ela própria se tornar pior do que o problema que quer combater.

Como já disse aqui anteriormente, quando uma turba resolve fazer Justiça com as próprias mãos, partindo para o linchamento de uma pessoa acusada de cometer um crime, usa – não raro – o discurso de que as instituições públicas não conseguiram dar respostas satisfatórias para punir ou prevenir.

Afirmam, dessa forma, que estão resolvendo – como policial, promotor, juiz, júri e carrasco – o que o poder público não foi capaz de fazer, baseado em um entendimento do que é certo, do que é errado e do que é inaceitável.

Mesmo que, ao final de um espancamento, isso os transforme em criminosos mais vis do alguém que comete um furto, por exemplo, uma vez que a vida vale mais que a propriedade e não existe pena de morte no Brasil. Em tese, claro.

Casos envolvendo turbas em transe estão despontando, aqui e ali, como os que circularam nos jornais, sites, emissoras de rádio e telejornais, desta quarta (16), resolvendo reequilibrar o universo com as próprias mãos, partindo para o linchamento de pessoas acusadas não de estuprar, roubar ou matar, mas de carregar e defender uma ideia diferente da sua.

Em outras palavras, ter uma opinião e demonstrá-la publicamente tem sido, para algumas pessoas, motivo de linchamento moral e físico. Mesmo que essa ideia não signifique incitar a violência contra outros brasileiros.

Talvez como “corretivo'' para que aprenda o que é certo e o que é errado. Talvez como “punição'' por cometer uma heresia – palavra empregada aqui de forma pensada, pois a situação remete a momentos da Santa Inquisição que pensamos ter deixado para trás.

Preocupa ouvir e ler relatos de pessoas que são obrigadas a tirar camisetas vermelhas com imagens de Che (ainda mais ele, que já havia sido fagocitado, alienado e entregue ao consumo pop) e bonés de movimentos sociais ou largar livros de Marx, sob o risco de apanhar de grupos enfurecidos.

Parte de ações antes restritas ao ambiente digital, vai ganhando escolas, locais de trabalho e ruas, fomentada por lideranças e pela ausência de uma cultura política do debate, da tolerância e da noção de limites.

Da mesma forma, é um absurdo colegas jornalistas apanharem nas ruas ao fazerem coberturas por trabalharem em determinados veículos – sejam eles da grande imprensa ou da independente, progressistas ou conservadores. Pois a ignorância e a incapacidade de diálogo não são monopólio de ninguém.

Não podemos esquecer que já linchamos sistematicamente pessoas cujo crime do qual são acusadas é o de criar rupturas em uma suposta harmonia da sociedade ao tentarem ser simplesmente quem são. O receio constante de apanhar ou ser maltratado não é novidade para muitos gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros (principalmente jovens), indígenas, mulheres. Ou seja, cidadãos de segunda classe.

Mas estou indo um pouco além no questionamento: seguindo essa toada, o Brasil sobreviverá a esta temporada de linchamentos baseados em opinião? Ou estamos vendo o surgimento de um macarthismo, que tocou o terror nos anos 1950 nos Estados Unidos, com a prática de formular acusações e fazer insinuações sem provas e criminalizar todo o pensamento fora do estabilishment?

O que a maior parte das hordas que adotam o terror como modelo de atuação não sabem é que não se mata uma ideia matando quem a carrega. Porque uma ideia não pertence a uma única pessoa ou instituição. Ela, parida pela somatória das experiências de vida individuais e pela ação da razão, passa a pertencer à sociedade e ao seu tempo histórico.

Ou seja, uma ideia não morre simplesmente. Queimada na fogueira ou agredida em praça pública, ela se multiplica.

Mas, se dialogada, com argumentos, tolerância e bom senso, pode ser transformada e, quiçá, alterada e aplicada. E, com isso, transformar, para melhor, a vida de todos os envolvidos.

Muitos podem não acreditar nisso. Mas continuo insistindo em trazer esse debate aqui. Pois a alternativa a isso é a mais completa barbárie.

quarta-feira, 16 de março de 2016

POLÍTICA - POR EMMANUEL


"E quem governa seja como quem serve". - Jesus, (Lucas, 22:26)

O Evangelho apresenta, igualmente, a mais elevada fórmula de vida político-administrativa aos povos da Terra.

Quem afirma que semelhantes serviços não se compadecem com os labores do Mestre não penetrou ainda toda a vontade de suas Lições Divinas.

A magna questão é encontrar o elemento humano disposto à execução do sublime princípio.

Os ideais democráticos do mundo não derivaram senão do próprio ensinamento do Salvador.

Poderá encontrar algum sociólogo do planeta, plataforma superior além da gloriosa síntese que reclama do governante as legítimas qualidades do servidor fiel?

As revoluções, que custaram tanto sangue, não foram senão uma ânsia de obtenção da fórmula sagrada na realidade política das nações.

Quase todos os homens se atiram à conquista dos postos de autoridade e evidência, mas geralmente se encontram excessivamente interessados com as suas próprias vantagens no imediatismo do mundo.

Ignoram que o Cristo aí conta com eles, não como quem governa tirânica ou arbitrariamente, mas como quem serve com alegria, não como quem administra a golpes de força, mas como quem obedece ao Esquema Divino, junto dos seres e cousas da vida.

Jesus é a Supremo Governador da Terra e, ao mesmo tempo, o Supremo Servidor das criaturas humanas.

Nem, por isso, entretanto, deixaram de ser movimentos criminosos e desleais, como infiéis e perversos têm sido os falsos políticos na atuação do governo comum.

O ensinamento de Jesus, nesse particular, ainda está acima da compreensão vulgar das criaturas.

Por Emmanuel (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier no livro "Alma e Luz".

20 MODOS PARA PERTURBAR A MARCHA DO ESPIRITISMO - POR ANDRÉ LUIZ



O Evangelho Segundo O Espiritismo - Capitulo VI, item 8.

Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a Terra e, por toda parte, ao lado de uma lágrima coloca ele um bálsamo que consola. O devotamento e a abnegação são uma prece contínua, e encerram um ensinamento profundo; a sabedoria humana reside nessas duas palavras. Possam todos os Espíritos sofredores compreender essa verdade, ao invés de reclamar contra as dores, os sofrimentos morais que são, neste mundo, o vosso quinhão. Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que vos impõem a caridade e a humildade. O sentimento do dever cumprido vos dará o repouso do Espírito e a resignação. O coração bate melhor, a alma se asserena e o corpo não tem mais desfalecimento, porque o corpo sofre tanto mais quanto o espírito está mais profundamente atingido (O Espírito de Verdade, Havre, 1863).


Vinte Modos

Modos com que nós, espíritas, perturbamos a marcha do Espiritismo:
Esquecer a reforma íntima.

Desprezar os deveres profissionais.

Ausentar-se das obras de caridade.

Negar-se ao estudo.

Faltar aos compromissos sem justo motivo.

Rogar privilégios.

Escapar deliberadamente dos sofredores para não prestar-lhes pequeninos serviços.

Colocar os princípios espíritas à disposição de fachadas sociais.

Especular com a Doutrina em matéria política.

Sacrificar a família aos trabalhos da fé.

Açambarcar muitas obrigações, recusando distribuir a tarefa com os demais companheiros ou não abraçar incumbência alguma, isolando-se na preguiça.

Afligir-se pela conquista de aplausos.

Julgar-se indispensável.

Fugir ao exame imparcial e sereno das questões que concernem à clareza do Espiritismo, acima dos interesses e das pessoas.

Abdicar do raciocínio, deixando-se manobrar por movimentos ou criaturas que tentam sutilmente ensombrar a área do esclarecimento espírita com preconceitos e ilusões.

Ferir os outros com palavras agressivas ou deixar de auxiliá-los com palavras equilibradas no momento preciso.

Guardar melindres.

Olvidar o encargo natural de cooperar respeitosamente com os dirigentes das instituições doutrinárias.

Lisonjear médiuns e tarefeiros da causa espírita.

Largar aos outros responsabilidades que nos competem.

Por André Luiz (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier, 
no livro "Opinião Espírita".

O ARGUMENTO


O Livro dos Médiuns – Questão 29.

Os meios de convicção variam extremamente segundo os indivíduos; o que persuade alguns, não produz nada nos outros; tal é convencido por certas manifestações materiais, tal outro por comunicações inteligentes, a maioria pelo raciocínio.

Podemos mesmo dizer que, para a maioria dos que não estão preparados para o raciocínio, os fenômenos materiais são de pouco peso; quanto mais esses fenômenos são extraordinários, e mais se afastam das leis conhecidas, mais encontram oposição, e isso por uma razão muito simples: a de ser naturalmente levado a duvidar de uma coisa que não tem sanção racional; cada um a encara sob seu ponto de vista e se explica à sua maneira: o materialista nela vê uma causa puramente física ou uma fraude; o ignorante e o supersticioso uma causa diabólica ou sobrenatural, ao passo que uma explicação preliminar tem por efeito subtrair as idéias preconcebidas e mostrar, senão a realidade, pelo menos a possibilidade da coisa; compreende-se antes de a ter visto; ora, desde o momento em que a possibilidade está reconhecida, a convicção tem três quartas partes feitas. 

O Argumento 

Ante os amados que te não compreendem, estimarias que todos cressem conforme crês.

Alguns jazem desesperados as trevas do pessimismo.

Outros caem, pouco a pouco, no abismo da negação.

Há muitos que te lançam insultos em rosto, como se a tua convicção fosse passo à loucura.

E surpreendes, em cada canto, aqueles que te falam pelo diapasão da ironia.

Mergulhas-te, muitas vezes, no oceano revolto das palavras veementes que os opositores, de imediato, não podem admitir; em outras ocasiões, desejas acontecimentos inusitados, que lhes alterem o modo de pensar e de ser.

*

Entretanto, recordemos o Cristo.

Ninguém, quanto ele, deixou na retaguarda tantas demonstrações de poder celeste.

Deu nova estrutura à forma dos elementos.

Apaziguou as energias desvairadas da Natureza.

Reaqueceu corpos que a morte imobilizava.

Restituiu a visão aos cegos.

Restaurou paralíticos.

Limpou feridentos.

Curou alienados mentais.

Operou maravilhas, somente atribuíveis à ciência divina.

Contudo, não foi pelos deslumbramentos produzidos que se converteu em mentor excelso da Humanidade.

Jesus agiganta-se, na esteira dos séculos, pela força do exemplo.

Anjo – caminhou entre os homens.

Senhor do mundo – não reteve uma pedra para repousar a cabeça.

Sábio – foi simples.

Grande – alinhou-se entre os pequenos.

Juiz dos juízes – espalhou a misericórdia.

Caluniado – lançou bênçãos.

Traído – não reclamou.

Acusado – humilhou a si mesmo.

Ferido – esqueceu toda ofensa.

Injuriado – silenciou.

Crucificado – pediu perdão para os próprios verdugos.

Abandonado – voltou para auxiliar.

*

Ação é voz que fala à razão.

Se aspiras, assim, a convencer os que te rodeiam, quanto à verdade, não olvides que, acima de todos os fenômenos passageiros e discutíveis, o único argumento edificante de que dispões é o de tua própria conduta, no livro da própria vida.

Por Emmanuel (Espírito) através de Francisco Cândido Xavier, no Livro "Seara dos Médiuns". 

SOCIOLOGIA


Por José Carlos Leal, no livro "Em Busca de Mundos Maiores", replicado diretamente do site O MENSAGEIRO.

Vamos definir aqui a palavra Sociologia como a ciência que estuda o fato social ou do modo como as sociedades se comportam, como são formadas e como se desenvolvem no tempo (Sociologia histórica).

Vamos ponderar sobre nossas considerações a respeito do estudo da família, definida como um grupo social primário ou célula mater da sociedade. A sociologia tradicional afirma que a família é uma criação divina e toma o mito de Adão e Eva como uma verdade absoluta, ou seja, Adão e Eva foi o primeiro casal que deu origem à primeira família humana.

Seguindo o pensamento católico, segundo o qual a alma não preexiste ao nascimento, isto é, cada alma seria criada no momento da concepção. Estudo da sociologia abandona os aspectos transcendentes e se desenvolve a partir dos textos teóricos das autoridades sobre o assunto.

Assim, segundo essa orientação, os seres humanos se reúnem em famílias e formam sociedades por causa de uma espécie de um instinto gregário, que também existe no animal, mas que, no homem, atingiu um grau mais complexo. Foi em virtude desse gregarismo, que o pensador grego Aristóteles de Estágira definiu o homem como um animal social, ou seja, um animal que só pode viver em um grupo social.

Confirmando a tese de Aristóteles encontramos em O Livro dos Espíritos a seguinte passagem:

Certamente Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu ao homem, inutilmente, a palavra e todas as faculdades necessárias à vida de relação. O insulamento é, portanto, à lei da natureza uma vez que, por instinto, os homens buscam a vida social e todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente. O homem deve progredir e por isso necessita da vida social, isolado, ele se embrutece e estiola. (Kardec, Allan. Livro dos Espíritos, Questão 766 e seguintes).

O Espiritismo modifica sensivelmente este conceito de família. Em primeiro lugar, amplia-o, levando-o além dos laços consanguíneos. Por isso Jesus diz em seu Evangelho: “Quem é a minha mãe, quem são meus irmãos? Qualquer um que fizer a vontade de meu pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe”. Este novo conceito de família apresentado por Jesus parte do pressuposto de que Deus existe e nos criou a todos, sendo por isso nosso pai e nós todos os irmãos em Deus. Esta noção é fundamental porque constitui a necessidade de estabelecermos laços fraternais não só com o nosso irmão de sangue mas também com todos os homens, estejam eles onde estiverem, tenham eles a raça que tiverem.

Se esse conceito fosse trabalhado pelos educadores com eficiência e constância, por certo, a violência diminuiria, as agressões políticas com as guerras, as revoluções e o terrorismo teriam um fim uma vez que não tem sentido encarar como inimigo um irmão. Desenvolveria em nós o sentimento de solidariedade e não mais veríamos o homem sem-teto, jogado ao relento como um problema social, mas como um irmão que necessita de nossa ajuda, um filho de Deus como nós mesmos. A nossa cultura, ao contrário, estimula a competição e nos faz ver o outro como um adversário e, às vezes, inimigo na luta pela vida.

O educador espírita além de buscar construir caracteres com base na ética do Cristo, levará em consideração, ao lecionar, a ideia da reencarnação e da relação entre os dois planos: o espiritual encarnado e o desencarnado. Com essas duas noções, a família ganharia um novo sentido, mais rico e bem mais interessante.

A ideia da reencarnação, conforme a Doutrina Espírita, mostra-nos com clareza que a família é o espaço em que espíritos se reencontram para a reciclagem de suas emoções. Como nos lembra Hermínio Correia de Miranda, nossos filhos são espíritos e não o resultado da vitória de um espermatozoide que, vencendo a corrida em direção ao óvulo, chegou primeiro e conseguiu fecundá-lo.

Isto é verdade, mas não é só isso, essa seria a base biológica, porém a vida não se reduz ao fato biológico. Nossos filhos não nasceram em nossa família por acaso. Havia uma necessidade deles e nossa para estarmos juntos nesta atual encarnação. Isso explica as diferenças entre dois irmãos de sangue que nasceram, cresceram e foram educados em uma mesma família. Explica também o fato de o pai ou a mãe preferir, embora não admita, um filho a outro. Por certo, o filho querido é um espírito que possui mais afinidade com o pai ou com a mãe e que já viveram juntos em outras vidas, ao passo que o filho menos amado, poderia ser um inimigo de um dos genitores, e reencarnou naquele grupo para poder diminuir o ódio que havia entre eles. Sugiro ao leitor interessado neste assunto a leitura, da obra, Missionários da Luz, especificamente o capítulo intitulado de “A Encarnação de Segismundo”.

A leitura espírita da sociologia também dá conta das desigualdades sociais. Ricos e pobres; exploradores e explorados; senhores e escravos; ociosos e trabalhadores; artistas e homens de ciência são diversas posições ocupadas por espíritos de acordo com o estado evolutivo ou com a necessidade de progresso. Essa leitura não exclui necessariamente as leituras materialistas, mas pode completá-las perfeitamente.

Quando o professor espírita, lecionando Sociologia necessita lembrar a célebre dicotomia de Marx, exploradores e explorados uma vez que é impossível negá-la; entretanto, pode levantar a tese de que os exploradores de uma vida podem ser os explorados em outra. E que o espírito é um ator que vive papeis diferentes nos dramas da vida. Reis, rainhas, presidentes, ditadores, mendigos, sem-terra e sem-teto vagando pelas ruas são performances dos espíritos. Por esse motivo, essas diferenças ainda nos são úteis em um planeta como a Terra que se classifica entre os mundos de provas e expiações. Com isso, as dores do mundo ganham um novo significado. Não são estados aleatórios, mas estações na caminhada dos espíritos em busca dos mundos maiores.

Como se pode ver, uma Sociologia que teve em consideração as idéias espíritas tem o seu âmbito extremamente ampliado e muitos dos aspectos da vida social que não são explicados pelas teorias materialistas, podem ser por elas explicados.

Por fim, gostaríamos de abrir aqui um espaço para discutirmos a existência de uma sociedade de espíritos desencarnados. As obras de André Luiz, nos mostram com meridiana clareza a vida social entre os espíritos chamados por nós de mortos, mas que, de fato, se encontram vivos e muito bem vivos. Além disto, eles influenciam em nossa vida, em nossos hábitos, em nossas atitudes e até mesmo em nossos pensamentos que não estão ao abrigo desses seres invisíveis aos nossos olhos. Se nos fosse possível, nas aulas de sociologia, incluirmos um espaço para a discussão desta outra sociedade, por certo, prestaríamos um grande serviço aos nossos alunos.                     


terça-feira, 15 de março de 2016

MARILENA CHAUÍ - FRAGMENTOS DA ENTREVISTA DADO À REVISTA CULT EM FEVEREIRO DE 2016



"[...] ainda não sabemos muito bem o que é o espaço público, porque não agimos como sujeitos, transferindo a responsabilidade pela construção da cidadania aos aparelhos de governo. Focamo-nos nas salvações que podem vir do poder e não obrigamos o poder público a representar de fato todos os setores sociais".
"Quando examinamos os pontos da pauta política discutidos de outubro de 2015 até agora, vemos o poder dos grupos dos '3B': o boi, a bala e a Bíblia".

"[...] a atuação de grupos religiosos é muito preocupante e vai além de uma questão propriamente política, porque, apesar de se manifestar na representação política, ela é uma questão socioeconômica: é a maneira como as igrejas evangélicas interiorizaram e reformularam a concepção neo liberal". 

"O indivíduo não é pensado nem como átomo nem como classe, mas como um investimento".

"[...] o ser humano é programado para ser rendoso e rentável. A família, a escola e o emprego passam a ter por função a rentabilidade do indivíduo, porque ele é um investimento".

"[...] as igrejas, além de convencerem a pessoa de que ela nasceu para vencer na vida e ser rentável, levam a ética calvinista ao máximo, explorando a crença de que ser rentável é um sinal de salvação, porque é isso que Deus espera".

"Há, portanto, um fenômeno de fortalecimento da ideologia neoliberal e das concepções conservadoras da classe média por meio da maneira como as igrejas evangélicas incorporam o neoliberalismo, com uma teologia para isso. Se você juntar o conservadorismo com o reacionarismo da classe média urbana e a presença avassaladora das igrejas evangélicas, além de toda a discussão sobre a vida no campo (a reforma agrária), vai entender por que politicamente se exprime, de modo efetivo, nos grupos do "boi, bala e Bíblia", a pauta ultraconservadora que está aí".

"Economicamente, São Paulo é um estado capitalista, mas politicamente é uma capitania hereditária. Parece haver um contrassenso entre o conservadorismo político e o desenvolvimento econômico. Mas é só na aparência que isso é contraditório, porque o conservadorismo político é a base de sustentação desse tipo de desenvolvimento capitalista".

"Há uma violência estruturante. É a estruturação violenta de uma sociedade hierárquica, vertical, oligárquica, conservadora, que defende os privilégios contra qualquer forma de direitos; é a mesma que dá a sustentação ideológica e política para a manifestação da violência governamental."

"Se considerarmos todo o ideário da burguesia e da alta-classe média brasileira, vemos que qualquer contestação, qualquer revolta é uma "crise". A noção de crise está identificada por essa classe com a ideia de desordem e perigo. Ora, diante da desordem e do perigo, o que é que se pede? Repressão. Cada vez que há uma luta por direitos contra privilégios, essa luta é vista como violenta e precisa ser reprimida. Há, portanto, uma inversão ideológica fantástica no Brasil: a violência é vista como ordem."

"Muito do que estamos vendo em termos de pauta conservadora na política está ligado ao encolhimento de tudo aquilo que representa uma pauta de esquerda."

"O que há nos seres humanos? Há paixões. A maneira como entendemos o mundo, a nós mesmos e aos outros é dada pela maneira como o mundo e os outros nos afetam. Eles causam em nós a sensação de perigo ou de aumento da nossa capacidade de viver. Se tudo o que se passa em mim é produzido pela maneira como o que está fora age sobre mim, eu sou passiva e todos os meus sentimentos são apenas paixões: o amor, a esperança, o ciúme, a misericórdia, a honra, a glória etc. O que eu sinto é pura e simplesmente uma reação passiva ao que vem de fora". 

"[...] se eu tenho força interior para saber que eu posso ser a causa dos meus sentimentos e que se sinto raiva de você, não é por sua causa, mas por aquilo que eu sinto com relação ao que eu penso a seu respeito, então me vejo como a causa da raiva que sinto por você, em função do modo como eu penso em você ou percebo você. A partir do momento em que eu sou capaz de me reconhecer como causa dos meus sentimentos, eu sou ativa e descubro que não tenho de responsabilizar os outros por aquilo que se passa em mim."




O QUE É MESMO QUE ESTÃO QUERENDO? - LINHA DE TIRO



Por Tarso Genro no SITE SUL21

A denúncia feita pelos promotores de São Paulo, que contém o pedido de prisão preventiva do Presidente Lula – de um dos seus filhos e da dona Marisa – pareceu abrir um clarão de lucidez nos meios jurídicos, em setores políticos menos sectários e em boa parte da inteligência do país. Demonstra, também, o grau de partidarização daquele órgão de Estado, a tragédia de parte do nosso ensino jurídico e a escassa capacidade que vem demonstrando um setor daquela corporação, de compreender a importância das suas funções no Estado de Direito, que é diferente daquelas exercidas pela instituição num Estado policial, no qual, Governo e Estado, se confundem no monopólio da violência sem lei.

Qualquer um destes promotores aguentaria dez minutos de debate com Celso Antonio Bandeira de Mello, com Fábio Comparatto, com Dalmo Dallari, com Lenio Streck, com José Geraldo de Souza Junior, com Paulo Abrão, com Luiz Moreira, sem mandar algum deles “catar coquinhos”, como disse um dos brilhantes Promotores, ao responder pergunta de um jornalista sobre a parceria, até então desconhecida, de Marx diretamente com Hegel? Creio que não. Acho que perderiam a cabeça e provavelmente pediriam a solução do impasse de ideias, pelas “vias de fato”, numa mistura de “progrom” cultural, com uma Santa Inquisição pós-moderna.

Esta trapalhada faz lembrar, também, a insensatez dos movimentos que pedem, ou a renúncia ou o impedimentos da Presidenta – por ódio político ou inconformidade com o resultado eleitoral – sem levar em consideração a instabilidade política e o aumento da crise econômica e social a que o país seria jogado, se isso acontecesse.

Vejamos qual seria a sucessão de Dilma (sobre quem não pende nenhuma acusação criminal), sucessão que lembro sem afiançar qualquer uma das acusações que são feitas a estes políticos, já que não se conhece nada de oficial, até agora, sobre imputações que lhes estariam sendo feitas. Cordão sucessório: Vice-Presidente Michel Temer, na linha de tiro do Supremo; deputado Eduardo Cunha, na linha de tiro do Supremo, próximo ao cadafalso; Senador Renan Calheiros, com três inquéritos, na linha de tiro do Supremo. Depois vem o Presidente do STF e o Procurador Geral da República. (Bem, mas poderia ser Aécio, por alguma forma de golpismo institucional? Resposta: já na linha de tiro do STF, por citação, entre outros, do próprio Senador Delcídio, festejado agora pela mídia como o “novo delator fundamental”).

Costumo consultar, quando tenho dúvidas sobre a estética da linguagem em situações difíceis, um precioso livro de Jorge Luís Borges e José E. Clemente (“El Lenguaje de Buenos Aires”,1968), onde os autores compõem uma sinfonia de rejeição “do colonialismo idiomático das academias” e mostram o seu “aborrecimento”, perante “o que chamam “linguistas profissionais”. Lá na pg. 37 desta preciosidade está uma das sentenças lapidares de Borges: “Falam em voz mais alta, isto sim, com a postura dos que ignoram a dúvida.”

A arrogância autoritária destes jovens promotores, não vem somente de um cortejo à grande mídia, na expectativa de que o apoio imediato desta, à prisão de Lula, lhes permitisse suprimir “as dúvidas”, por falarem “mais alto” -através dela- majoritariamente comprometida com o golpismo. Sua arrogância vem, principalmente, da sua visão peculiar do Estado de Direito, como Estado-Polícia, a quem competiria solucionar os conflitos da ordem, a partir de juízos políticos por fora dos parâmetros da Constituição.

Os Promotores de São Paulo, todavia, não levaram em consideração que a sua aventura não seria incensada pela imprensa, não pela sua grosseira falta de juridicidade, mas por enfraquecer um outro “bunker” autoritário, que é -ele mesmo- o preferido do golpismo da grande mídia: a jurisdição ilegal do juiz Moro, instalada em Curitiba.

Os que pedem a deposição da Presidenta, o fazem na expectativa que, colocando um daqueles próceres políticos na Presidência, os inquéritos da “Lava-Jato” vão ser suspensos? Janot vai recolher as suas denúncias? Moro, vai se recolher ao seu trabalho comum? A Polícia Federal vai deixar de investigar? Os vazamentos vão cessar? Os que estão nas ruas, com intenções de denunciar a corrupção na Petrobras, vão voltar para casa? Ou, ao contrário, os movimentos populares da base da sociedade, vão radicalizar as suas mobilizações para que todos sigam o mesmo destino de “exceção”, que retiraria a Presidenta, do Governo? Pergunto: isso não seria criar uma situação de indeterminação política no país, próxima a uma situação revolucionária, sem possibilidades de revolução? Ou seja, o caos a ser resolvido pelos aventureiros da força? Ricardo Noblat – se é verdadeiro o “tuíte” que lhe é atribuído – aposta (e festeja) que a “Lava-Jato” é um instrumento político destinado à derrubada da Presidenta Dilma, o que – efetivamente – hoje ela se tornou. Mas, atenção, hoje ela também se tornou mais do que isso: é um instrumento de desidratação política da democracia que, com a suas imperfeições e misérias, mantém a capacidade orgânica de recuperar-se dentro da Constituição.

A verdade é que, se o impedimento da Presidenta se realizar sem causa legítima, conduzido por Eduardo Cunha como está proposto, este desfecho vai devastar o que tem de “ruim” e de “bom”, na ordem política, e nos legará um sistema de poder ainda mais corrupto e transgressor, que o atual. Isso já ocorreu com Berlusconi, na Itália, quando a moralidade desejada pelo resultado das “mãos limpas”, gerou a amoralidade absoluta das mãos berlusconianas.

Creio que seria melhor um “pacto político de responsabilidade democrática”, para enfrentar uma situação de crise, entre, de um lado, as forças políticas que não tem demonstrado condições suficientes para governar com estabilidade; e, de outro, aquelas forças que não são hegemônicas para substituir a Presidenta dentro da Lei. Este pacto de bom senso, poderia fundar uma solução do impasse dentro da Constituição, entre outras, com as seguintes preliminares: arquivamento dos processos de impedimento; os que querem governar o país, de novo, buscariam isso nas eleições de 2018; ficaria acordada uma unidade contra a destruição da esfera da política, em implantação por processos judiciais nitidamente de “exceção”, que estão em andamento; acordar-se-ia um plano emergencial de retomada do crescimento, para combater o desemprego; ajustar-se-iam cláusulas claras, para uma reforma política e eleitoral imediata, ainda que provisória, principalmente para acabar com a “dinheirização” da política, responsável por grande parte da corrupção no Estado.

O que devemos nos perguntar, neste momento, é a quem interessa criar no país, um clima de guerra civil, no qual a Polícia já começa — como ocorreu sexta à noite no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC- a interromper plenárias sindicais, violando frontalmente a Constituição, que diz todos poderem reunir-se sem armas, sem prévia autorização de qualquer autoridade? A quem interesse iniciar embates “de rua”, entre cidadãos com distintas posições políticas, às vezes vizinhos, às vezes da mesma família? A quem interesse suprimir a política como mediação dos conflitos para colocar, no lugar dela, a força de uma burocracia iluminada, que não responde a ninguém?

Pode interessar a alguém, mas certamente a poucos. Ao país interessa sair desta encalacrada mais forte e mais democrático. Com instituições mais respeitadas e um povo mais feliz, para assumir o seu destino em liberdade. Estamos, na verdade, à beira da hora de uma nova Constituinte, que virá, ou de forma acordada pelas forças políticas majoritárias, em desmoronamento, ou por implosão da ordem atual, com todos os riscos da imprevisibilidade que sucede a violência.

OS DEMÔNIOS DO DEMÔNIO


Por Eduardo Galeano, publicado originalmente em PORTAL GELEDÉS.

Esta é uma modesta contribuição à guerra do Bem contra o Mal. Entre os diversos semblantes do Príncipe das Trevas, só estão os demônios que existem há muito, muito tempo, e que há séculos ou milênios continuam ativos no mundo.

O Demônio é muçulmano

A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos.

Dante já sabia que Maomé era terrorista. Por alguma razão o colocou em um dos círculos do inferno, condenado à pena de prisão perpétua. “O vi partido”, celebrou o poeta em A Divina Comédia , “desde a barba até a parte inferior do ventre…”. Mais de um Papa já tinham comprovado que as hordas muçulmanas, que atormentavam a Cristandade, não eram formadas por seres de carne e osso, eram um grande exército de demônios que aumentava quanto mais sofria com os golpes das lanças, das espadas e dos arcabuzes.

Hoje em dia, os mísseis fabricam muito mais inimigos que os inimigos das entranhas. Porém, que seria de Deus, afinal de contas, sem inimigos? O medo impera, as guerras existem para desbaratar o medo. A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu. Benditos sejam os inimigos. Na Idade Média, cada vez que o trono tremia, por bancarrota ou fúria popular, os reis cristãos denunciavam o perigo muçulmano, desatavam o pânico, lançavam uma nova Cruzada, o santo remédio. Agora, há pouco tempo, George W. Bush foi reeleito presidente do planeta graças o oportuno aparecimento de Bin Laden, o grande Satã do reino, que as vésperas das eleições anunciou, pela televisão, que ia comer todas as crianças.

Lá pelo ano de 1564, o especialista em demonologia Johann Wier teria contado os demônios que estavam trabalhando na terra, a tempo integral, a favor da perdição das almas cristãs. Eram sete milhões quatrocentos e nove mil cento e vinte sete, que agiam divididos em setenta e nove legiões.

Muita água fervente passou, depois daquele censo, debaixo das pontes do inferno. Quantos são, hoje em dia, os enviados do reino das trevas? As artes do teatro dificultam as contas. Estes falsos continuam usando turbantes, para ocultar seus cornos, e longas túnicas tampam os rabos do dragão, suas asas de morcego e a bomba que carregam debaixo do braço.

O Demônio é judeu

A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação

Hitler não inventou nada. Há mil anos, os judeus são os imperdoáveis assassinos de Jesus e os culpados de todas as culpas. Como? Jesus era judeu? E judeus eram também os doze apóstolos e os quatro evangelistas? O que você disse? Não pode ser. As verdades reveladas estão além das dúvidas e não exigem mais evidências do que a própria existência. As coisas são como se diz que são, e se diz porque se sabe: nas sinagogas o Demônio dá aulas, e os judeus desde há muito se dedicam a profanar hóstias e a envenenar águas bentas. Por causa deles aconteceram bancarrotas econômicas, crises financeiras e derrotas dos militares; são eles que trouxeram a febre amarela e a peste negra e todas as outras pestes.

A Inglaterra os expulsou, nenhum escapou, no ano de 1290, porém isso não impediu Chaucer, Marlowe e Shakespeare, que nunca tinham visto um judeu, fossem obedientes à caricatura tradicional e reproduzissem personagens judeus segundo o modelo satânico de parasita sanguessuga e o avaro usurário. Acusados de servir ao Maligno, estes malditos andaram durante séculos de expulsão em expulsão e de matança em matança. Depois da Inglaterra foram sucessivamente expulsos da França, Áustria, Espanha, Portugal e de numerosas cidades suíças, alemães e italianos. Os reis católicos Izabel e Fernando expulsaram os judeus e também os muçulmanos porque sujavam o sangue. Os judeus haviam vivido na Espanha durante treze séculos. Levaram com eles as chaves de suas casas. Há quem as guardem ainda. Nunca mais voltaram.

A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação. A caça aos judeus tem sido sempre um esporte europeu. Agora, os palestinos, que jamais a praticaram, pagam a culpa.

O Demônio é mulher

“Toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”

O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomenda o mais ímpio exorcismo contra o demônio que tem seios e cabelos compridos.

Dois inquisidores alemães, Heinrich Kramer e Jakob Sprenger, o escreveram, a pedido do Papa Inocêncio VIII, para enfrentar as conspirações demoníacas contra a Cristandade. Foi publicado pela primeira vez em 1486 e até o final do século XVIII foi o fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Inquisição em vários países.

Os autores afirmavam que as bruxas, do harém de Satanás, representavam as mulheres em estado natural: “Toda bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”. E demonstravam que “esses seres de aspecto belo, cujo contato é fétido e a companhia mortal” encantavam os homens e os atraíam com silvos de serpentes, rabos de escorpião, para aniquilá-los. Os autores advertiam aos incautos: “A mulher é mais amarga que a morte. É uma armadilha. Seu coração, uma rede; e correias, seus braços”.

Esse tratado de criminologia, que enviou milhares de mulheres às fogueiras da Inquisição, aconselhava que todas as suspeitas de bruxaria fossem submetidas à tortura. Se confessassem, mereceriam o fogo. Se não confessassem também, porque só uma bruxa, fortalecida por seu amante, o Demônio, nos conciliábulos das bruxas, poderia resistir a semelhante suplício sem soltar a língua.

O papa Honório III sentenciara que o sacerdócio era coisa de machos: – As mulheres não devem falar. Seus lábios têm o estigma de Eva, que provocou a perdição dos homens.

Oito séculos depois, a Igreja Católica continua negando o púlpito às filhas de Eva.

O mesmo pânico faz com que os muçulmanos fundamentalistas as mutilem o sexo e lhes cubram a cara.

E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus mais ortodoxos a começar o dia sussurrando: “Graças, Senhor, por não me ter feito mulher”.

O Demônio é homossexual

Em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo

Desde 1446, os homossexuais iam para a fogueira em Portugal. Desde 1497 eram queimados vivos na Espanha. O fogo era o destino merecido pelos filhos do inferno, que surgiam do fogo.

Na América, ao contrário, os conquistadores preferiam jogá-los aos cachorros. Vasco Núnez de Balboa, que entregou muitos deles para a refeição dos cães, acreditava que a homossexualidade era contagiosa. Cinco séculos depois, ouvi o Arcebispo de Montevidéu dizer o mesmo. Quando os conquistadores apontaram no horizonte, só os astecas e os incas, em seus impérios teocráticos, castigavam a homossexualidade com a pena de morte. Os outros americanos a toleravam e em alguns lugares a celebravam, sem proibição ou castigo.

Essa provocação insuportável devia desencadear a cólera divina. Do ponto de vista dos invasores, a varíola, o sarampo e a gripe, pestes desconhecidas que matavam índios como moscas, não vinham da Europa, mas sim do Céu. Assim, Deus castigava a libertinagem dos índios que praticavam a anormalidade com toda a naturalidade.

Nem na Europa, nem na América, nem em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo. Nada sabemos dos longínquos tempos e pouco ou nada sabemos dos tempos de agora.

Na Alemanha nazista, estes “degenerados culpados de aberrante delito contra a natureza” eram obrigados a exibir a estrela amarela. Quantos foram para os campos de concentração? Quantos lá morreram? Dez mil? Cinqüenta mil? Nunca se soube. Ninguém os contou, quase ninguém os mencionou. Tampouco se soube quantos foram os ciganos exterminados.

No dia 18 de setembro de 2002, o governo alemão e os bancos suíços resolveram “retificar a exclusão dos homossexuais entre as vítimas do Holocausto”. Levaram mais de meio século para corrigir essa omissão. A partir dessa data os homossexuais que tinham sobrevivido em Auschwitz e em outros campos, se é que ainda haja algum vivo, puderam reclamar uma indenização.

O Demônio é índio

Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado

Os conquistadores descobriram que Satã, quando expulso da Europa, tinha encontrado refúgio na América. Nas ilhas e nas praias do mar do Caribe, beijadas dia e noite por seus lábios flamejantes, habitadas por seres bestiais que andavam nus, tal como o Demônio os havia colocado no mundo, que cultuavam o sol, a terra, as montanhas, os mananciais e outros demônios disfarçados de deuses, que chamavam de jogo ao pecado carnal e o praticavam sem horário nem contrato, que ignoravam os dez mandamentos e os sete sacramentos e os sete pecados capitais, que não conheciam a palavra pecado nem temiam o inferno, que não sabiam ler nem tinham nunca ouvido falar do direito de propriedade, nem de nenhum direito e que, como se tudo isso fosse pouco, tinham o costume de comerem uns aos outros. E crus.

A conquista da América foi uma longa e difícil tarefa de exorcismo. Tão arraigado estava o Demônio nestas terras, que quando parecia que os índios se ajoelhavam devotamente ante a Virgem, estavam na realidade adorando a serpente que ela amassava com o pé; e quando beijavam a Cruz não estavam reconhecendo ao Filho de Deus, mas estavam celebrando o encontro da chuva com a terra.

Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado. Não foi fácil recuperar o tesouro. Ainda bem que de vez em quando recebiam alguma pequena ajuda de lá de cima. Quando o dono do inferno preparou uma emboscada em um desfiladeiro, para impedir a passagem dos espanhóis em busca da prata de Cerro Rico de Potosi, um arcanjo baixou das alturas e lhe deu uma tremenda surra.

O Demônio é negro

Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler

Como a noite, como o pecado, o negro é inimigo da luz e da inocência.

Em seu célebre livro de viagens, Marco Pólo fala dos habitantes de Zanzibar. “Tinham uma boca muito grande, lábios muito grossos e nariz como o de um macaco. Caminhavam nus, totalmente negros e para quem de qualquer outra região que os visse acreditaria que eram demônios”.

Três séculos depois, na Espanha, Lúcifer, pintado de negro, trepado numa carroça em chamas, entrava nos pátios das comédias e nos palcos das feiras. Santa Tereza de Jesus, que viveu para combatê-lo, apesar disso nunca pode entendê-lo. Uma vez ficou ao lado e viu “um negrinho abominável”. Outra vez ela viu que do seu corpo negro saía uma chama vermelha, quando se sentou em cima de seu livro de orações e queimou os textos do ofício religioso.

Uma breve história do intercâmbio entre África e Europa: durante os séculos XVI, XVII e XVIII, a África vendia escravos e comprava fuzis. Trocava trabalho pela violência. Os fuzis punham ordem no caos infernal e a escravidão iniciava o caminho da redenção. Antes de serem marcados com ferro quente, na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa unção de água benta. O batismo espantava o demônio e dava alma a esses corpos vazios. Depois, durante os séculos XIX e XX, a África entregava ouro, diamantes, cobre, marfim, borracha e café e recebia Bíblias.Trocava produtos por palavras. Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler.

O Demônio é estrangeiro

O imigrante está disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças

O “culpômetro” indica que o imigrante vem roubar-nos o emprego e o “perigosímetro” acende a luz vermelha. Se for pobre, jovem e não for branco, o intruso, que veio de fora, está condenado, a primeira vista, por indigência, inclinação ao tumulto ou por ter aquela pele. De qualquer maneira, se não é pobre, nem jovem, nem escuro, deve ser mal recebido, porque chega disposto a trabalhar o dobro em troca da metade.

O pânico diante da perda do emprego é um dos medos mais poderosos entre todos os medos que nos governam nestes tempos de medo. E o imigrante está sempre disponível para ser acusado como responsável pelo desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis desgraças.

Em outros tempos, a Europa distribuía para o mundo soldados, presos e camponeses mortos de fome. Estes protagonistas das aventuras coloniais passaram à história como agentes viajantes de Deus. Era a Civilização lançada nos braços da barbárie.

Agora a viagem se faz na contramão. Os que chegam, ou tentam chegar do sul em direção ao norte, não trazem nenhuma faca entre os dentes nem fuzil no ombro. Vêm de países que foram oprimidos até a última gota de seu sugo e não têm a intenção de conquistar nada além de um trabalho ou trabalhinho. Esses protagonistas das desventuras parecem, muito mais, mensageiros do Demônio. É a barbárie que toma de assalto a Civilização.

O Demônio é pobre

Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos

Se lambem enquanto você come, espiam enquanto você dorme: os pobres espreitam. Em cada um se esconde um delinquente, talvez um terrorista. Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos. Nada de novo. Tem sido assim desde quando os donos de tudo não conseguem dormir e os donos de nada não conseguem comer.

Submetidas a um acossamento durante milhares de anos, as ilhas da decência estão encurraladas pelos turbulentos mares da vida desgraçada. Rugem as ondas sucessivas que forçam viver em sobressalto perpétuo. Nas cidades de nosso tempo, imensos cárceres que prendem os prisioneiros ao medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser trajes.

Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, desconfie: você está estatisticamente marcado, mais cedo ou mais tarde terá que sofrer algum assalto, sequestro, violação ou crime. Nos bairros malditos espreitam, ocultos, remoendo invejas, tragando rancores, os autores de sua próxima desgraça. São vagabundos, pobres diabos, bêbados, drogados, carne de cárcere ou bala, pessoas sem dentes, sem rumo e sem destino.

Ninguém os aplaude, porém os ladrões de galinha fazem o que podem imitando, modestamente, os mestres que ensinam ao mundo as fórmulas do êxito. Ninguém os compreende, porém eles aspiram serem cidadãos exemplares, como esses heróis de nosso tempo que violam a terra, envenenam o ar e a água, estrangulam salários, assassinam empregos e sequestram países.