Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

domingo, 3 de abril de 2016

ALLAN KARDEC - MODELO DE CIRCUNSPECÇÃO E RECOLHIMENTO


Recebido por email do IPEAK.

Poderíamos imaginar, nos dias de hoje, um jovem naturalmente calmo, recolhido, circunspecto?

Essas qualidades naturais em um jovem são raras e indicam um Espírito elevado aí encarnado. Em se tratando de um Espírito superior, essas qualidades lhe são inerentes desde a infância. Pois Kardec deve ter sido uma tal criança, um tal jovem.

Nós o surpreendemos, num artigo publicado na Revista Espírita, falando um pouco sobre si mesmo; trata-se da visita que fez em espírito, quando emancipado pelo sono, a um amigo, para trabalhar. 

Reproduzimos aqui uma parte de sua fala:

“Enquanto eu estava calmamente na cama, um de nossos amigos me viu várias vezes em sua casa, posto que sob uma aparência não tangível, sentando-me a seu lado e conversando com ele, como de hábito. Uma vez ele me viu de roupão, outras vezes de paletó. Transcreveu nossa conversa e no-la remeteu no dia seguinte. Percebe-se bem que era relativa a nossos trabalhos prediletos. Querendo fazer uma experiência, ofereceu-me refresco. Eis a minha resposta: ‘Não tenho necessidade disto, porque não é o meu corpo que está aqui, vós o sabeis. Não há a menor necessidade, portanto, de criar para vós uma ilusão.' Uma circunstância muito estranha apresentou-se naquela ocasião. Seja por disposição natural, ou seja resultado de nossos trabalhos intelectuais, sérios desde a minha juventude, poderíamos dizer, desde a infância, o fundo de meu caráter foi sempre de extrema gravidade, mesmo na idade em que não se pensa senão no prazer. Esta preocupação constante me dá uma aparência de frieza, mesmo de muita frieza. É isto, pelo menos, o que muitas vezes me tem sido censurado. Mas sob esse envoltório aparentemente glacial, talvez o Espírito sinta mais vivamente do que se tivesse uma maior expansão exterior. Ora, em minhas visitas noturnas ao nosso amigo, ele ficou muito surpreso por me ver completamente diferente; estava mais aberto, mais comunicativo, quase alegre. Tudo respirava em mim a satisfação e a calma do bem-estar. Não estará aí um efeito do Espírito desprendido da matéria?"[1]
        
Em suas obras Kardec chama a nossa atenção para a necessidade da seriedade, do recolhimento, da pureza de intenções como condição indispensável para a assistência dos bons Espíritos e das boas comunicações. Vamos reproduzir, nestas reflexões sobre o recolhimento, alguns trechos das recomendações dadas pelo nosso Mestre, e que poderão servir ao espírita, individualmente, e aos grupos espíritas que desejam bem se conduzir.

Disse ele: “O concurso dos bons Espíritos, tal é, com efeito, a condição sem a qual não se pode esperar a Verdade. Ora, depende de nós obter esse concurso. A primeira de todas as condições para merecermos a sua simpatia é o recolhimento e a pureza das intenções. Os Espíritos sérios vão aonde são chamados seriamente, com fé, fervor e confiança. Eles não gostam de ser usados em experiências, nem de dar espetáculo. Ao contrário, gostam de instruir aqueles que os interrogam sem ideias preconcebidas. Os Espíritos levianos, que se divertem de todos os modos, vão a toda parte e de preferência aos lugares onde encontram ocasião para mistificar. Os maus são atraídos pelos maus pensamentos, e por maus pensamentos devemos compreender todos aqueles que não se conformam com os princípios da caridade evangélica. Assim, pois, quem quer que traga a uma reunião sentimentos contrários a esses preceitos, traz consigo Espíritos desejosos de semear a perturbação, a discórdia e os desafetos.

A comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem é, assim, uma condição primordial e não é possível encontrar essa comunhão num meio heterogêneo, onde têm acesso paixões inferiores como o orgulho, a inveja e o ciúme, paixões que sempre se revelam pela malevolência e pela acrimônia da linguagem, por mais espesso que seja o véu com que se procure encobri-las. Eis o abc da Ciência Espírita. Se quisermos fechar a porta desse recinto aos maus Espíritos, comecemos por fechar-lhes a porta de nossos corações e evitemos tudo quanto lhes possa conferir poder sobre nós. Se algum dia a Sociedade se tornasse joguete dos Espíritos enganadores, é que a ela teriam sido atraídos. Por quem? Por aqueles nos quais eles encontram eco, pois eles vão apenas aonde sabem que são escutados. É conhecido o provérbio: Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Podemos parodiá-lo em relação aos nossos Espíritos simpáticos, dizendo: Dize-me o que pensas e dir-te-ei com quem andas.

Ora, os pensamentos se traduzem por atos. Se admitirmos que a discórdia, o orgulho, a inveja e o ciúme não podem ser inspirados senão por maus Espíritos, aqueles que aqui trouxessem elementos de desunião suscitariam entraves, com o que indicariam a natureza de seus satélites ocultos. Então só poderíamos lamentar sua presença no seio da Sociedade. Queira Deus - e assim o espero - que isto nunca aconteça, e que, auxiliados pelos bons Espíritos, se a estes nos tornarmos favoráveis, a Sociedade se consolide, tanto pela consideração que tiver merecido, quanto pela utilidade de seus trabalhos.

(…) Se tivéssemos em mira apenas experiências para satisfação de nossa curiosidade, a natureza das comunicações seria mais ou menos indiferente, pois nelas veríamos somente o que elas são. Como, porém, em nossos estudos não buscamos uma diversão para nós, nem para o público, mas o que queremos são comunicações verdadeiras, para isso necessitamos da simpatia dos bons Espíritos, e essa simpatia só é conseguida pelos que afastam os maus com a sinceridade de seu coração.[2]

"O perigo está no império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas”.

“Dizer que Espíritos levianos jamais se introduziram em nosso meio, para encobrirmos qualquer ponto vulnerável de nossa parte, seria muita presunção de perfeição. Os Espíritos superiores podem até mesmo permiti-lo, a fim de experimentar a nossa perspicácia e o nosso zelo na busca da verdade. Entretanto, o nosso raciocínio deve pôr-nos em guarda contra as ciladas que nos podem ser armadas e em todos os casos dá-nos os meios de evitá-las.

O objetivo da Sociedade não é apenas a pesquisa dos princípios da Ciência Espírita. Ela vai mais longe. Estuda também as suas consequências morais, pois é principalmente nestas que está a sua verdadeira utilidade.

Ensinam os nossos estudos que o mundo invisível que nos circunda reage constantemente sobre o mundo visível e no-lo mostram como uma das forças da Natureza. Conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina e nos subjuga malgrado nosso, não será ter a chave de muitos problemas, as explicações de uma porção de fatos que passam despercebidos? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do mal não é ter um meio de preservar-se contra ele, assim como o conhecimento das propriedades da eletricidade nos deu o meio de atenuar os desastrosos efeitos do raio? Se então sucumbirmos, não nos poderemos queixar senão de nós mesmos, porque a ignorância não nos servirá de desculpa. O perigo está no império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas, o que não é apenas uma coisa funesta do ponto de vista dos erros de princípios que eles podem propagar, como ainda do ponto de vista dos interesses da vida material.

Uma das táticas do maus Espíritos para alcançar os seus fins é semear a desunião

“Ensina a experiência que jamais nos abandonamos impunemente ao domínio dos maus Espíritos, porque suas intenções jamais podem ser boas. Uma de suas táticas para alcançar os seus fins é a desunião, pois sabem muito bem que podem facilmente dominar quem estiver sem apoio. Assim, o seu primeiro cuidado, quando querem apoderar-se de alguém, é sempre inspirar-lhe a desconfiança e o isolamento, a fim de que ninguém possa desmascará-los esclarecendo-o com conselhos salutares. Uma vez senhores do terreno, podem à vontade fascinar a pessoa com promessas sedutoras; subjugá-la por meio da lisonja às suas inclinações, para o que aproveitam o lado fraco que descobrem a fim de melhor fazê-la sentir, depois, a amargura das decepções; feri-la nas suas afeições; humilhá-la no seu orgulho e, muitas vezes, elevá-la por um instante apenas para precipitá-la de mais alto.

Eis, senhores, o que nos mostram os exemplos que a cada momento se desdobram aos nossos olhos, tanto no mundo dos Espíritos quanto no mundo corpóreo, circunstância que podemos aproveitar para nós próprios, ao mesmo tempo que procuramos torná-la proveitosa aos outros.

(…) Uma sociedade espírita requer outra condição - a assistência dos bons Espíritos - se quisermos obter comunicações sérias, porque dos maus, caso lhes permitamos tomarem pé, nada obteremos senão mentiras, decepções e mistificação. Este é o preço de sua própria existência, pois os maus serão os primeiros agentes de sua destruição. Eles a minarão pouco a pouco, caso não a derrubem logo de início.

Sem homogeneidade não haverá comunhão de pensamentos e, portanto, não serão possíveis nem calma nem recolhimento. Ora, os bons só se apresentam onde encontram tais condições. Como encontrá-las numa reunião onde as crenças são divergentes, onde alguns nem mesmo creem e, por conseguinte, onde domina incessantemente o espírito de oposição e de controvérsia? Eles só assistem aos que desejam ardentemente esclarecer-se para o bem, sem segundas intenções, e não para satisfazer uma vã curiosidade.

Querer formar uma sociedade espírita fora destas condições seria dar provas da mais absoluta ignorância dos princípios mais elementares do Espiritismo.

(…) Aliás, nós possuímos um meio infalível para não temer nenhuma rivalidade. É o que nos dá São Luís: Que haja entre vós compreensão e amor, disse-nos ele. Trabalhemos, pois, para nos compreendermos. Lutemos com os outros, mas lutemos com caridade e com abnegação. Que o amor ao próximo esteja inscrito em nossa bandeira e seja a nossa divisa. Com isto desafiaremos a zombaria e a influência dos maus Espíritos.(…)[3]
        
(…) "A tática ora em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha, e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções. Eis por que vos advirto para que tenhais a maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos.

A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, isto não é possível se somos distraídos pelas discussões e pela expressão de sentimentos malévolos. Se houver fraternidade, não haverá sentimentos malévolos, mas não pode haver fraternidade com egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos que se chocam e se ferem por tudo; com ambiciosos que se desiludem quando não têm a supremacia; com egoístas que só pensam em si mesmos, a cizânia não tardará a ser introduzida. Daí, vem a dissolução. É o que queriam nossos inimigos e é o que tentarão fazer.

Se um grupo quiser estar em condições de ordem, de tranquilidade, de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraterno. Todo grupo ou sociedade que se formar sem ter por base a caridade efetiva não terá vitalidade, enquanto os que se formarem segundo o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não podendo viver todos sob o mesmo teto, moram em lugares diversos. Entre eles, a rivalidade seria uma insensatez, pois ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não pode ser entendida de duas maneiras. Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita pela prática da caridade em pensamentos, palavras e atos, e dizei a vós mesmos que aquele que em sua alma nutre sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja e de ciúme mente para si mesmo se deseja compreender e praticar o Espiritismo.

O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e as sociedades em geral. Lede a história e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos da felicidade humana. Quando se apoiarem nas bases da caridade, serão indissolúveis, porque estarão em paz entre si e consigo mesmos, cada um respeitando os bens e os direitos dos vizinhos. Essa será a nova era predita, da qual o Espiritismo é o precursor, e para a qual todo espírita deve trabalhar, cada um na sua esfera de atividade. É uma tarefa que lhes incumbe, e da qual serão recompensados conforme a maneira pela qual a tenham realizado, pois Deus saberá distinguir os que no Espiritismo só procuraram a sua satisfação pessoal daqueles que ao mesmo tempo trabalharam pela felicidade de seus irmãos.[4]

Encerramos aqui essas breves reflexões sobre o que Allan Kardec considera importante para o bom andamento dos grupos sérios, e de que ele mesmo deu o exemplo. Aos final de cada trecho extraído de suas orientações nós incluímos a referência ao texto integral, a fim de que cada um que queira lê-lo na íntegra saiba onde encontrá-lo.

Incluímos aqui as definições de termos que foram utilizados por Kardec nos textos acima, encontrados em dicionários franceses do século XIX.

Circunspecção: Vigilância prudente que se exerce sobre suas palavras e suas ações, atento a todas as circunstâncias. Discrição, reflexão, reserva, moderação, sabedoria. Agir, falar com circunspecção. Atenção, discernimento, precaução, critério. Contrários: imprudência, leviandade, temeridade.

Circunspecto: que presta muita atenção ao que diz e faz; atento, ajuizado, discreto, prudente, refletido, reservado, sábio. Contrários: aventureiro, imprudente, leviano, temerário.

Recolhimento: ação de se recolher. Buscar o recolhimento na solitude. Estado de uma pessoa que se recolhe.

Recolher-se: reunir em si mesmo toda sua atenção, para ocupar-se somente de uma coisa. Recolher-se antes de falar. Reunir, recolher suas forças. Inferir, tirar alguma dedução. (Nouveau Dictionnaire Universel, de Lachâtre. Paris 1865)


[1]Revista Espírita, fevereiro de 1859 - Os agêneres
[2]Revista Espírita, julho de 1859 - Sociedade Parisiense - Discurso de encerramento do ano social 1858-1859.
[3]Revista Espírita, julho de 1859 - Sociedade Parisiense - Discurso de encerramento do ano social 1858-1859.
[4]Revista Espírita, fevereiro de 1862 - Cumprimentos de ano-novo.

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