Introdução

Há muito o que ser aprendido. Há muito o que podemos extrair do que vemos, tocamos, ouvimos, e acima de tudo, sentimos. Nossa sabedoria vem dos retalhos que vamos colhendo ao longo de nossa evolução, que os leva a formar a colcha que somos. Esse espaço é para que eu possa compartilhar das luzes que formam o que Eu tenho sido!!!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O SOTAQUE DAS MINEIRAS - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo (das mineiras) ficou de fora?
Mineira deveria nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à saúde. 
Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?
Assino achando que ela me faz um favor.
Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma. Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.
Preferem abandoná-las no meio do caminho, não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'.Não dizem: onde eu estou?, dizem: 'ôncôtô'.
Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem lingüisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não (...)
Mineiras não usam o famosíssimo 'tudo bem'. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra:
- 'Cê tá boa?'. Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário. 
Há outras. (...)
- 'Aqui', não vou dar conta de chegar na hora, não. Esse 'aqui' é outro que só tem aqui (...)
Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de 'bonitim', 'fechadim', e por aí vai. Já me acostumei a ouvir:
- E aí, 'vão?'. Traduzo: - E aí, vamos?
Não caia na besteira de esperar um 'vamos' completo de uma mineira. Não ouvirá nunca. 
Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas.
Por exemplo, em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: - Eu preciso 'de' ir. Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe (...) Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum.Entendam... Você não precisa ir, você precisa 'de' ir. Você não precisa viajar, você precisa 'de' viajar. Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:- Ah, mãe, eu preciso 'de' ir?
No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um 'tanto de coisa'. O supermercado não estará lotado, ele terá um 'tanto de gente'(...) Entendeu? Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará: - 'Ai, gente, que dó'.É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras (...)
Para uma mineira falar que algo é muitíssimo bom vai dizer: - 'Ô, é sem noção'. Entendeu?É 'sem noção! ' Só não esqueça, por favor, o 'Ô' no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?
Capaz...
Se você propõe algo ela diz: - 'Capaz'!!!Vocês já ouviram esse 'capaz'? É lindo(...) Já ouviu o 'nem...?' Completo ele fica: - Ah, 'nem' (...) A propósito, um mineiro não pergunta: - Você não vai? A pergunta, mineiramente falando, seria: - 'Cê' não anima 'de' ir? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem(...)

O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras.Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar: - Ah, fui lá comprar umas coisas... - 'Que' s coisa?' - ela retrucará. O plural dá um pulo(...)
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa,confidenciará: - Ele pôs a culpa 'ni mim'.A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas. Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'. E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam.Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim.
A fórmula mineira é sintética. E diz tudo. Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'. É útil deixar claro o destinatário do tchau. Então neh, as mineiras são trem bão demais sô....


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