Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

sábado, 23 de julho de 2016

COISAS PARA DESAPRENDER

As crianças não veem com esses bem-acabados folhetos impressos que explicam minuciosamente como funcionam os aparelhos que adquirimos nas lojas. Não trazem um manual de instruções, que ensine como devemos abrir o pacote, tirar o aparelho da caixa, instalá-lo e fazê-lo funcionar. Também não trazem certificado de garantia, que se possa apresentar ao representante autorizado, juntamente com a nota fiscal, caso haja algum defeito de fabricação.

Dizem até que um jovem pai, que acabara de retirar mulher e filho do hospital, levou-o de volta, para reclamar, porque ele estava com um vazamento...

Com o tempo, vamos aprendendo a resolver os pequenos problemas que surgem. E os grandes também, se e quando surgirem. Nós nos valemos da experiência dos mais velhos, geralmente uma das avós, ou ambas, tias, vizinhas e, naturalmente, dos médicos, quando a situação assim exige.

Para facilitar as coisas, comprei o livro de um famoso pediatra da época, que substituía razoavelmente bem os manuais de instruções que acompanham os eletrodomésticos de hoje e ajudam a solucionar ou prevenir alguns dos “enguiços” mais comuns. Recebíamos dele ensinamentos minuciosos sobre a maneira de cuidar do bebê durante seus primeiros dias de vida: o banho, o sono, a roupa, a alimentação, bem como a interpretação de certos sinais típicos que marcam as diferentes etapas de desenvolvimento: os primeiros passos, os dentinhos de leite, peso, altura, hábitos de higiene e inúmeros outros indicadores.

Toda essa logística tem por objetivo proporcionar aos pais uma criança sadia para que nela se desenvolvam as faculdades mais nobres de inteligência, vivacidade e boas maneiras. Para que ela seja, enfim, uma pessoa útil a si mesma e à sociedade na qual está começando a viver, e na qual vai se envolvendo, cada vez mais, na escola, em seus diversos níveis, e depois, no trabalho, no relacionamento com a família, com os amigos e tudo mais.

Realmente, todos esses elementos são da mais alta relevância e de imediata aplicação naquilo que constitui praticamente um projeto, que é o de criar uma criança proporcionando-lhe todos os elementos possíveis a uma vida decente, equilibrada, normal e feliz. Isso, contudo, é apenas parte do problema, uma vez que continuam sem resposta numerosas questões que podem ocorrer à mãe e ao pai da criança. Em suma, temos livros de obstetras, psicólogos, psiquiatras e pediatras, mas onde encontrar obras escritas por “espiritiatras”?

Enquanto o problema consiste apenas em dar este alimento ou aquele, dormir à tarde ou de manhã, vestir ou não agasalho, ventilar o quarto de dormir, tomar sol, tratar um resfriado ou dor de barriga, as opiniões variam, mas podemos chegar a um consenso, adaptado às nossas próprias condições e, obviamente, às do bebê. Acabamos acertando com o alimento que melhor “concorda” com ele, como dizem os americanos, ou com seus hábitos de repouso e atividade, bem como o tipo de roupinha que melhor lhe convém. Mas, e ele mesmo, como pessoa humana, como individualidade, como é? Por que é temperamental ou apático? O que o faz pacífico e sereno ou agitado e mal-humorado? Por que ele gosta de algumas pessoas e não de outras? Por que chora tanto ou não chora, a não ser excepcionalmente? Por que custa tanto a falar ou a andar, ou a aprender a ler? E, mais tarde, por que gosta de matemática e não de línguas, ou vice versa? E, acima de tudo, quando se tem dois ou mais filhos, por que são tão diferentes entre si, uma vez que gerados todos a partir do mesmo conjunto de genes e criados, no lar, sob idênticas ou muito semelhantes condições?

Afinal, quem são nossos filhos, o que representam em nossas vidas e o que representamos nós na vida deles, além do simples relacionamento pais e filhos?

Longe de respostas mais claras e objetivas, ou, pelo menos, de hipóteses orientadoras, o que observamos, no dia-a-dia das lutas e alegrias da vida, é uma coletânea de clichês obsoletos, ou seja, idéias preconcebidas e cristalizadas que de tão repetidas assumiram status de verdades inquestionáveis, que vamos aceitando meio desatentos, sem procurar examiná-las em profundidade.

Por exemplo: o Marquinho “puxou” o jeito enérgico da mãe, ou a Mônica herdou a inteligência do pai, ou o gosto da tia pelas artes plásticas, ou, ainda, o temperamento da avó Adelaide.

A primeira coisa a desaprender com relação às crianças é a de que elas não herdam características psicológicas, como inteligência, dotes artísticos, temperamento, bom ou mau gosto, simpatia ou antipatia, doçura ou agressividade. Cada ser é único, em sua estrutura psicológica, preferências, inclinações e idiossincrasias. Somente características físicas são geneticamente transmissíveis: cor da pele, dos olhos, ou dos cabelos, tendência a esta ou àquela conformação física, predisposição a esta ou àquela enfermidade, ou a uma saúde mais estável, traços fisionômicos e coisas dessa ordem.

Quanto ao mais, não. Pais inteligentíssimos podem ter filhos medíocres, tanto quanto pais aparentemente pouco dotados podem ter filhos geniais. Pessoas pacíficas geram filhos turbulentos e, vice-versa, pais desarmonizados produzem crianças excelentes, equilibradas e sensatas. Qualquer um de nós poderá citar pelo menos uma dúzia de exemplos de seu conhecimento para testemunhar a exatidão dessas afirmativas.

Por isso, repetimos, cada criança, cada pessoa, é única, é diferente, e embora possam ter, duas ou mais, certas características em comum ou muito semelhantes, cada uma delas é um universo próprio, como que individualizado. Até mesmo gêmeos univitelinos, ou seja, gerados a partir do mesmo ovo, trazem, na similitude de certos traços físicos, diferenças fundamentais de temperamento e caráter que os identificam com precisão, como indivíduos perfeitamente autônomos e singulares.

Vamos logo, portanto, definir um importante aspecto: os pais produzem apenas o corpo físico dos filhos, não o espírito (ou alma) deles.

Outra coisa: convém desaprender logo, para abrir espaço para novos conceitos, mais inteligentes, racionais e competentes acerca da vida. Esses espíritos ou almas que nos são confiados, já embalados em corpos físicos, que nós mesmos lhes proporcionamos, através do processo gerador, não são criados novinhos, sem passado e sem história! Eles já existiam antes, em algum lugar, têm uma biografia pessoal, trazem vivências e experiências e aqui aportam para reviver e não para viver. Estão, portanto, renascendo e não apenas nascendo.

É espantosa a reação que esta ideia simples e genuína tem encontrado para impor-se como verdade que é. O próprio Cristo ensinou que João Batista era o profeta Elias renascido, embora não reconhecido pelos seus contemporâneos. Em outra passagem, falando a Nicodemos, admirou-se de que o ilustrado membro do Sinédrio ignorasse verdade tão elementar, ou seja, a de que é preciso nascer de novo para alcançar a paz espiritual, à qual Jesus dava o nome de Reino de Deus ou Reino dos Céus.

Eis, portanto, a pura, simples e inquestionável verdade: nossos filhos, tanto quanto nós mesmos, são seres humanos que já viveram antes. Trazem em si todo um passado mais ou menos longo de experiências, equívocos, conquistas, realizações e, conseqüentemente, um programa a executar na vida que reiniciam junto de nós. Da mesma forma que não nos desintegramos em nada ao morrer, também não viemos do nada quando nascemos de novo na carne. Tudo é continuidade, etapas que se sucedem, em ciclos alternados, aqui e além.

Anotem aí, portanto: somos todos seres criados por Deus, sim, mas há muito, muito tempo, e não no momento da concepção ou na hora do nascimento, para “ocupar” um novo corpo físico.

Esta ideia constitui a viga mestra de toda a arquitetura da vida, o conceito-diretor que nos leva ao entendimento dos seus enigmas, mistérios e belezas imortais. E, portanto, esta ideia, este conceito, esta verdade que escolhemos para alicerçar este livro, a fim de ordenar o que precisamos saber — dentro das limitações humanas — para entender a vida e, também, ajudar aqueles que nos cercam a entendê-la melhor. Tudo aquilo, mas tudo mesmo, que se chocar com esta verdade, tem de ser desaprendido, se é que estamos realmente empenhados em fazer da nossa vida um projeto inteligente de evolução rumo à perfeição espiritual.

Se o bisavô Joaquim foi um sujeito ranzinza e impertinente e vier renascer como seu filho, provavelmente você vai ter uma criança um pouco difícil e impaciente (a não ser que ele tenha se modificado um pouco nesse ínterim). Da mesma forma que, se uma pessoa de bom coração e pacífica renascer como sua filha ou filho, você terá uma criança calma, bem-humorada, simpática, desde os primeiros momentos de vida, ainda que ocasionalmente apronte uma choradeira homérica se estiver com fome, sentindo calor ou frio, ou porque deseja que suas fraldinhas sejam trocadas.

De que outra maneira iria ela pedir isso? Se lhe fosse possível falar, ela diria, educadamente: — Mamãe, você quer fazer o favor de trocar minha fralda? — Ou: —Você não está se esquecendo de me dar a papinha das dez horas?

Deixe-me, pois, dizer-lhe, para ajudar a armar o esquema de como cuidar do seu bebê: ele é um espírito adulto, inteligente e experimentado, aprisionado em um corpinho físico que ainda não lhe proporciona as condições mínimas de que precisa para expressar todo seu potencial. Isto se dará com o tempo, como você poderá observar, à medida que a criança vai crescendo e se revelando como realmente é.

Então, sim, quem disser que ela “puxou” ao birrento bisavô Joaquim é possível que tenha razão, porque, de fato, pode ser o próprio, de volta. Ou se ela for aquele remoto parente genial que escreveu livros, compôs música ou foi um brilhante político, então você terá o privilégio e a responsabilidade de ajudá-la a expressar-se novamente como ser humano; provavelmente, em outro campo de atividade. Em verdade, responsabilidade você tem sempre, seja qual for o filho ou filha, brilhante ou deficiente, amigo ou não tão amigo, sadio ou doente, compreensivo ou rebelde.

Por alguma razão, que um dia você saberá, ele foi encaminhado, atraído ou convidado para vir para sua companhia. Dificilmente será um estranho total, cujos caminhos jamais tenham se cruzado com os seus, no passado. Não se esqueça de que também você é um ser renascido.

Capítulo II do Livro "Nossos Filhos São Espíritos" 
de Hermínio Miranda.

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