Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 27 de fevereiro de 2016

FAMÍLIA - ESTEIO DA SOCIEDADE

Publicado originalmente em Grupo André Luiz.


Que razões teriam levado o insigne Codificador, Allan Kardec, a incluir o tema “família” no capítulo “Lei (Moral) de Sociedade”, em O Livro dos Espíritos? Será apenas porque o estudo da família pertence ao âmbito da Sociologia? Esta é uma indagação bem instigante, que merece algumas reflexões.

Convém iniciar, recordando que em 1994 a ONU instituiu o Ano Internacional da Família em seu calendário oficial, cujo lema foi “construir a pequena democracia no coração da sociedade”, o que demonstra a importância da família para o mundo contemporâneo, conquista nobre do processo antropológico-sociológico.

A família é instituição que remonta às origens da Humanidade e que varou os milênios, preservando seus valores essenciais. O homem, ser gregário, movido pelo instinto de conservação, desde os tempos primevos, sentiu a necessidade de viver em grupos como forma de vencer os desafios da sobrevivência.

Forjados no decorrer dos milênios, sob as mais penosas e variadas circunstâncias, os núcleos sociais foram moldando os valores culturais de cada época, gerando a certeza de que a criatura, isolada, nada pode, o que confirma o aforismo de que “o homem não é uma ilha”. Entretanto, essa convivência, para ser pacífica e indutora do progresso intelecto-moral, depende do entrosamento entre os indivíduos.

Com o tempo, a experiência mostrou que esse intercâmbio não seria profícuo se permanecesse na promiscuidade dos primórdios, sob o risco de as criaturas perderem seus referenciais e comprometerem sua própria identidade. É quando o homem se descobre também como um ser moral, receptível à monogamia [1] e sujeito aos valores éticos. Baseado em estudos e pesquisas, Franz de Wall, primatologista holandês, concluiu:

É um erro [...] julgar que a moralidade do homem surgiu do nada ou que é somente um produto da religião e da cultura. [2]

Assim, estimulada por diversos fatores, externos e internos, e organizada em pequenos núcleos familiares, a população foi aumentando, até que descobriu no casamento “um progresso na marcha da Humanidade” [3]. É claro que todo esse conjunto de fatores não se deu aleatoriamente, mas ocorreu sob a supervisão de um planejamento espiritual superior:

[...] Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família tornam mais apertados os laços sociais: eis por que os laços de família são uma lei da Natureza. Quis Deus, dessa forma, que os homens aprendessem a amar-se como irmãos [4].

A família apresenta-se como uma sociedade em miniatura, que lhe garante o status de berço da civilização. Ela é para a sociedade o que a célula é para o organismo: mantém sua individualidade e autonomia, mas interage com a outra em constante interdependência.

Para grande parte das pessoas, a família continua sendo vista apenas como a reunião de indivíduos do mesmo sangue. Refletindo essa visão reducionista da família, alguns estudiosos terrenos conceituam-na como “um grupo social caracterizado por residência comum, cooperação econômica e reprodução”, ao qual se reconhecem quatro funções fundamentais: a sexual, a econômica, a reprodutiva e a educacional. A primeira e a terceira são importantes para a manutenção da própria sociedade, a segunda para a manutenção da vida e a quarta para a manutenção da cultura [5].

A Doutrina Espírita, porém, expande esse conceito, mostrando-o não só do ponto de vista material, mas apresentando-o sob uma nova perspectiva:

[...] Os verdadeiros laços de família não são, pois, os da consanguinidade e sim os da simpatia e da comunhão de pensamentos, que prendem os Espíritos antes, durante e depois de suas encarnações. [...]

Há, pois, duas espécies de famílias: as famílias pelos laços espirituais e as famílias pelos laços corpóreos. As primeiras são duráveis e se fortalecem pela purificação, perpetuando-se no mundo dos Espíritos através das várias migrações da alma: as segundas, frágeis como a matéria, se extinguem com o tempo e muitas vezes se dissolvem moralmente, já na existência atual [...] [6].

Com a propagação do conceito reencarnatório, difundido pelo Espiritismo, o instituto da família tornou-se mais transparente, demonstrando que os vínculos existentes entre as gerações não se rompem com a morte física. Pelo contrário, continuam por meio dos sucessivos processos de renascimento.

O Benfeitor espiritual Emmanuel resume, em perfeita concisão, que o instituto da família é organizado no plano espiritual, antes de projetar-se na Terra:

– O colégio familiar tem suas origens sagradas na esfera espiritual Em seus laços, reúnem-se todos aqueles que se comprometeram, no Além, a desenvolver na Terra uma tarefa construtiva de fraternidade real e definitiva [7].

Portanto, a missão da família transcende os valores puramente materiais, restritos ao desenvolvimento econômico e cultural. Sua missão é a de estreitar os laços sociais, o que é feito por meio da reencarnação, que vem a ser o filtro pelo qual os Espíritos se aprimoram, progridem, proporcionando a depuração gradual da sociedade.

É, pois, nos lares que se moldam as famílias. Não se confunda, porém, casa com lar. A casa é a edificação material: o alicerce, as paredes, o telhado... Já o lar é a edificação espiritual: a reunião de pessoas, com finalidades evolutivas, onde se exercita o perdão, a renúncia, a abnegação, a cooperação mútua, elementos imprescindíveis à construção do amor: “A melhor escola ainda é o lar, onde a criatura deve receber as bases do sentimento e do caráter” [8].

Reportando-se ao dever de cada um, perante o núcleo familiar, Jesus ensinou que “todo aquele que faz a vontade de Deus [isto é, que observa a lei de amor, consagrada nas leis morais], esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, [9] independentemente dos laços consanguíneos.

Com frequência, são realizados estudos sociais e pesquisas sobre a família e sobre o casamento. [10] Eles sempre indicam que os valores familiares continuam em alta na sociedade moderna, acima até mesmo do trabalho ou da carreira profissional.

Tais estudos apenas vêm corroborar a exatidão e a excelência dos ensinos de Jesus, ministrados há vários séculos, reforçando o pensamento espírita de que a família não está em decadência, como se acredita.

Muitos foram os testes pelos quais a família passou e vem passando, por conta das guerras, das tentativas de dominação político-religiosa, do materialismo e até por conta dos avanços científicos, marcados pelas conquistas tecnológicas, que revolucionam os costumes e influenciam na elaboração das leis.

Esses e outros fenômenos, aos quais a família se adapta de forma surpreendente, não foram capazes de invalidar a sua importância e indispensabilidade no concerto das nações globalizadas. Isso vem confirmar que a solidez de suas estruturas deita raízes nas leis divinas ou naturais, demonstrando mais uma das facetas de sua missão: sublimar os sentimentos, que estão acima das etiquetas sociais, dos brasões familiares, das tradições e dos costumes os quais dão origem às culturas transitórias do preconceito e da ilusória supremacia de raças e de povos.

Se a família é o nosso dever imediato, a Humanidade é o nosso campo de serviço. Fugir do lar em nome da Humanidade, por egoísmo, é abandonar o dever, dando como desculpa o dever. Desprezar a Humanidade, sem justo motivo, em nome do lar, é implantar o egoísmo onde devemos estender a caridade.

Ao final destas reflexões, deduzimos que a inclusão, por Kardec, do tema família no capítulo da “Lei [Moral] de Sociedade” obedeceu a uma inspiração superior, pois tudo o que acontece na sociedade é reflexo do que se passa na família, mais um motivo para que lhe dispensemos toda nossa atenção e zelo, pois é nela que se assenta a base da edificação de uma sociedade espiritualizada e feliz.


1. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 701.

2. Entrevista. “A moral é animal”. In: Revista VEJA, São Paulo, Ed. Abril, n. 2.022, ago. 2007, p. 12.

3. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 695.

4. KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 774.

5. Apud Enciclopédia mirador internacional, v. 9, p. 4.489.

6. KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010, Cap. 14, it. 8, p. 291-292.

7. XAVIER, Francisco C. O consolador. Pelo Espírito Emmanuel 28. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Q. 175.

8. Idem, ibidem. Q. 110.

9. MATEUS, 12:46-50.

10. Valores familiares estão em alta na Europa, aponta pesquisa. Disponível em: http: /www.uol.com.br/folha/reuters/ult112u 1873.shl. Acesso em: 18/7/2002; Revista VEJA. São Paulo. Ed. Abril: 11/8/1999, p. 98 e ss. (Viva o Casamento!), 8/3/2006, p. 104 e ss. (Vale a pena consertar?), e 25/8/2010, p. 98 e ss. (Casamento: por que ele continua a valer a pena); e GOTTMAN, John. Inteligência emocional e a arte de educar nossos filhos. 26. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. p. 36 e ss.


CRISE POLÍTICA: A CULPA É DE QUEM?

Por Vítor Bartoletti Sartori no Portal Filosofia Ciência & Vida.


Para muitos, o colapso do "comunismo" parecia abrir uma nova era, plenamente democrática, e marcada, seja à direita, seja à esquerda (se é que estas noções ainda fariam algum sentido), pela moderação e pela serenidade. Após o "curto século XX", a "era dos extremos", para que se use a expressão de Eric Hobsbawm (1917-2012), parecia estar efetivamente aberto o caminho para soluções negociadas e conciliadoras, em uma "era dos direitos", marcada pela garantia da participação cidadã e pela centralidade da política juridicamente mediada e garantida.

Tendo em conta este panorama, outros poderiam dizer que o século XXI mostra que, em verdade, é o oposto que se deu - não são poucas as guerras que marcaram nossa época desde o fim da URSS (símbolo de grande parte das esperanças da esquerda no século XX); conflitos religiosos e "fundamentalismos" (inclusive quando se diz oficialmente que "Deus abençoe a América") não são raros, sendo que as próprias promessas dos melhores momentos das revoluções burguesas (principalmente a francesa e a americana, com suas garantias individuais e políticas presentes nas cartas de direitos humanos) - Estado laico, participação política, cidadania, resolução das "questões sociais" - passaram longe de se realizar de modo pleno; em verdade, nem mesmo garantias mais básicas como a vedação de tortura são obedecidas pelos principais baluartes da "democracia" (basta pensar em Guantánamo).

A posição habermasiana sobre as possibilidades de um mundo em que o socialismo parecia não ser mais solução está no enfoque de uma razão específica, a razão comunicativa, por meio da qual se trataria justamente de realizar as promessas, no limite, "iluministas", tendo-se o " iluminismo como um projeto inacabado". Portanto, mesmo que Jürgen Habermas (1929) seja um autor que passa longe de um otimismo cândido quanto ao "colapso do comunismo", há de se apontar que se trata de um autor que não deixou de enxergar uma abertura importante neste. Na medida mesma em que caía a URSS, alguns falsos caminhos saíam do horizonte, sendo possível a retomada de uma espécie de "democracia radical", tratada pelo autor, sobretudo, em Direito e democracia, obra bastante influente na intelectualidade brasileira, e - de modo bastante mediado, é verdade - mesmo na intelectualidade ligada aos dois principais partidos nacionais, o PT e o PSDB.

A QUESTÃO DO CAPITALISMO

Dada não só a envergadura de um autor do calibre de Habermas, mas também sua seriedade e sinceridade na crença do potencial crítico que os intelectuais (e da razão mesma) poderiam ter, é necessária uma análise mais cuidadosa da questão: o próprio modo pelo qual a serenidade, tratada por Norberto Bobbio (1909-2004), vem a se ligar à "conciliação" e às soluções "negociadas" já indica que talvez haja algo subjacente a ser tratado, e o autor alemão não deixa de perceber isto, claro.

Primeiramente, isto se dá porque, no próprio modo como se constroem as esperanças posteriores ao "colapso do comunismo" tem-se como suposto que, afinal de contas, a tarefa colocada pela esquerda do século XX, a saber, a supressão do capitalismo, era algo impossível, inviável, e mesmo indesejável. Ou seja, grande parte da "mudança de paradigma" - considerada central e inafastável por muitos (inclusive por Habermas) - consistiu em "superar" uma questão pungente, diriam alguns (como aqueles que ainda acreditam que o marxismo seja uma referência inafastável, como David Harvey, só para citar um exemplo), fingindo que ela nem sequer era uma questão a ser tratada como tal. Para que se coloque em termos bastante rasteiros: a sujeira pode ter sido colocada "embaixo do carpete". E, com isso, a centralidade da luta anticapitalista foi abandonada por parte da esquerda (da qual faz parte o próprio Habermas), restando certo equilíbrio entre uma forma de ação estratégica que lidaria com aspectos como a burocracia, as finanças e a própria organização do trabalho de um lado, e uma ação mais ligada à formação das subjetividades e das identidades que passariam pelo reconhecimento intersubjetivo e comunicativo, opostos ao agir estratégico, por outro. Isto, como se percebe, não é nada ingênuo - autores como Habermas e Axel Honneth (1949), por exemplo, precisam ser respeitados, certamente: quanto a isto, não há dúvidas - no entanto, talvez tal posicionamento traga como ponto cego questões que pareciam "ultrapassadas", mas que, diante do desenvolvimento da sociedade contemporânea, fazem que a serenidade possa, no limite, ser levada a seu oposto.

DIREITO E DEMOCRACIA, DE JÜRGEN HABERMAS, É BASTANTE INFLUENTE NA INTELECTUALIDADE BRASILEIRA LIGADA AOS DOIS PRINCIPAIS PARTIDOS NACIONAIS, O PT E O PSDB

Manter a serenidade, bastante defendida por um autor "progressista" importante como Norberto Bobbio, diante da crescente influência dos imperativos econômicos na gestão estatal é bastante difícil, por exemplo. Autores como Habermas certamente se opõem a isto, não há dúvida. No entanto, se seguirmos o diagnóstico de Karl Marx (1818-1883) (retomado por Harvey e outros), a resolução da questão traz à tona, novamente, a retomada decidida de uma luta anticapitalista, e não a contraposição entre duas formas de razão. A questão é bastante mediada e complexa, no entanto; para o que tratamos aqui, basta que tenhamos mencionado a influência habermasiana na teorização contemporânea, bem como certa recusa, por parte da grande maioria daqueles influenciados por este grande pensador, de um enfrentamento decididamente anticapitalista.

Uma esquerda que se coloca como "esquerda para o capital" solapa as próprias bases, como aconteceu com o Partido dos Trabalhadores, principalmente na última década

BRASIL E A SERENIDADE

Para tratar do tema que aqui abordamos de modo mais explícito, pode-se dizer que a questão acerca da "mudança de paradigma" da história recente efetivamente se colocou na medida em que, em âmbito mundial, mas de modo particular na história recente do Brasil, o modo pelo qual se organizou, seja a oposição, seja o apoio àqueles que detinham institucionalmente o aparato político-partidário, foi essencialmente "conciliador" (em oposição à radicalidade de uma solução "comunista") na medida em que se reconciliou também com aquilo que subjaz na organização social contemporânea (a própria estrutura produtiva capitalista) e que fez que toda "conciliação" fosse também, literalmente, uma "negociação". E, neste ponto, as coisas adquirem contornos que são bastante importantes para se tratar do presente, e do Brasil em específico.

De certo modo, a própria serenidade e moderação passam a ter que ser coniventes com aquilo mesmo que traz a impossibilidade de um "reconhecimento" autêntico entre os autores sociais (questão tida como central por Honneth e, de modo mais mediado, por Habermas); neste sentido, ao se deixar de tratar da supressão do capitalismo como uma questão de grande relevo, este último bate na porta e faz que o próprio ímpeto de um Habermas e de um Honneth (bastante influentes em parte da esquerda da década de 1990 e 2000, e ainda bastante influentes hoje) veja-se reforçado somente na medida em que é ontopraticamente, em verdade, inviabilizado pela continuidade das questões que foram "colocadas embaixo do tapete". Aquilo mesmo que é tirado de campo pela "mudança de paradigma" inviabiliza a realização das promessas daquela mudança.

As passeatas "populares" que vêm sendo apoiadas pelo PSDB dariam orgulho aos organizadores da famigerada "Marcha pela família com Deus pela liberdade", de março de 1964

Na medida mesma em que a separação entre "sistema" (em que os imperativos de mercado aparecem) e "mundo da vida" (esfera de reconhecimento intersubjetivo e de um agir destituído de dominação) parecem ser centrais para um autor como Habermas, e para muitos ideólogos dos partidos da ordem do Brasil, para preservar a esfera democrática nas sociedades atuais, a questão, ligada à estrutura objetiva da sociabilidade capitalista, traz à tona o fato de só ser possível se colocar contra a influência econômica nas decisões, por assim dizer, "políticas", ao se suprimir o próprio capitalismo. Uma forma de sociabilidade mais democrática é certamente desejável e a dificuldade de tal tarefa não é pouca. E, neste sentido, Habermas e Honneth passam longe de qualquer defesa cínica da convivência com o ímpeto agressivo da reprodução diuturna do capital; no entanto, aqueles que se viram como gestores de problemas urgentes de uma sociedade capitalista hipertardia como o Brasil, tanto o PT quanto o PSDB, se quisessem apresentar resultados imediatos em seus mandatos da presidência, foram levados a certas "negociações" e "conciliações" justamente com o que há de mais vil na sociabilidade capitalista (ao contrário do que seria defendido por Habermas, por exemplo). Um fato importante a se notar, pois, é que longe de se tratar de governos que tiveram a falta de intelecto como marca, teve-se o apoio de certa nata da intelectualidade brasileira de cada lado - o PSDB, por exemplo, foi apoiado pelo filósofo José Arthur Giannotti (1930), ao passo que o PT foi apoiado pela filósofa Marilena Chauí (1941). E, neste sentido, as mudanças efetivas não se dão tanto ao se mudar o modo de conceber determinadas noções - não se trata sequer de "ressignificá-las"; antes, é necessário transformar efetivamente a própria realidade.

TANTO O PT QUANTO O PSDB, PARA APRESENTAREM RESULTADOS IMEDIATOS EM SEUS MANDATOS, SERÃO LEVADOS A NEGOCIAÇÕES E CONCILIAÇÕES COM O QUE HÁ DE MAIS VIL NO CAPITALISMO

O ELOGIO à serenidade pode parecer real e efetivamente como o outro lado da necessidade de convivência com uma potência social cujo ímpeto agressivo já foi destacado por muitos, e principalmente por Karl Marx, o capital

A democracia brasileira, desde seu início, convive em conciliação com aqueles que apoiaram o golpe em 1964 e que, se não contemplados seus interesses financeiros, apoiam-no também hoje


Uma "mudança de paradigma" teve apoio ativo da intelectualidade nacional. No que é necessário, novamente, algum cuidado quanto a esta "mudança" - ela pode muito bem trazer uma continuidade decisiva - não basta, assim, "compreender o mundo de diferentes maneiras; trata-se de transformá-lo", como apontou Marx na sua XI tese sobre Feuerbach. Para que se explicite a coisa por outro ângulo: no fundo, também o "elogio à serenidade", de um Norberto Bobbio, tem por trás de si como pressuposto a mesma assunção: afinal de contas, a sociabilidade capitalista não é algo a ser colocado em questão, tratando-se de um dado ineliminável, a ser "compreendido de maneira diferente". E isto tem consequências grandes para o pensamento crítico, é preciso que se diga. Os vernizes de serenidade, de tolerância e todas as virtudes liberais imagináveis, para que se use a dicção de Marx sobre Georg Hegel (1770-1831), ao final, poderiam ter uma função - mesmo que inconsciente - nefasta: a de "tornar sublime o existente". Se Marx ainda é atual como querem Harvey e outros, na medida mesma em que se coloca "debaixo do tapete" uma questão pungente, nada mais se faz que "dourar a pílula". Neste sentido, tal "mudança de paradigma" pode ter errado o alvo de modo decisivo, dando ensejo justamente à permanência daquilo que parecia não ser mais um problema decisivo, mas que, ao final, pode ser central em diversos sentidos, a própria posição anticapitalista.

Quando se percebe que, no Brasil, ao final, para que se atue em meio à política institucional dos partidos da ordem foi necessário "dourar a pílula" e supor como dado imutável justamente o que tem que ser questionado, a "crítica" corre o sério risco de se colocar de modo bastante paradoxal: como aquilo que Paulo Eduardo Arantes (1942) chamou - justamente ao analisar o pensamento uspiano de um Giannotti, mas também de outros - de "crítica a favor". Por vezes, justamente ao se criticar o desenvolvimento de aspectos pontuais da sociabilidade capitalista (e não o capitalismo como tal), vem-se a legitimar o último, e mesmo as consequências do último, de modo que o discurso crítico, neste ponto, aparece como essencialmente esvaziado: novamente, correndo-se o risco de ser bastante rasteiro, pode-se dizer que se criticam os sintomas sem se buscar um modo de curar o paciente da doença. Uma "esquerda" que atue deste modo somente poderia se conformar como uma "esquerda para o capital", como disse Eurelino Coelho. O cenário do PSDB - social-democrata, no nome - também é bastante preocupante, dado que o partido não só é levado à defesa de programas de governo que se colocam contra qualquer conquista de uma social-democracia digna de tal nome; ele também é levado a se apoiar nas camadas mais conservadoras (e raivosas) da sociedade brasileira. Se antes se buscava o apoio dos Giannottis, hoje, parece ser mais importante o apoio daqueles que vociferam contra qualquer programa social e que tendem a ter posições políticas claramente à direita (inclusive, demonstrando simpatias por um golpe militar ou por qualquer coisa que vá retirar "a esquerda" do poder).

O QUADRO POLÍTICO BRASILEIRO MANTÉM INTACTAS AS BASES E OS PROTAGONISTAS SOCIAIS QUE APARECERAM ATÉ ENTÃO AO LADO DAQUELES QUE DERAM APOIO À DITADURA MILITAR

RESQUÍCIOS DA DITADURA

Diante disso, deve-se dizer: o cenário político brasileiro atual, até certo ponto, é absolutamente vergonhoso - depois de uma transição "lenta, gradual e segura", elege-se, sem eleição direta, Tancredo Neves - um presidente que não assume e em seu lugar aparece José Sarney, um tradicional político do partido de apoio à ditadura. Depois, com a primeira eleição direta da "nova república" é eleito Fernando Collor de Mello, outro político cuja família era intimamente ligada à preservação da ditadura militar - a "nova república" já nasce velha, pois. Depois disso, em 1994, parte da nata da intelectualidade brasileira, representada na "esquerda" do MDB (conformada no PSDB dos anos 1990) faz justamente aquilo que os "liberais" (economicamente) saídos da ARENA, partido de apoio à ditadura, não conseguiram dar conta no mandato inacabado de Collor; depois disso, de 2002 até 2014, o PT, é verdade que com algumas importantes "conquistas" (que podem se perder com os "ajustes" de hoje...) no aspecto social, mantém intactas as bases mesmas e os mesmos protagonistas sociais que apareceram até então ao lado daqueles que deram apoio, inclusive, à ditadura militar no passado. Neste sentido, a conciliação permeia a história política recente na medida em que se tem uma reconciliação com o velho, representado pelas forças sociais retrógradas que noutro momento derrubaram o presidente João Goulart.

As consequências da "volta dos que não foram"

Colocada a questão nestes termos, é preciso que se reconheça uma dupla irracionalidade: de um lado, uma "esquerda" que vem a ter como palavra de ordem "não vai ter golpe" já admite que, ao final, na melhor das hipóteses, as coisas vão continuar como estão, sendo seu potencial crítico extirpado. Doutro lado, a "volta dos que não foram", coloca-se de modo absolutamente animalesco, nas ruas, com demonstrações racistas, homofóbicas e com um discurso contrário a qualquer posição, não só à esquerda, mas minimamente tolerante - eis que o próprio discurso liberal é visto como "comunista".

Ou seja, a rigor, a "redemocratização" nem sequer retirou de cena o espectro do "golpe" o qual - tal qual as vicissitudes inerentes à sociabilidade capitalista - foi colocado, por assim dizer, " debaixo do tapete", esperando-se que, por si, nunca mais voltasse à cena política; no cenário atual é claro tal espectro que, com a "bancada da bala", aparece desavergonhadamente em deputados e, inclusive, em algumas figuras públicas. O ridículo da situação é evidente na medida em que justamente aqueles que se contrapuseram à "ordem" pós-1964 (tanto a intelectualidade do PSDB, quanto do PT), ao buscar compor governos com base na conciliação e na negociação com aqueles mesmos que apoiaram a ditadura militar, acabaram - indiretamente - propiciando as condições para que soluções negociadas e conciliadoras fossem vistas como sinônimo de democracia, restando a "democracia radical" (defendida por um autor como Habermas) como algo, ao fim, inalcançável, e mesmo indesejável: trata-se de "governabilidade", afinal de contas. E o momento atual é aquele em que a sujeira já não cabe mais "embaixo do tapete".

Em nome da "governabilidade", a Educação sofre cortes gritantes por parte do atual governo, ao passo que o imposto sobre grandes fortunas acaba se tornando algo não só distante, mas impossível com uma agenda conciliadora
Neste sentido específico, por mais que se trate de algo absolutamente brutal, e por mais que seja vergonhosa, de qualquer ponto de vista, a defesa de um golpe militar (ou de um "golpe branco", como ocorrido recentemente no Paraguai), não é surpreendente que tal dicção volte à tona.

Primeiramente, porque ela nunca foi efetivamente extirpada - a morte natural de posições conservadoras e intimamente afinadas com aquilo de pior na realidade nacional não é algo que possa se dar. Em segundo lugar, a pauta da esquerda institucional da nova república foi emergencial: diminuir significativamente a miséria (PT), por exemplo, era algo urgente, e há de se reconhecer que isto realmente se deu nos três primeiros mandatos do PT no Planalto. Isto, porém, foi conseguido com um elevadíssimo custo: alianças espúrias feitas em nome da "governabilidade" confluíram com a perda do destaque dado aos movimentos sociais e aos próprios trabalhadores, de tal feita que o Partido dos Trabalhadores começa a deixar de ter sua base de apoio nos próprios trabalhadores. Mesmo os programas sociais do governo não reverberam no incremento de direitos - trata-se de programas de governo, conseguidos, também, mediante acordos espúrios, e a manutenção destes acordos não só é custosa; dependendo da conjuntura econômica (que tem o "mercado mundial" como principal ator), só pode ser mantida com concessões tremendas justamente nos campos que foram, e teoricamente ainda são, os mais valorizados pela esquerda.

A "esquerda" institucional, pois, deixa de lado os próprios programas da esquerda e vê-se realizando o programa (neo)liberal com um ajuste fiscal que não teme cortar as verbas da Educação. Neste sentido, a estratégia "realista" da conciliação e das reformas graduais leva a seu oposto. Na medida mesma em que se colocaram questões pungentes "debaixo do tapete", elas cobram a conta hoje, de modo brutal: tanto a busca de uma democracia de massas (que não rompesse com o capitalismo) quanto a manutenção da arquitetura institucional da ditadura militar (como no caso da militarização da polícia, por exemplo, e do aparato jurídico, como mostrou Gilberto Bercovici) se apresentam na medida em que, de um lado, o "mercado" não só é personificado, é muito mais considerado que movimentos sociais, dando as rédeas da política econômica do governo. Doutro lado, cresce a "bancada da bala" e as posições conservadoras em todos os campos, as quais, coligadas com diversos tipos de intolerância, não têm vergonha alguma em dizer para todos que queiram, e não queiram ouvir, que há de se render homenagens à ditadura militar, aos torturadores, tendo-se bandeiras como aquelas dos direitos humanos como algo a ser aviltado e extirpado.

Que fique claro: a "corrupção"
disseminada não é fruto
senão daquilo que "resta da ditadura"
A serenidade, pois, neste contexto, torna-se seu oposto, sendo impossível contar com qualquer tipo de tolerância. "Negociar" neste terreno não só é uma tarefa inglória: talvez, seja efetivamente fadada ao fracasso, sendo a conciliação um rendimento àquilo de mais vil.



SERENIDADE E AGRESSÃO

A manutenção mesma das bases da sociedade capitalista nos moldes brasileiros, bem como da organização política da "nova" república, supostamente defendidos em nome da serenidade e das soluções que não fossem "radicais", tem como consequência o fortalecimento daquilo que foi colocado "debaixo do tapete" na "redemocratização", e que aparece com toda a força hoje, quando a "era dos direitos" é conciliada com o ataque aos direitos trabalhistas ao passo que o "elogio à serenidade", e mesmo a tolerância, são confundidos com nada menos que "o comunismo" em certas camadas mais virulentas e raivosas dos conservadores.

Neste sentido, se uma crítica ao capitalismo mesmo foi vista como algo "utópico", talvez seja muito mais "utópico" se acreditar no poder da conciliação e da negociação; assim, talvez possa ser o caso de se voltar àquele que tratou com mais cuidado justamente daquilo que, o desenvolvimento social mesmo mostrou, não pode ser colocado "embaixo do tapete", Karl Marx. Isto se dá, não só porque, talvez, trate-se do autor mais mal lido na tradição filosófica ocidental; o autor ganha relevo na medida em que, como mostraram István Mészáros (1930) e David Harvey, por caminhos distintos, mas convergentes, a existência e reprodução mesma da sociedade capitalista, hoje, trazem consigo aquilo de mais grotesco na sociabilidade contemporânea. Para estes autores, tal qual em Marx, formas distintas de agressão e de opressão não são simplesmente algum acidente na história do capitalismo: são o modo mesmo de expressão deste sistema social, que tem como certidão de nascimento a "acumulação originária" realizada principalmente com os cercamentos (expropriação sangrenta dos camponeses de suas terras) e como atestado de sua reprodução diuturna aquilo que Harvey chamou de "acumulação por espoliação", realizada tanto por meio de guerras como de privatizações de serviços básicos e tantas outras maravilhas do (neo)liberalismo.

Dificilmente seria possível negar que os ânimos estão à flor da pele no Brasil contemporâneo. Isso, porém, não significa necessariamente que exista uma polarização clara no campo da política institucional - antes, justamente este acirramento de ânimos pode advir da falência do projeto conciliador da nova república, desenvolvida a partir da transição "lenta, gradual e segura". O modo pelo qual a questão se coloca (principalmente na mídia oligopolizada brasileira) passa longe de esclarecer as raízes da questão. Hoje, no Brasil, a serenidade de outrora dá lugar ao discurso inflamado, convertendo-se em uma crítica ao "tamanho do Estado" e à "ineficácia do Estado", tendo-se por claro que, com aquilo que fora colocado "debaixo do tapete", há uma defesa exacerbada de uma nova rodada de "acumulação por espoliação" (e não é por acaso que a "indignação seletiva" volta-se contra a Petrobras). Até mesmo o "combate à corrupção" não é possível com a conciliação e com a negociação - muito pelo contrário: estas últimas que, mediante a preservação tanto da égide do capital (agora, bastante financeirizado) quanto daquilo que "resta da ditadura", levam à necessidade desta na política institucional. Neste sentido, aquilo colocado "debaixo do tapete" cobra um alto preço também quando parece haver certo curto-circuito entre a "volta dos que não foram", a reprodução diuturna do capital e o financiamento (que é um investimento) privado e empresarial das campanhas políticas. Até certo ponto, dizer que uma esfera pública que tem estas bases é realmente democrática só pode ser uma piada, de muito mau gosto, diga-se de passagem.

O discurso verborrágico que vem ganhando força é justamente o discurso a favor da manutenção destas vicissitudes. E, dado que a conciliação já não se mostra mais possível, é preciso se dizer que um programa contra estes vícios somente é possível com uma posição decidida contra "o que resta da ditadura", o que tem como consequência uma posição firme contra a própria conformação do capitalismo brasileiro. Certamente pode-se falar de crise hoje, não há dúvidas. Isto, porém, não se dá tanto nos termos propagandeados pela mídia oligopolizada, quanto na medida em que esta traz consigo uma situação insustentável dentro das estruturas vigentes (tanto econômicas quanto políticas). Tratar desta questão no Brasil certamente é bastante difícil, dado que na crise, "verificam-se os fenômenos patológicos mais variados"¹. Por aqui, certamente, verificamos estes fenômenos, expressos na "volta dos que não foram"; no entanto, aqui "o velho" nem sequer morreu, e parece não estar disposto a qualquer espécie de eutanásia. O "novo", por sua vez, tratado por Antonio Gramsci (1891-1937), só pode nascer com uma posição decidida contra a ordem presente, e, neste sentido, não é tanto preciso uma "mudança de paradigma", mas uma crítica resoluta à própria conformação do capitalismo, como aquela feita por Karl Marx.

1 - GRAMSCI, 2002, pág. 184

REFERÊNCIAS

AB 'SABER, Tales. "Brasil, a ausência de referências significativamente políticas". In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura? São Paulo: Boitempo, 2011.

ARANTES, Paulo. Zero à esquerda. São Paulo: Vozes, 2004.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução por Carlos Nelson Coutinho. Porto Alegre: Elselvier, 2004.

________. Elogio à serenidade. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Unesp, 1998.

BERCOVIC, Gilberto. "O direito constitucional passa, o direito administrativo permanece: a persistência da estrutura administrativa de 1967". In: TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (org.). O que resta da ditadura? São Paulo: Boitempo, 2011.

HABERMAS, Jürgen. Agir Comunicativo e Razão Descentralizada. Tradução por L. Aragão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.

_______. Comentário à ética do discurso. Tradução por Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Piaget, 1999.

_______. Direito e Democracia. Entre a Facticidade e a Validade. V I. Tradução por Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

_______. Direito e Democracia. Entre a Facticidade e a Validade. V II. Tradução por Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

________. Limits to capital. London: Verso, [1982] 2006.

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. Tradução por Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

________. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). Tradução por Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

HONNETH, Axel. A luta por reconhecimento. Tradução por Luiz Reppa. São Paulo: 34, 2003.

MARX, Karl. O Capital, Volume I. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

MEGANE, Felipe Toledo. Democracia, impunidade e tortura: o estado democrático de direito 'abrasileirado'. In: Verinotio: revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, no Horizonte: 2014. (Disponível em www.verinotio.org)

MÉZSÁROS, István. A montanha que devemos conquistar. Tradução por Maria Izabel Lagoa. São Paulo: Boitempo, 2015.

________. Estrutura social e formas de consciência II. Tradução por Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2011.

FAMÍLIA



O Livro dos Espíritos 
Livro Terceiro - Lei de Sociedade
Laços de Família




Pergunta 774: Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os homens, mais do que resultado dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos pensar a esse respeito?

Resposta: “Diverso do dos animais é o destino do homem. Por que, então, querem identificá-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das necessidades físicas: há a necessidade de progredir. Os laços sociais são necessários ao progresso e os de família mais apertados tomam os primeiros. Eis por que os segundos constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens aprendessem a amar-se como irmãos.” (205)

Pergunta 775. Qual seria, para a sociedade, o resultado do relaxamento dos laços de família?

Resposta: “Uma recrudescência do egoísmo.”



          
A magna questão da família é tema de sempre. Apesar de sabermos que a família é a unidade básica da sociedade, sua célula primeira, sua importância merece permanente vigilância e estudo de todos os segmentos da coletividade humana. Não pretendemos, aqui, fazer um estudo enciclopédico ou histórico da família, já que este livro não é o único, tampouco visa esgotar uma matéria tão complexa e delicada que envolve os dramas de almas que se amam e se odeiam na escalada das múltiplas existências. Considerando, sobretudo, que a família é um laboratório vivo de experiências e aprendizado, uma verdadeira escola para educação dos espíritos, na sua ansiosa busca da felicidade, que ainda não é deste mundo, mas pode nele começar. Devemos considerar, outrossim, que a visão espírita de família, difere das filosofias não reencarnacionistas. O Espiritismo apresenta a família como o instituto abençoado em que as criaturas humanas se reencontram com um programa de provas e expiações, com vistas ao futuro. Por outro lado, a família, na concepção espírita, antes de ser a reunião de corpos é o reduto sagrado de espíritos imortais. A visão reencarnacionista traz um entendimento que motiva as criaturas ao esforço pelo próprio progresso moral, através da renúncia, da boa vontade, da ajuda mútua, do perdão, da tolerância e muito mais, se se alcançar um grau de consciência desperta. A grande batalha que se trava no imo do ser humano, ainda se debita ao egoísmo, que gera os grandes problemas e até tragédias de conseqüências imprevisíveis.

A consciência desperta pela razão e pela lógica dos ensinamentos espíritas leva a criatura a aceitar certas conjunturas decorrentes do passado, apresentadas em forma de antipatia, ódio, ciúmes, entre familiares. Igualmente se explicam atrações sexuais doentias entre pais e filhos, entre irmãos, adultério e até os incestos podem ter raízes em encarnações anteriores. Da mesma forma se podem explicar a simpatia, a afinidade e o amor que brotam espontaneamente entre as criaturas.

Daí, o presente trabalho visa trazer uma contribuição aos pais, educadores, evangelizadores e à sociedade, numa tentativa de encontrar soluções que minorem o sofrimento oriundo da ignorância do que seja família e sua missão na Terra.

A família não é somente foco de lutas e problemas, mas também fonte geradora de felicidade quando há entre todos os seus componentes a iluminação de princípios espirituais superiores.

Reunimos nesta obra o que já foi escrito pelos Espíritos Joanna de Ângelis, Amélia Rodrigues, Benedita Fernandes, Manoel Philomeno de Miranda, em diversos títulos editados pela LEAL, pela FEB e outras editoras. Destacamos, igualmente, algumas questões inseridas na codificação Kardequiana e entrevistas com Divaldo Pereira Franco abordando a família e os problemas correlatos, como: pais, filhos, casamento, separação, vícios, educação para a vida e para a morte, resgate, influência da religião, sexo, evangelização infantil e juvenil, entre outros, já que o lar é a primeira escola e os pais os primeiros educadores.

Como já vem sendo amplamente divulgado, este é o Ano internacional da Família, instituído pela ONU, em seu calendário oficial. A USE, União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, lançou no ano passado, a campanha “Viver em Família” com o slogan “Vamos apertar (mais) este laço”. A FEB também se engajou neste movimento, dando sua contribuição valiosa ao nível nacional. A USE tem promovido conferências e seminários em todo o Estado de São Paulo a respeito deste tema. O próprio Divaldo Franco realizou várias palestras abordando o assunto em vários pontos do País.


S.O.S. FAMÍLIA procura colocar em suas mãos, num volume, aquilo que está contido em diversos livros psicografados por Divaldo Franco.

S.O.S. FAMÍLIA é mais uma antologia de trabalho dos Bons Espíritos, interessados em ajudar a criatura humana na condição de espírito eterno, na conquista da plenitude interior e da felicidade absoluta, destinação de todos nós.

Por Miguel de Jesus Sardano



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ESPIRITISMO E ÉTICA

Extraído do Boletim Seara Espírita Joanna de Ângelis, outubro/2009, ano 3, edição 32.


Quando a Humanidade já havia  o suficiente  para receber  as  primeiras  noções  a  respeito da existência  de um Deus  único  e  de  suas  leis  de Justiça,  a  Providência  Divina  enviou  Moisés,  que nos  deixou  os  Dez  Mandamentos,  convidando  os homens a não praticar o mal.

Quando o ser humano  começou  a  apresentar condições  de  aprender  as  noções  básicas  do amor  como  procedimento  de  vida,  Deus  enviou Jesus, que  nos  deixou o  Evangelho  e  se transformou  em  guia  e modelo, convidando  os homens  a uma  nova  postura  moral,  no  sentido de  praticar  o bem.

Quando a Humanidade começou a demonstrar interesse em conhecer a verdade,  no seu sentido mais amplo e profundo, a Providência Divina enviou os Espíritos Superiores, tendo à frente o Espírito  de Verdade,  os  quais  nos  legaram  a  Doutrina Espírita, o Consolador prometido por Jesus, popularizando a mediunidade, revelando o mundo espiritual  e  a  nossa  condição  de  seres  imortais em constante evolução, assim como as Leis de Deus, jorrando novas luzes sobre os ensinos do Evangelho que Cristo nos deixou.

Em todas essas  oportunidades,  o  ser  humano tem sido  convidado  a  adotar  postura  moral  cada vez melhor,  em  face  de  novos  conhecimentos obtidos por força da Lei do Progresso.

Com a Doutrina  Espírita,  além  de  estarmos esclarecidos  de  que  não  devemos  fazer  o  mal  e devemos fazer o bem, temos uma clara consciência da  verdade  que  emana  de  Deus  e  de  suas Leis, as quais não deixam dúvida quanto à imperiosa necessidade de colocarmos em prática os ensinos do Evangelho, que expressam essas Leis, atendendo ao nosso próprio interesse e à melhoria da sociedade em que vivemos.

É por isso que os Espíritos Superiores  apresentam uma  ética para os que detêm os conhecimentos espíritas:  a  prática  da  Caridade,  como entendia Jesus  -  Benevolência  para  com  todos, indulgência para  as  imperfeições  dos outros, perdão  das  ofensas. [1] A prática da caridade nos traz,  ainda,  solução  para  todos  os  problemas e segurança para todos desafios.

Com razão,  Allan Kardec conclui que “os verdadeiros espíritas, ou melhor, os espíritas cristãos” são aqueles em que “a  caridade é, em tudo,  a  regra de proceder  a  que  obedecem”. [2]


1 - KARDEC, ALLAN. O Livro dos Espíritos. Q.886. Ed. FEB.
2 - Idem. O Livro dos Médiuns. Cap. 3, item 28. Ed. FEB.

Fonte: Editorial do Reformador - FEB - Ano 127, nº 2.166, 
setembro de 2009.

PROVIDÊNCIA DIVINA


Por Divaldo Pereira Franco, através de Joanna de Ângelis (Espírito).

A Onisciência Divina estabelece os Seus Códigos Soberanos com perfeição e sem qualquer improviso, tendo em vista os acontecimentos que se deverão desenvolver à medida que o progresso assinale as conquistas que vão sendo conseguidas.

Programando o ministério de Jesus e a difusão da Sua doutrina de amor, fez com que Espíritos Nobres mergulhassem na indumentária carnal em diferentes períodos do pensamento histórico, a fim de que as criaturas pudessem ampliar a percepção em torno do futuro empreendimento libertador para as consciências.

Desde tempos imemoriais, nos diversos países e culturas, missionários sábios trouxeram, por determinação divina, fragmentos da Verdade que deveriam facilitar o entendimento das Leis da Vida preparando o advento do Messias de Nazaré.

Desse modo, jamais faltaram às criaturas terrestres as diretrizes de segurança e as luzes do entendimento que lhes facultassem gerar critérios capazes de despertar os valores eternos que se lhes encontravam adormecidos no germe do ser.

De acordo com o nível de consciência de cada estágio da evolução, assim como da dimensão do pensamento, Leis rigorosas e orientações severas abriram os espaços mentais do ser humano para compreender lentamente os objetivos existenciais e perceber a própria imortalidade em cujo oceano de bênçãos se encontra.

À medida que o aprimoramento moral se foi estabelecendo, esses códigos de regência dos destinos se foram tornando amenos e mais compatíveis com os naturais processos de evolução.

Saía-se do primarismo dos instintos para a ética dos costumes, atenuando a belicosidade asselvajada, de forma que a cultura e a civilização se inscreveram nos painéis emocionais e mentais, aprimorando o caráter e o sentimento, embora na atualidade ainda vicejam alguns remanescentes da brutalidade e da sistemática vinculação com a hediondez.

Conhecendo a prevalência das manifestações primárias sobre a natureza espiritual do ser em evolução, o Criador generoso facultou que os Gênios do Bem e do Progresso insistentemente trabalhassem as faculdades da razão e da emoção humana, a fim de poder assimilar a Mensagem incomparável do Mestre, ao mesmo tempo dilatando-lhe a capacidade de comunicação entre os diferentes povos perdidos no labirinto dos seus complexos dialetos e idiomas que lhes dificultavam a aproximação e a transmissão dos conhecimentos.

Lentamente foram-se ampliando os horizontes da humanidade através das guerras, caminho único para aqueles padrões comportamentais do passado, nos quais predominavam a força e a dominação arbitrária.

Os burgos, aparentemente auto-suficientes, deram-se conta então da necessidade de cada qual buscar hegemonia sobre os demais, ao tempo em que se pudessem fortalecer contra os inimigos comuns, ampliando dessa forma as suas fortificações e passando a invadirem-se reciprocamente uns aos outros, estabelecendo mecanismos de defesa para sobreviver nos períodos de caos, assim interrelacionando-se e adotando línguas que lhe facultassem a convivência.

Expandindo-se os territórios físicos do mundo terrestre, foram-se tornando conhecidos os povos, suas culturas e hábitos, mesmo que sob os clangores das guerras lamentáveis.

Nesse comenos, foi convocado à reencarnação o Espírito Alexandre Magno, da Macedônia, que nasceu no ano 356 a.C. com a missão de difundir o pensamento e a língua grega, havendo sido discípulo de Aristóteles e admirador de Diógenes, de modo que os diferentes povos da Eurásia oportunamente pudessem compreender a mensagem de Jesus, que seria divulgada pelo Apóstolo Paulo, também nesse idioma.

Logo depois, reencarnando-se o mesmo Espírito como filho de Flávia Júlia, o futuro Júlio César iria submeter os diversos povos conhecidos a uma única hegemonia, levando-lhes o latim para, ao lado do grego, tornar-se idioma universal sob a inspiração da Divindade, com o mesmo fim de expandir no futuro, por todo o mundo, a mensagem da Boa Nova.

Preparado o solo dos corações, Jesus veio à Terra e tornou-se o divisor incomparável da História. A Sua proposta de amor, rica de sabedoria, rompeu a treva densa da ignorância, abrindo claridades dantes jamais alcançadas para a construção do Evangelho, isto porque o mundo conhecido quase todo se encontrava sob a dominação de Roma, de onde partiria a Revelação que os Apóstolos Pedro e Paulo deveriam difundir.

Paulo, fascinado pelos Seus ensinos, tendo nascido em Tarso, cidade grega, onde aprendeu o idioma de Atenas, mas submetida ao jugo romano, estudou o latim e, descendente de hebreus, falava o idioma de Israel, equipado, portanto, para o ministério ímpar da disseminação do Reino por toda a parte.

Posteriormente, após a decadência do Império romano, Carlos Magno foi chamado à liça e voltou a reunir parte do mundo fragmentado, de modo a criar as condições sociológicas e históricas para o advento do Espiritismo, que chegaria à Terra mais de mil anos depois.

As lutas sucederam-se na esteira dos tempos e a humanidade esfacelou-se em guerras contínuas, quando a França foi invadida pela Inglaterra, que trazia o peso da cultura anglo-saxônia e ameaçava a ancestral estrutura latina do país.

A Sabedoria Divina conduziu então à reencarnação Joana D’Arc, renascida em 1412 na pequenina Domremy, na França, a fim de reunir e reconduzir a vitórias o desestruturado exército francês, coroando o débil Carlos VII, em Reims e, mesmo tombando vitimada pela intolerância e pusilanimidade dos seus coevos, deixou o país em reequilíbrio, de forma que, no momento próprio, se pudesse concretizar a programação estabelecida para o futuro. 

Cansada dos dias do terror, com os códigos dos direitos humanos firmados e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade desfraldados, a velha Gália recebeu Napoleão Bonaparte, nascido em Ajácio, na Córsega, no ano de 1769 para reunir os Estados europeus, a fim de que Allan Kardec pudesse decodificar o pensamento de Jesus e atualizar o conhecimento espiritual à luz das conquistas da moderna ciência, assim como reconduzir a investigação de laboratório às causas que geram a vida, utilizando-se o então idioma da Cultura e da Diplomacia para logo alcançar as diferentes nações.

Instalados os postulados do Espiritismo no arcabouço cultural da humanidade, aos homens, em perfeita e lúcida comunhão com os Espíritos, cabe a tarefa de fazer resplandecer a Doutrina de Jesus Cristo, instaurando a Era da imortalidade em triunfo acima das convenções vigentes e do materialismo predominante nas Academias e na conduta de muitos que professam o Espiritualismo ancestral nas suas diversas vertentes.

A Onisciência Divina, que programou o Espírito para a glória solar, propicia-lhe, desde os primórdios da Criação, os recursos hábeis para a sua auto-iluminação e o desenvolvimento dos valores adormecidos no imo, alcançando, patamar a patamar, os elevados níveis da sublimação e da plenitude.

Ninguém foge ao destino que lhe está reservado, que é a conquista da paz real e a vitória total sobre as paixões.

Passo a passo, vai-se superando, mesmo que sob as injunções do sofrimento, quando se recusa aos nobres impositivos do amor, e elevando-se, sem cessar, no rumo da angelitude.

O improviso não faz parte dessas Leis Soberanas, encontrando-se delineados os objetivos existenciais e os recursos próprios para que se torne factível o encontro com as consciências pessoal e divina. 

Ao ser humano cabe o dever de investir esforço e sacrifício incessantes, trabalhando a conquista das luzes do conhecimento e das bênçãos do sentimento, para apressar a própria felicidade.

Recordando-se de que Jesus comanda a barca terrestre e Deus administra o Universo, a marcha é inexorável no rumo da Grande Luz que a todos nos banha desde ontem.




Pensamentos extraídos da mensagem Providência Divina, recebida em Hofheim, Alemanha, 10 de maio de 2001. Parte integrante também do livro "Nascente de Bênçãos".